Filme-Farol

Por Gabriel Carneiro

NoiteVazia_Cartaz

Noite Vazia
Direção: Walter Hugo Khouri
Brasil, 1964.

Fico abismado toda vez que vejo Noite Vazia, do excelente Walter Hugo Khouri. É uma sensação, penso, muito adequada ao filme, que propõe justamente discutir o enorme abismo entre as pessoas. No longa, dois homens, casados, saem na noite paulistana, à procura de diversão e mulheres. Passeiam de bar em bar, até que, num restaurante japonês, encontram duas prostitutas de luxo encantadoras. Levam-nas para um apartamento que tem como único propósito servir de aposento para as fugidas.

Noite-Vazia2-300x222O que Khouri faz brilhantemente no filme é investigar o tédio e a banalidade na classe média, média alta, paulistana. Mas não faz isso de modo condenatório, sua investigação é muito mais existencial, buscando mais que o retrato, e sim o entendimento desse mundo. São bon vivants, boêmios, desiludidos com suas próprias condições inertes e desinteressadas frente ao mundo. Por isso tão atual, é um sentimento que dificilmente abandona o ser humano, uma vez jogado num turbilhão de futilidades, de necessidades não necessárias.

Muito se diz sobre as influências de Antonioni e Bergman em seu cinema, e, de fato, são evidentes, especialmente em Noite Vazia. Mas não se pode dizer que seu cinema é uma tentativa de imitação. Khouri transpõe perfeitamente um sentimento presente nos filmes dos mestres europeus à realidade de São Paulo – toda a noite paulistana dos anos 1960 está lá, jogada na cara do espectador. É a busca para se encontrar, filosoficamente, existencialmente.

Tais características são muito evidentes no personagem do italiano Gabriele Tinti, que se angustia com sua existência de tamanha maneira, que não consegue mais desfrutar de nada na vida. Mas a busca pela compreensão o faz realizar toda uma sorte de ações que despreza internamente – mas ele sabe que não deve parar, se não definha. O mais curioso é que são ações que se repetem à exaustão. O mesmo pode se dizer da prostituta de Norma Bengell. Ela também tem muita dificuldade de se aceitar como ser humano – e não como prostituta, porque Khouri jamais demonstraria tal preconceito -, mas não consegue sair da rotina que sempre a puxa para esse redemoinho. São diferentes de Mário Benvenutti e Odete Lara no filme, que se aceitam como são, muito mais práticos, que só querem uma distração para continuar a existirem. Bengell e Tinti querem sair daquele abismo, mas não conseguem, enfadam-se e continuam na mesma coisa – quase como num eterno ciclo de tentar entender questões primordiais: quem sou, onde estou para onde vou.

Para tal, Khouri se permite o tempo da contemplação, de observar os personagens, olhar para eles e apreender os gestos e olhares. É um tempo atmosférico, acima de tudo, deixando aNoiteVazia3-300x145 cargo do espectador a compreensão das situações. O mesmo pode se dizer da belíssima fotografia de Rudolph Icsey, que abusa de planos detalhes buscando a aproximação ao personagem.

Sobre a escolha – Tal fator continua me extasiando e foi o que me ganhou quando o vi pela primeira, aos 16 anos, época em que praticamente só via cinemão americano. Havia pedido para meu pai locar alguns filmes, e como não tinha todos – e havia uma promoção para 5 filmes -, meu pai pegou Noite Vazia. Já conhecia o Khouri de nome, mas não havia visto nada dele. Há uma cena em que o personagem de Mário Benvenutti passa mais de dois minutos folheando algumas revistas Fatos & Fotos. Achei aquela cena tão forte, tão poética, não só por sintetizar todo o personagem, mas porque são mais de dois minutos de uma atividade banal, filmados de maneira muito interessante. Para quem só via filmão americano, aquilo era um absurdo, uma reiteração de tempo desnecessário – mas não, lá havia um fascínio.

Por assim ser, Noite Vazia não só me abriu para o cinema do Khouri, mas como foi também uma das portas de entrada para o cinema brasileiro e de outras nacionalidades, que buscam um outro tempo de observação.