História: Senhora em Close-Up

Dossiê Geraldo Vietri

 
Por Adilson Marcelino
 

Editada pelo notável Minami Keizi, a Cinema em Close-Up, que circulou em meados dos anos 1970 (75/77), foi, e é, verdadeira bíblia do cinema popular, sobretudo da Boca do Lixo. Atualmente disputadíssima por pesquisadores, a publicação faz radiografia generosa do cinema brasileiro feito na época, abrindo espaço para todo tipo de produção, seja dos nomes ligados ao Cinema Novo e ao Cinema Marginal, mas reservando lugar especial para os personagens do cinema popular em matérias, reportagens, perfis, fotos e coberturas de filmagens.

Abaixo, uma matéria sobre Senhora, oitavo filme dirigido por Geraldo Vietri. Superprodução para a época bancada por Cassiano Esteves – veterano e importante produtor de filmes fundamentais como A Mulher que Inventou o Amor (1980), de Jean Garret, e parceiro de Vietri em vários filmes – e pelo próprio cineasta, Senhora tem no elenco Elaine Cistina, Paulo Figueiredo, Annamaria Dias, Flávio Galvão, Elisabeth Hartmann, Etty Fraser, e grande elenco – o filme está resenhado nesta edição.

Por erro de diagramação da revista, a segunda parte da matéria tem como pano de fundo bela foto de cena do filme com os protagonistas Elaine Cristina e Paulo Figueiredo, mas que impossibilita a leitura – veja foto que ilustra esta página. Mas dá para ver pela brechas que, na matéria, seria citado Shakespeare e seu Othelo, e outras questões sobre a realização da produção.

Com vocês então parte dessa matéria histórica:

SENHORA

José de Alencar

Filmou-se Senhora, de José de Alencar. Filmou-se porque é preciso fixar no cinema (a exemplo da televisão) uma tradição da Literatura Brasileira. E nada melhor do que José de Alencar, um grande poeta da língua pátria, para termos um ponto de partida na escalada às grandes realizações. A História da Ficção em nossa terra muito deve ao romancista cearense, não só pelo retrato que nos apresenta de tantos ângulos do chão nacional, de seu povo, suas idéias, mas também pela imposição de uma língua brasileira, de um estilo brasileiro, intransferível, personalizado.

Tratou-se o empreendimento (Senhora no Cinema) de arrojo muito grande, considerando a super-produção que o romance exigia. Desenrola-se a história numa época de muitos requintes (1870), em que tudo teve de ser reconstituído, desde cenários até pequenos objetos de cena, para se retratar fielmente aqueles dias do império brasileiro.

Para ter-se idéia do trabalho e valor desta produção, foram confeccionados especialmente para o filme cento e dois trajes femininos e oitenta e sete masculinos. No que se refere a cenografia, o trabalho foi ainda mais insano; desde a pesquisa até a reconstrução de salas, trechos de ruas, carruagens, etc., aconteceram meses e muitos milhões rodando. Orçado inicialmente em oitocentos mil cruzeiros, Cassiano Esteves e Geraldo Vietri acabaram dispendendo quase um milhão, dos novos. Mas valeu a pena, pois o resultado obtido nivela-se perfeitamente e em alguns casos supera o gabarito de um Independência ou Morte, de um São Bernardo, A Moreninha, A Mestiça, etc.

Apenas seguidores e não precursores, a intenção de Vietri e de Cassiano é a de “engrossar a corrente” de fitas com possibilidade de serem exibidas (e respeitadas quando vistas) em outros países. O Histórico é, constatado artisticamente, um dos poucos gêneros do Cinema Brasileiro com público certo lá fora. O estrangeiro sabe que o Brasil existe, quer conhecê-lo, à sua gente. Sabe também o estrangeiro que para se conhecer um núcleo social é necessário antes de tudo o conhecimento de suas raízes. Não é diferente com o brasileiro. Conhecendo-lhe o cerne, é fácil entendê-lo. E nada melhor do que José de Alencar para iniciar (ou prosseguir) tal trajetória até o auto-conhecimento. Foi quase obrigação escolhê-lo para o projeto, ele e o seu mais apaixonante trabalho: Senhora.

É a história da môça pobre que perde o namorado para outra um pouco melhor situada financeiramente. A primeira recebe uma herança e enriquece, depois comprando o homem que a abandonou. Não sabe quem é sua compradora, mas vende-se assim mesmo. Encontram-se apenas na cerimônia de casamento. Casam-se. Ela não aceita a consumação carnal, imposta pela união. Já premeditara isso também. E daí em diante vivem tempos negros, de frustrações e dissentimentos, sem que haja meios de se desligarem legalmente.

Como vêm, nada de sexo, sujo ou limpo. Apenas uma análise de um aspecto da psicologia humana, a ambição. Como Sha…

(a matéria prossegue, mas ilegível, na segunda página, que é essa que ilustra acima).

Depoimento: Paulo Figueiredo

Dossiê Geraldo Vietri


Por Paulo Figueiredo

Vejo com muita simpatia essa iniciativa.

Poucos profissionais do nosso meio artístico são tão merecedores de uma homenagem quanto Geraldo Vietri.

Evidente que a geração atual desconhece esse homem. Mas qualquer ator que tenha feito televisão no período compreendido entre o final dos anos 1950 e final dos 70 sabe de quem estamos falando.

Entre as principais telenovelas daquela época, as que ajudaram a definir a cara da televisão brasileira, as obras que efetivamente consolidaram o sucesso do talento brasileiro, também no exterior, constam, por exemplo, Antonio Maria, Nino, o italianinho, A Fabrica, Vitoria Bonelli, para mencionar só algumas.

São legítimas obras de autor, uma vez que eram escritas e dirigidas por ele, Vietri. O que brotava de sua mente genial ia para o papel e daí para o vídeo sem sofrer distorções, interferências alheias, sem se afetar por palpites. O acerto ou o erro tinham sua grife. E rarissimamente havia erro.

De aparência enganosamente frágil, ele comandava atores e técnicos com voz forte e coração aberto à todas as emoções. Nunca mais conheci alguém com o talento e a coragem desse homem magro, de olhar penetrante, critico ácido da mediocridade onde quer que ela se apresentasse.

Derramava lágrimas sobre o teclado da velha Remington, enquanto escrevia a cena; derramava mais lágrimas na suíte, enquanto dirigia a cena, e despejava ainda mais lágrimas quando assistia a cena pronta.

Sua matéria-prima era gente. Gente boa, gente ruim, gente burra, inteligente, capaz de grandezas e de safadezas. Entre dezoito e vinte horas diárias de trabalho, divididas para pensar, escrever, dirigir e usufruir como o mais simples dos espectadores. Um dos mais completos contadores de historias que conheci. Foi o tipo de sujeito que, se tivesse tido poder para isso, mudaria o mundo com sua máquina de escrever.

Pessoas assim não morrem; ficam encantadas, como diria Guimarães Rosa.

Paulo Figueiredo é um dos atores da “família Vietri”. Atuou em várias novelas, como Nino, O Italianinho, A Fábrica, Vitória Bonelli, Meu Rico Português, e nos filmes Diabólicos Herdeiros, Senhora, Que Estranha Forma de Amar, Tiradentes – O Mártir da Independência e Adultério Por Amor.

Cinema Extremo

Por Marcelo Carrard

A Serbian Film
Direção: Srdjan Spasojevic
Sérvia, 2010

É sempre muito prazeroso descobrir, mesmo depois de tantas produções transgressoras e repletas de deslimites estéticos e narrativos que o Cinema Extremo já produziu, que ainda existem obras com um poder devastador de destruição. O ano de 2010 fica marcado na História do Cinema Extremo como o ano em que a Sérvia colocou no topo da lista dos filmes mais chocantes de todos os tempos: A Serbian Film, dirigido por Srdjan Spasojevic. O filme é um mergulho sem retorno aos mais abissais porões da loucura, ousando em remover seus destroços mais aterradores, colocando-os diante do espectador de maneira perturbadora. A trilha-sonora eletrônica pesada de Sky Wokluh já inicia na abertura seu papel de narradora, ao lado da fotografia de tons cada vez mais sombrios onde o sangue terá o papel de tensão cromática de contraste.

A trama gira em torno de um ator pornô que se envolve com produtores aparentemente da indústria convencional de filmes pornográficos, mas que aos poucos se revelam produtores de filmes não muito convencionais. A descida aos infernos do protagonista é lenta, o roteiro parece usar essa lentidão de maneira proposital, pois até quase uma hora de filme somos expostos ao sombrio mundo de uma produtora que parece querer mostrar algo muito diferente aos seus consumidores. Surge uma cena de violência e humilhação de uma atriz, que perturba nosso herói e que nem imagina o que virá pela frente. O filme tem uma “quebra”, que parece ser um despertar para todos, no momento em que é mostrado o polêmico filme onde aparece um misterioso homem, uma mulher e seu bebê recém nascido. A partir desse momento está configurado o pesadelo em que a personagem principal e o espectador estão presos, sem esperanças de redenção, apenas a descida cada vez mais profunda e aterradora ao perturbador mundo do Snuff, do registro real da morte por uma câmera, acrescido do conteúdo da sexualidade mórbida e explícita. O erotismo é substituído por uma atmosfera fria, crua. A sequência brutal de sexo e mutilação extrema é impressionante em seu realismo selvagem e expressionista, e mesmo assim o filme ainda revela outros momentos de puro horror antes de seu final absolutamente niilista chegar.

A parte final, quase sem diálogos, é um teatralizado ritual de sexo, morbidez e um chocante retirar de máscaras que espectaculariza a perversão em um limite que ultrapassa o insuportável. Uma orgia de sangue e mutilação coroa tudo, como em um paganista ritual de vingança. A escuridão dos corredores presentes no filme representa muito bem a trajetória das personagens rumo ao abismo de trevas. O momento em que o protagonista analisa o conteúdo das gravações é sensacional, ainda mais com o auxílio da diegética trilha sonora que realmente é singular, principalmente nessa longa sequência repleta de revelações perturbadoras. O filme tem uma direção muito precisa, um roteiro que sabe como e quando revelar seus segredos, nos colocando diante de um representante do Cinema Extremo que está à altura de clássicos como Cannibal Holocaust, Sweet Movie, Saló, entre outros. As reações contra A Serbian Film são muitas, com direito a protestos de Ligas Católicas, processos contra a exibição do filme em festivais, o que não acontecia há algum tempo. Polêmicas a parte, A Serbian Film é uma obra de arte poderosa, embebida de muita coragem, de muita transgressão, visualmente singular e somente indicada aos mais experientes apreciadores do Cinema Extremo.

 

Filme-Farol

Por Gabriel Carneiro

NoiteVazia_Cartaz

Noite Vazia
Direção: Walter Hugo Khouri
Brasil, 1964.

Fico abismado toda vez que vejo Noite Vazia, do excelente Walter Hugo Khouri. É uma sensação, penso, muito adequada ao filme, que propõe justamente discutir o enorme abismo entre as pessoas. No longa, dois homens, casados, saem na noite paulistana, à procura de diversão e mulheres. Passeiam de bar em bar, até que, num restaurante japonês, encontram duas prostitutas de luxo encantadoras. Levam-nas para um apartamento que tem como único propósito servir de aposento para as fugidas.

Noite-Vazia2-300x222O que Khouri faz brilhantemente no filme é investigar o tédio e a banalidade na classe média, média alta, paulistana. Mas não faz isso de modo condenatório, sua investigação é muito mais existencial, buscando mais que o retrato, e sim o entendimento desse mundo. São bon vivants, boêmios, desiludidos com suas próprias condições inertes e desinteressadas frente ao mundo. Por isso tão atual, é um sentimento que dificilmente abandona o ser humano, uma vez jogado num turbilhão de futilidades, de necessidades não necessárias.

Muito se diz sobre as influências de Antonioni e Bergman em seu cinema, e, de fato, são evidentes, especialmente em Noite Vazia. Mas não se pode dizer que seu cinema é uma tentativa de imitação. Khouri transpõe perfeitamente um sentimento presente nos filmes dos mestres europeus à realidade de São Paulo – toda a noite paulistana dos anos 1960 está lá, jogada na cara do espectador. É a busca para se encontrar, filosoficamente, existencialmente.

Tais características são muito evidentes no personagem do italiano Gabriele Tinti, que se angustia com sua existência de tamanha maneira, que não consegue mais desfrutar de nada na vida. Mas a busca pela compreensão o faz realizar toda uma sorte de ações que despreza internamente – mas ele sabe que não deve parar, se não definha. O mais curioso é que são ações que se repetem à exaustão. O mesmo pode se dizer da prostituta de Norma Bengell. Ela também tem muita dificuldade de se aceitar como ser humano – e não como prostituta, porque Khouri jamais demonstraria tal preconceito -, mas não consegue sair da rotina que sempre a puxa para esse redemoinho. São diferentes de Mário Benvenutti e Odete Lara no filme, que se aceitam como são, muito mais práticos, que só querem uma distração para continuar a existirem. Bengell e Tinti querem sair daquele abismo, mas não conseguem, enfadam-se e continuam na mesma coisa – quase como num eterno ciclo de tentar entender questões primordiais: quem sou, onde estou para onde vou.

Para tal, Khouri se permite o tempo da contemplação, de observar os personagens, olhar para eles e apreender os gestos e olhares. É um tempo atmosférico, acima de tudo, deixando aNoiteVazia3-300x145 cargo do espectador a compreensão das situações. O mesmo pode se dizer da belíssima fotografia de Rudolph Icsey, que abusa de planos detalhes buscando a aproximação ao personagem.

Sobre a escolha – Tal fator continua me extasiando e foi o que me ganhou quando o vi pela primeira, aos 16 anos, época em que praticamente só via cinemão americano. Havia pedido para meu pai locar alguns filmes, e como não tinha todos – e havia uma promoção para 5 filmes -, meu pai pegou Noite Vazia. Já conhecia o Khouri de nome, mas não havia visto nada dele. Há uma cena em que o personagem de Mário Benvenutti passa mais de dois minutos folheando algumas revistas Fatos & Fotos. Achei aquela cena tão forte, tão poética, não só por sintetizar todo o personagem, mas porque são mais de dois minutos de uma atividade banal, filmados de maneira muito interessante. Para quem só via filmão americano, aquilo era um absurdo, uma reiteração de tempo desnecessário – mas não, lá havia um fascínio.

Por assim ser, Noite Vazia não só me abriu para o cinema do Khouri, mas como foi também uma das portas de entrada para o cinema brasileiro e de outras nacionalidades, que buscam um outro tempo de observação.

Nossa Canção

Por Sergio Alpendre

Quando o Adilson me pediu para escrever um texto sobre alguma música, ou alguma trilha, ou algo parecido, dentro de um filme brasileiro, topei na hora, achando que a tarefa seria fácil. Não aprendo nunca, pois já tive tarefas parecidas, e elas nunca foram fáceis. O desafio, no entanto, é estimulante.

De início pensei em alguma pornochanchada. Trapeze, Grand Funk Railroad, Focus, Emerson, Lake & Palmer, Led Zeppelin e outros baluartes do classic rock já balançaram trepadas e malandragens geniais na Boca do Lixo. E eu gosto de rock, afinal. Seria a escolha perfeita. Mas qual trilha? De que filme? Essa Gostosa Brincadeira a Dois? Bonitas e Gostosas? A Menina e o Estuprador? Algum do Carlão?

Pensava em alternativas, e sempre me voltava à mente o recente Cabra Cega, de Toni Venturi. Menos pelo filme do que pela música clássica de Sérgio Sampaio, “Eu Quero Botar Meu Bloco na Rua”, testemunho perfeito daqueles anos de chumbo da ditadura militar brasileira, e na maneira como ela entra em cena, com o personagem angustiado vivido por Leonardo Medeiros em um terraço do prédio em que está escondido. Decidi escolher essa música então, em homenagem a “aquele que disse”.

Sérgio Sampaio era também um angustiado. Artista único, gênio mal compreendido, velho bandido segundo ele próprio, demorou a ter seu talento reverenciado pelo cinema brasileiro (pelo menos até onde posso lembrar). Esse hino embalou corações que não tinham nada a ver com a luta contra a repressão, e marcou o período em que o Brasil era governado por Emílio Garrastazu Médici, considerado o período mais duro da ditadura.

“Há quem diga que eu dormi de touca
Que eu perdi a boca, que eu fugi da briga
Que eu caí do galho e que não vi saída
Que eu morri de medo quando o pau quebrou”

Essa é a estrofe inicial da música mais famosa de Sérgio Sampaio. Talvez seja a estrofe mais indicativa de sua posição: um artista popular considerado alienado ou simplesmente alguém que, por ser humano em demasia, tem medo do confronto? A dúvida está presente nessa letra poética, mas o fato é que a música ficou marcada para essa geração como um símbolo de tempos instáveis.

Em Cabra Cega, filme que nem sempre é feliz na radiografia desse período, Toni Venturi acertou ao colocar “Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua” na trilha. Provoca a imediata lembrança naqueles que viveram a época e ouviam a canção pelas estações de rádio, e um saudosismo fantasioso para aqueles que eram muito novos, ou nem eram nascidos, mas que adotaram Sérgio Sampaio para adornar suas cabeceiras.

Sampaio era um gênio, mas foi Raul Seixas, seu grande amigo, que mereceu o estrelato. O mundo nunca foi mesmo justo.

Sérgio Alpendre é crítico de cinema, editor do blog Chip Hazard, redator da Folha de S. Paulo (Guia livros, discos, filmes), do UOL, e da Foco.

O Que É Cinema Brasileiro?

Por Marina Mol

 

E o que é o cinema brasileiro contemporâneo?

Diz Jean-Claude Bernadet, em Brasil em tempo de cinema (1967), que conheceremos a significação do cinema que fazemos só quando soubermos em que ele vai dar e quando pudermos elaborar uma visão do conjunto cultural e social em que ele se integra. A imagem cinematográfica é um forte instrumento de identificação de um povo e ela compõe o modo como apreendemos e compreendemos o mundo que nos rodeia. Por meio dos filmes, podemos pesquisar como nos mostramos e como os outros nos veem.

Então, falar sobre os filmes e diretores da atualidade é tarefa imprescindível. Essa é uma tarefa mais difícil que analisar um autor que já tenha sua obra reconhecida, mas por outro lado, há uma boa vantagem de se pensar e discutir o cinema feito hoje, porque vivemos no mesmo tempo e realidade desses cineastas. Somos, assim, testemunhas das mudanças que estão efetivamente acontecendo.

Não pretendo entrar em questões relativas à produção ou ao gargalo da distribuição e da exibição de nossos filmes. Isso é muito pano para outras mangas. Queria delinear um mapa da produção atual, dos filmes da pós-retomada que temos acesso por meio dos festivais, mostras, exibições especiais e, também, através das tradicionais salas de cinema.

O cinema brasileiro contemporâneo não vive nenhum movimento específico, como foi toda a história do nosso cinema: chanchada, cinema novo, marginal, etc, hoje a herança da retomada – outro conceito pouco específico – produz uma variedade geral. E um dos pontos positivos dessa geléia geral é a dissolução da produção e a chegada de filmes fora do eixo Rio/São Paulo. Apresentando, assim, uma geografia mais ampla do cinema brasileiro. Hoje, em muitos festivais, temos a oportunidade de entrar numa mesma sessão e ver obras de Pernambuco, Ceará, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Goiás, dentre outros.

O espectador do cinema nacional pode escolher entre filmes tão diferentes como Viajo porque preciso, volto porque te amo (foto 1), realizado pelos pernambucanos Marcelo Gomes e Karim Aïnouz, num formato que mistura documentário e ficção. Ou assistir a um blockbuster como Chico Xavier, de Daniel Filho, ou o estrondoso Tropa de Elite 2 (foto 2), de José Padilha, que foi o maior lançamento de todos os tempos do cinema nacional com distribuição independente e que já bateu os 11 milhões de espectadores. Ou ainda optar por documentários, como Solidão e Fé, vencedor do júri popular da 14ª Mostra de Tiradentes, sobre a realidade dos peões de rodeio e dirigido por uma mulher, a paulista Tatiana Lohmann.

Assim, mais que enumerar, queria destacar a diversidade como uma das características mais fortes da produção cinematográfica brasileira atual. Há filmes para todo tipo de gosto e público. E essa diversidade a que me refiro não está somente relacionada à temática abordada nos filmes, ela mora também nos diversos e variados formatos, gêneros, orçamentos, níveis de experimentação e, principalmente, nos graus de diálogo com o público:

– filmes de linguagem mais acessível, próximos das novelas, sem muitas experimentações, como os Globofilmes, produzidos por Daniel Filho e Guel Arraes (ambos, porém, a seu tempo e modo, grandes experimentadores na TV);
– filmes de veteranos como Jorge Furtado, Nelson Pereira dos Santos, José Joffily e Cacá Diegues – que foi produtor de 5X Favela – Agora por nós mesmos – releitura do clássico do cinema novo;
– os filmes produzidos fora do eixo Rio/São Paulo, como os filmes do Kleber Mendonça Filho, em Recife, os jovens da Alumbramento de Fortaleza, a Casa de Cinema, de Porto Alegre;
– os experimentais, de inspiração na videoarte, de perfil mais poético, livre e sem uma narração clássica, como os diretor mineiro Cao Guimarães e a produtora Teia, de Belo Horizonte, que tem entre seus integrantes Sérgio Borges, que lançou o ano passado o lindo Céu sobre os ombros (foto 3), vencedor do Festival de Brasília;
– os de gênero como os filmes de estrada, que inspirados no road movie desbravam as estradas do país para contar histórias de abandono e superação, como Estrada para Ythaca, dos irmãos Pretti e dos primos Parente (CE), Cinema, Aspirinas e Urubus, de Marcelo Gomes (PE), além do já citado Viajo porque preciso, volto porque te amo;
– os filmes de jovens cineastas que, de alguma forma, privilegiam abordagens contundentes, como Karim Aïnouz, de Madame Satã”, Laís Bodanzky, de As melhores coisas do mundo e Bicho de 7 cabeças, José Padilha, de Ônibus 174 e Tropa de Elite” e, ainda, Cláudio Assis, de Febre de Rato.
– o número crescente dos documentários, que faz escola com os diretores Eduardo Coutinho e João Moreira Salles. Sem contar os documentários e cinebografias musicais como Uma noite em 67, sobre o festival da Record daquele ano, dirigido por Renato Terra e Ricardo Calil, Simonal – Ninguém sabe o duro que dei, de Claudio Manoel, Calvito Leal e Michael Langer e Elza, de Isabel Jaguaribe e Ernesto Baldan.

Não quero encaixotar, nem tipificar os filmes e seus realizadores. Essas obras são mais complexas e certamente há interseções evidentes nessa enumeração aqui apresentada. Sei que não esgoto esse universo nesse texto, mas queria mostrar como há um mapa diverso de opções no cenário do cinema brasileiro contemporâneo. Se os nossos cineastas não medem esforços quanto às dificuldades de se filmar no Brasil e nem quanto às inventividades, cabe a nós espectadores conhecer e verificar a diversidade presente nas telas. Quem ganha com essa heterogeneidade é o público.

Mariana Mól é jornalista cultural e doutoranda em cinema pela UFMG.

Reflexos em Película

O Oscar vai parar?…

 

Por Filipe Chamy

Há poucas semanas todos os noticiários e cadernos de cultura nos jornais, todos os sites e blogs e todos os comentários dos amigos que se interessam por cinema giraram em cima de um assunto: o Oscar. Por que um prêmio desses continua tendo tanta atenção?

No viés de “panorama da indústria”, o Oscar interessa aos ianques, e olhe lá. A nós não diz nada, e, a bem da verdade, não deveria dizer nada a eles. Podemos pensar por exemplo no ridículo efeito colateral que ele ocasiona quando faz produtores se coçarem de gana ao financiar projetos muito parecidos, investindo na fórmula “ganhou uma vez, ganhará de novo”; não que a lógica seja equivocada, mas é um pensamento tão torpe que, em cinema, equivale a, em relacionamentos, trocar de namorada por uma mulher exatamente com as mesmas características físicas da antiga parceira. Porque Oscar é isso, aparência de mentira, fachada da verdade, e em verdade uma besteira que não serve a nada. Mas o diabo é tão manhoso que aqui estou eu dedicando uma coluna inteira a esse prêmio que, já disse, não me interessa. Não é hipocrisia. É um pedido de open your eyes a algum eventual leitor.

O mais ridículo da história são os “bolos” de filmes que se encavalam nessa época. As distribuidoras adiam os lançamentos, para aproveitar o furor alucinante (sempre um mau sinal) que impera nas filas de cinemas pós-anúncio do Oscar. Aí vemos o fenômeno das maratonas, gente correndo para ver o máximo de filmes possível. Gente que no restante do ano diz não ter tempo para ver filmes, gente que não vê filmes no resto do ano. Ora, mas o que é isso? Não há qualquer justificativa para esse comportamento; ou vão dizer que usam o Oscar como parâmetro de boas indicações, sendo que todos já sabem e comentam que os critérios de seleção são políticos, subjetivos às raias da imbecilidade e totalmente inúteis? Ou é para comentar com os amigos? Tudo bem, eu mesmo participei de bolões este ano, mas levar a sério esse cardápio indigesto que o Oscar apresenta, como se fosse uma carta de sobremesas? Não é o caso de “é bom, mas engorda”, e sim de “só faz mal, mas como assim mesmo”.

Com a popularização da internet, também há cada vez mais presente o “baixamento” de filmes. E é outra coisa associada ao Oscar que não tem sua razão de ser: uma ou duas semanas antes de o filme passar em todos os cinemas (os bons, os maus, os caros, os baratos etc.), há uma imensa leva de pessoas baixando o filme em sua casa, não sei se para ter o bizarro prazer de assistir ao filme antes dos outros ou se para satisfazer uma curiosidade no mais absurda, pois todos já sabemos como são virtualmente todos os filmes do Oscar antes de vê-los.

Claro que não discuto os rótulos risíveis de publicações como Set e Caras, estilo “a noite máxima do cinema” — como se aquela meia dúzia de filmes bastante limitados dissesse respeito a uma tendência da arte ou mesmo a um quadro do que se entende hoje por cinema popular e de alcance; não, é claro que isso tudo é uma bobagem, mas o Oscar é achincalhado e mesmo assim todos querem ver os filmes indicados para falar, com nojo, “esse ou aquele filme não mereceu tantas indicações”. Como se as indicações do Oscar significassem qualidade, como se discutir prêmios da Academia tivesse importância, e como se todos os filmes marginalizados durante o resto do ano fossem instantaneamente abarcados pelo oba-oba que se cria em torno dessa carnavalesca premiação.

Chega de hipocrisia. O Oscar ser visto como algo digno de atenção já é superestimá-lo, mas fingir que não importam os resultados quando se faz torcida, votos e até campanha por algum filme da seleção é ridículo. Esqueçam o Oscar, vejam e discutam filmes.

Musas Eternas

Nita Ney

Por Adilson Marcelino

Desde que o samba é samba que o cinema brasileiro desfila nas telas uma infinidade de musas para ninguém botar defeito. Como Nita Ney, uma das estrelas do cinema dos anos 1920.

O Ciclo de Cataguases, nos anos 20, é, com certeza, um dos mais importantes momentos da história do Cinema Brasileiro. Revelou os cineastas Humberto Mauro e Pedro Comello (também fotógrafo), a atriz Eva Nil, o produtor Homero Cortes Domingues, o fotógrafo Edgar Brasil, e viu nascer as produtoras Sul América Film, Atlas Film e Phebo Brasil Film, responsáveis por alguns clássicos de nossas telas.

E é em Cataguases que Nita Ney vai inscrever seu nome na história do cinema nacional, participando das últimas produções do Ciclo, e brilhando nos filmes de Humberto Mauro, o chamado pelos cinemanovistas, “Pai do Cinema Brasileiro”.

Nita Ney nasceu em 08 de novembro de 1908, em Paris, França. Filha de imigrantes radicados no Rio de Janeiro, ela ingressou na carreira artística através da dança, como aluna da professora russa Maria Ollenewa, diretora do corpo de baile do Teatro Municipal, onde tem aulas junto com sua irmã Yvonne Strada.

A estréia no cinema se dá como figurante no filme O Dever de Amar, uma produção de Paulo Benedetti, dirigida por Vittorio Verga, em 1924.. Nita foi convidada pelo próprio Benedetti, que a conheceu durante a Exposição do Centernário da Independência.

Quatro anos depois, sua vida mudaria completamente ao ser escalada pelo diretor Humberto Mauro para ser a protagonista do clássico Braza Dormida, em 1928. E essa escalação se deu acidentalmente, já que Mauro foi à casa dos pais da futura estrela, na verdade, em busca da irmã Yvonne – que havia sido figurante em Barro Humano (1927/1929), de Adhemar Gozaga -, mas ficou impressionado com a beleza de Nita.

Nita Ney assina contrato com a Phebo Brasil Film e dá vida à mocinha da fita, Anita, que vive uma história de amor cheia de percalços com o personagem vivido por Luis Soroa. O casal tem que enfrentar a oposição do pai de Anita, um industrial, e do funcionário dele, que é apaixonado pela filha do patrão.

Surgia aí, então, uma atriz marcante do cinema nacional dos anos 20, ao lado de estrelas absolutas como Eva Nil e Carmen Santos.

Em seu terceiro e último filme, Nita Ney foi dirigida novamente por Humberto Mauro, dessa vez em outro clássico, Sangue Mineiro (1929), co-produzido e estrelado por Carmen Santos.

Em Sangue Mineiro ela é Neusa, uma personagem feminina a frente do seu tempo pelo seu espírito moderno.

Nita Ney atuou em apenas três filmes, mas com eles conquistou seu posto de musa eterna do cinema brasileiro.


Filmografia

O Dever de Amar, 1924 , de Vittorio Verga
Braza Dormida, 1928, de Humberto Mauro
Sangue Mineiro, 1929, Humberto Mauro

Fontes:
Site Mulheres do Cinema Brasileiro
Dicionário Astros e Estrelas do Cinema Brasileiro
, de Antonio Leão da Silva Neto
Enciclopédia do Cinema Brasileiro, de Fernão Ramos e Luis Felipe Miranda (orgs)

Inventário Grandes Musas da Boca

Silvia Salgado

Por Adilson Marcelino

Silvia Salgado tem carreira pequena no cinema, com menos de 10 filmes no currículo. Ainda assim, esbanjou beleza e talento atuando em filmes de pelos menos dois nomes essenciais da Boca do Lixo: José Miziara e Cláudio Cunha. O que lhe garantiu, claro, cadeira cativa na galeria de musas da Boca.

Silvia Salgado nasceu em 3 de maio de 1950, em Fortaleza, Ceará, mas radicou-se na primeira infância em São Paulo. Graduada em psicologia, em 1977 dá guinada na vida ao ser revelada no concurso de talentos do programa de Moacyr Franco, na TV Globo. Esse fato carimba seu passe de atriz e ela debuta nas novelas da Globo em Á Sombra dos Laranjais (1977), de Benedito Ruy Barbosa e Sylvan Paezzo.

Silvia começa estudos na área e logo estreia no cinema em O Cortiço (1980), de Francisco Ramalho Jr, em que se destaca nessa produção anos-luz aquém do romance clássico do naturalismo, a obra-prima O Cortiço, de Aluísio de Azevedo. Aqui ela é Pombinha, uma menina que teima em não vira mulher, mas que depois acaba tendo a vida completamente mudada.

O estouro nacional ela encontra ao personificar a frágil Jose em O Astro (1977/78), novela de Janete Clair que bateu recordes de público na época – aquela famosa do “Quem Matou Salomão Hayala?”. Ainda na TV, Silvia Salgado vai participar de outras tantas novelas, com destaque para a Bruna Prado de Ciranda de Pedra (1981), de Teixeira Filho, em que atormentava a vida da protagonista Virgínia, interpretada por Lucélia Santos.

O Cortiço não só carimbou a estreia de Silvia Salgado nas telas como despertou os olhos de vários cineastas, encantados com a beleza e talento da jovem atriz.

E esses primeiros cineastas que a escalaram estava todos ligados á Boca: José Miziara, Claudio Cunha, Hércules Breseghelo. Por isso, seu posto irrefutável de uma das musas da Boca do Lixo.

José Miziara reserva não só um papel, mas a própria protagonista de seu Meus Homens, Meus Amores (1978), em que Silvia Salgado co-estrela com a cantora Rosemmary. As duas são vizinhas de porta, e ainda que digam amenidades cada vez que se encontram no elevador, ambas vivenciam momentos dramáticos em suas vidas. Nesses rápidos encontros, elas sempre disfarçam o que sentem em conversas banais. Aparentemente, não têm nada a ver uma com a outra, a não ser o fato de que são estudantes em uma universidade. Porém, há mais semelhanças entre elas do que ambas possam supor.

Na trama, Silvia Salgado é Ana, bela mulher casada com Peter, interpretado por Roberto Maya, um empresário ciumento e escroto que não a deixa trabalhar e a afasta cada vez mais de seus amigos e amigas. Dentre eles está o personagem de João Signorelli, um antigo namorado que tenta reconquistar a amada. Sufocada pela possessividade, agressividade e maus tratos do marido, Ana se sente cada vez mais angustiada e insatisfeita, estado que chega ao auge quando o vê com uma amante. Vivendo em estado crescente de tensão, solidão e opressão, Ana protagonizará ato que irá mudar sua vida.

Nesse terceiro e bom filme de José Miziara, já se pode observar o quanto Silvia Salgado, além de bela e boa atriz, é totalmente cinematográfica.

Silvia Salgado tem encontro também com outro nome fundamental revelado na Boca do Lixo: Claudio Cunha. Com Cunha, ela participa do notável Sábado Alucinante (1979), ambientado no Rio de Janeiro, cuja trama gira em torno dos freqüentadores de uma discoteca. Dentre esses freqüentadores daqueles frenéticos tempos de Dancin Days estão Sandra Bréa como a atormentada Laura, a despachada Baby de Djenane Machado, a grávida solteira Gina de Simone Carvalho, o galã das pitas Bebeto de Marcelo Picchi, dentre outros. Silvia é Diana.

A atriz atua em filme de mais um nome da Boca: o paulista Hércules Breseghelo. Por Um Corpo de Mulher é um drama com tintas policiais ambientado no universo de modelos e fotógrafos.

Com Os Rapazes da Difícil Vida Fácil, Silvia Salgado volta a atuar sob a lente de José Miziara. Dessa vez ela é Carla, noiva ciumenta e virgem do personagem de Ewerton de Castro, que não cede aos avanços sexuais do noivo, com a exigência de só liberar depois do sim do altar. Mal sabe ela que ele vai acabar se tornando um michê. A atriz está no auge de beleza, em filme que tem fotografia e câmera do mestre Antonio Meliande.

Já com nome fora da Boca do Lixo, Sílvia Salgado atua sob a direção de Antonio Calmon, A Mulher Sensual (1981), filme em total sintonia com os produzidos pela galera paulista, inclusive protagonizado pela maior estrela daquele pedaço: Helena Ramos. A Mulher Sensual é último filme do cineasta de temática adulta, antes dele visitar, com sucesso, o gênero juvenil com Menino do Rio (1982), e sua continuação Garota Dourada (1983).

A atriz marca presença também em filmes dos Trapalhões: O Cinderelo Trapalhão (1979), e Os Três Mosqueteiros Trapalhões (1980), ambos dirigidos por Adriano Stuart, cineasta revelado na Boca do Lixo.

Filmografia

O Cortiço, 1978, Francisco Ramalho Junior
Meus Homens, Meus Amores, 1978, José Miziara
Sábado Alucinante, 1979, Cláudio Cunha
Por um Corpo de Mulher, 1979, Hércules Breseghelo
O Cinderelo Trapalhão, 1979, Adriano Stuart
Os Três Mosqueteiros Trapalhões, 1980, Adriano Stuart
Os Rapazes da Difícil Vida Fácil, 1980, José Miziara
A Mulher Sensual, 1981, de Antonio Calmon

Fontes:
Site Mulheres do Cinema Brasileiro
Dicionário Astros e Estrelas do Cinema Brasileiro
, de Antonio Leão da Silva Neto
Enciclopédia do Cinema Brasileiro, de Fernão Ramos e Luis Felipe Miranda (orgs)