A Morte Comanda o Cangaço

Especial Carlos Coimbra


A Morte Comanda o Cangaço
Direção: Carlos Coimbra
Brasil, 1961.

Por Daniel Salomão Roque

O ambiente determina o homem, aparenta dizer Carlos Coimbra em A Morte Comanda o Cangaço. Ao longo do filme, uma considerável galeria de personagens – cangaceiros, agricultores, coronéis, mulheres ambíguas – se deixam enquadrar pela câmera, mas nenhum deles parece adquirir o mesmo peso que a obra confere à geografia nordestina. A urgência, clareza e sinceridade com que o filme sustenta este ponto de vista são tantas que, antes mesmo dos créditos iniciais, um prólogo se incumbe da tarefa de contextualizar os eventos subsequentes no ano de 1929, quando cercas mortíferas impunham uma luta desigual do homem contra natureza: “os desmandos do coronelismo, o banditismo assalariado, a imposição da vontade de poderosos chefes políticos pelo terror criaram um clima de insegurança”, proclama a narração em off por cima de longos, belos e ameaçadores planos gerais do sertão.

Tanto o ambiente quanto os homens por ele determinados são caracterizados, ao longo do filme, por meio de uma estrutura dramática tipicamente clássica. A narrativa é límpida, cristalina, as motivações alheias são imutáveis e evidentes desde o início, ao passo em que certos problemas, como o cangaço e o coronelismo, são reduzidos a questões pessoais ou conflitos do bem contra o mal. Trata-se de um viés certamente questionável, mas o fato é que Coimbra mergulha de corpo e alma nessa perspectiva e explora seus recursos com espantosa eficiência.

Não coincidentemente, os astros de A Morte Comanda o Cangaço são os mesmos de O Cangaceiro, que oito anos antes já apontava as possibilidades oferecidas pelo banditismo social enquanto fonte de ação e aventura cinematográfica. Milton Ribeiro é o Capitão Silvério, fora-da-lei movido por instintos cruéis e braço direito do corrupto Coronel Nesinho; Alberto Ruschel é Raimundo Vieira, pequeno fazendeiro que, ousando questionar a ordem vigente, tem a casa destruída, a mãe brutalmente executada e se torna, ele mesmo, alvo de uma tentativa de assassinato, que seus algozes erroneamente julgam bem sucedida. Enraivecido, Raimundo Vieira forma seu próprio bando e decide extinguir o cangaço por conta própria.

A Morte Comanda o Cangaço é, pois, uma crônica de vingança, filhote nativo de John Ford e Howard Hawks, espécie de faroeste tipicamente hollywoodiano onde os cowboys são substituídos por peões e os assaltantes de bancos, por cangaceiros. Trata-se também de cinema essencialmente físico, voltado para a beleza plástica dos corpos em movimento e da agonia a acometê-los quando perfurados por balas e fações ou violentados pelo clima árido do sertão – uma agonia que, desconhecendo exceções, torna-se ainda mais pulsante quando filtrada por engenhosos travellings e pelo Eastmancolor que não nos poupa do azul escaldante emanado pelo céu nordestino, tampouco do vermelho a escorrer da cabeça decapitada de uma idosa.

Corisco, o Diabo Loiro

Especial Carlos Coimbra

Corisco, o Diabo Loiro
Direção: Carlos Coimbra
Brasil, 1969.

Por Edu Jancz

A primeira seqüência de Corisco, o Diabo Loiro deixa todas as pistas, o DNA, do filme que vamos assistir. Ela também, numa espiral da trama, é a sequência final do filme.  Num circuito contínuo que envolve cangaceiros, soldados (a volante), a população – em sua maioria pobre -, que tenta sobreviver como pessoas de bem, mas o destino…

Corisco e seu bando, cavalgando velozmente, chegam numa casa carregando cabeças cortadas de várias pessoas, entre elas Domingos (Jofre Soares), que “dedurou” o esconderijo de Lampião para os “macacos”, sinônimo popular para soldados, volante.  Lampião, Maria Bonita e seu bando foram aniquilados. Corisco assumiu a vingança.

Sem Lampião, sua liderança e a força do cangaço – como forma opcional de vida -, Corisco e sua companheira Dada´ resolvem mudar de cidade e seguir novos rumos. São emboscados por “macacos”, feridos e presos pelo tenente Rufino (Turíbio Ruiz), implacável caçador e justiceiro.

No caminho da prisão, Corisco e Dadá recordam, em flashback como tudo começou.

Vítima de dupla injustiça, inclusive familiares torturados e mortos violentamente pelos soldados, Corisco não tem outra opção a não ser viver como cangaceiro. Rapidamente, o agora capitão Corisco e seu pequeno bando ganham notoriedade e respeito.

Corisco conhece Dadá ainda garota. Junta-se com o bando de Lampião (Milton Ribeiro), numa festa popular.  Lampião fica fascinado por Maria Bonita (Maracy Mello).  Ela confessa que esperava esse encontro há muito tempo. A partir desse momento, o bando de Lampião permite que seus homens possam levar as companheiras em sua jornada de resistência.

Corisco, o Diabo Loiro mostra os confrontos, parcerias e traições entre cangaceiros, coronéis e a população.  O filme não toma nenhum partido. Mostra a violência de vinganças x traições e o dia a dia da comunidade de “cangaceiros liderados por Lampião”.

A direção de Carlos Coimbra é ponto alto e fundamental de Corisco, o Diabo Loiro. A noção de ritmo do diretor é perfeita. Se visto hoje, em tela grande, o filme seria visto como atual – basicamente no quesito linguagem, fluência e tempo de narrativa. O roteiro administrado por Coimbra cria um filme “sempre vivo”. Nada de planos “mortos”, ou câmera fixa como se o espetáculo fosse visto num teatro com palco italiano.

Carlos Coimbra tem a noção de movimento e encenação que resulta em cinema de identidade universal.  Os brasilianistas e cinemanovistas vão reclamar. Não estou nem aí. O cinema de Coimbra é cinema por excelência. E Pronto.

Corisco, o Diabo Loiro resulta num filme ágil e moderno, visto somar a roteirização e direção de Carlos Coimbra, mais a forma de interpretação dos atores que deram vida a cangaceiros, volante e povo.

Um elenco superafinado (e bem dirigido) é parte fundamental desse resultado.

Corisco, interpretado por um Maurício do Valle, se superando sempre. Ele tem nas mãos um personagem complexo: é povo, é vingador, é marido apaixonado. Teve que trabalhar e variar gestos, olhares e gestão corporal para cumprir a sua missão.

Dadá é a jovem Leila Diniz no auge de sua beleza. À medida que “incorpora” o seu caso com Corisco, Dadá tem que crescer como mulher e cangaceira. O que ela faz com muita sutileza.

Lampião é interpretado pelo veterano Milton Ribeiro.  “Sua atuação cria um “líder” que varia entre o “saber arbitrar”, o “ser duro e viril”, e o ser “romântico e carinhoso” com a sua Maria Bonita.

O veterano Turíbio Ruiz interpreta um tenente “cangaceirofóbico”, que jura ser ele o primeiro a mandar Corisco e seu bando para a cadeia. Sua interpretação soturna e de pouco falar tem um resultado “forte e intimador”.

Por último, cito a bela Maracy Mello. Ela interpreta Maria Bonita. Em 1969 é jovem, linda e atriz de muita personalidade. A altura de um líder como Lampião.

Pessoal. Conheci Maracy Mello e seu companheiro Denoy de Oliveira no final do século XX, mais precisamente em 1998. Os dois ministravam um curso do cinema no Instituto Emílio Fontana. Eu me inscrevi. Fiz o curso. Tanto azucrinei que os dois tornaram-se meus amigos.  Maracy ainda era linda! Companheira exemplar de Denoy “O Baiano Fantasma” de Oliveira.

Independência ou Morte

Especial Carlos Coimbra


Independência ou Morte
Direção: Carlos Coimbra
Brasil, 1972.

Por Adilson Marcelino

Independência ou Morte, filme que Carlos Coimbra dirigiu, roteirizou e montou, foi produzido por Oswaldo Massaini em 1972, ano do sesquicentenário da independência.   Acusado de retrato oficial da versão histórica a serviço da ditadura militar, essa pecha apressada e injusta acabou por encobrir os vários méritos do filme.

É importante ressaltar o belo trabalho de ator de Tarcísio Meira, que imprime um ar inconsequente e de Don Juan em seu imperador e que nos conquista de imediato. Mas o ápice se dá mesmo quando entra em cena Domitila de Castro Canto e Melo, a Marquesa de Santos. É ao focalizar esses acontecimentos de alcova que o filme cresce e não pelo mote que dá título ao filme, ainda que saibamos que um fato está intimamente associado ao outro.

Ainda que em registros distintos, esse foco em Independência ou Morte aponta para o patamar de outro casal torto e conturbado da história, aquele formado pelo Contratador João Fernandes e Xica da Silva, ainda que no filme de Cacá Diegues a lente seja a da carnavalização e os personagens sejam de outra ordem e esfera.

Glória Menezes, desde há muito a senhora Meira, está muito bem na personagem Domitila, mas esse salto não é só por isso, já que o filme tem também outro grande trabalho de atriz, o de Kate Hansen como a Imperatriz Leopoldina.

O grande mérito é porque o aparecimento de Domitila é quando Dom Pedro I chuta o balde de vez, e o que poderia ser apenas um retrato oficial, como tantos injustamente o acusam, dá novo tom para o filme, que fica muitos decibéis acima quando traz essa história de paixão para a boca de cena. E, consequentemente, é também quando a Marquesa de Santos desaparece, em belíssima cena de despedida cruel já nos estertores, que o filme retrocede para o clima do início e muito de seu interesse se dissipa.

Iracema, a Virgem dos Lábios de Mel

Especial Carlos Coimbra

Iracema, a virgem dos lábios de mel
Direção: Carlos Coimbra
Brasil, 1979.

Por Filipe Chamy

A justificativa mais óbvia para esta adaptação do clássico romance Iracema é mostrar a nudez de Helena Ramos (que faz a personagem-título) e das outras atrizes “indigenizadas”. Há uma passagem em que isso se faz mais que evidente: um branco cativo numa oca é guardado “pelas mais belas mulheres da tribo”, e evidentemente lançar-se-á mão do recurso da câmera subjetiva para fazer o olhar do europeu, como mãos desesperadas, percorrer os corpos de suas vigias.

É claro que ninguém reclamará da “exatidão histórica” que apresenta os índios em sua quase total nudez corporal, pois todos sabemos que as roupas que enfiam em Pocahontas, nos filmes americanos, são puras concessões a uma questionável moral e um mais questionável ainda pudor dos espectadores em potencial. Mas isso não faz deste Iracema uma peça de correção étnica: simplesmente é o “unir o útil ao agradável” que facilitou a aquisição de uma exuberância e um sensualismo pretendidos e, assim, comodamente praticados.

Toda a estrutura do filme repousa nesse fascínio pelo corpo feminino, observado com adoração e volúpia, e se os cabelos negros como a asa da graúna comparecem mais na narração inicial que nas imagens que se seguem pela projeção da fita, Iracema possui outros encantos que podem agradar não só a Martim (Tony Correia), mas ao público festejador das pornochanchadas que lotava os cinemas na época: nossa brava índia é um misto de furacão selvagem de formas estonteantes com a cândida inocência cínica da mulher que não sabe o quanto enlouquece os homens. É, portanto, um mito (literário e “de formação” da nossa identidade) que Carlos Coimbra aproxima de nossa realidade, traz a nós como um drama do nosso dia a dia, sem a roupa (literalmente, inclusive) do exotismo, do relato histórico, da lenda anacrônica.

Então apesar de a narrativa ser um pouco convencionada nesse desejo de servir a uma contemporaneidade meio forçada, fica patente o esmero com que Coimbra dirige a encenação épica, e aí já não faz tanta diferença se a virgem dos lábios de mel é Helena Ramos ou uma nativa mais assemelhada ao que José de Alencar descreveu. Porque o capital aqui é fazer valer uma estética que não se esgota na imitação, no mimetismo, mas que tenta alcançar sua expressão com esse deslocamento mesmo, essa índia que não é índia, esse Brasil colonial que parece com qualquer zona de interior ou litoral moderna, esse herói dividido entre a ternura e a carnalidade — mais uma aproximação da pornochanchada.

Daí constatarmos que o Iracema de Carlos Coimbra não é sobre o que fomos ou como nos formamos, mas como somos e como ainda nos vemos. Os grandes dramas são eternos, e não deixa de ser um mérito do filme essa visão de que tanto faz a época dos conflitos ou acontecimentos, o tempo das histórias é indefinido e irrelevante.

Lampião, o Rei do Cangaço

Especial Carlos Coimbra

Lampião, O Rei do Cangaço
Direção: Carlos Coimbra
Brasil, 1964.

Por Aílton Monteiro

Carlos Coimbra dirigiu em 1964 um filme até que bem ambicioso. Lampião, o Rei do Cangaço tem a pretensão de contar a história de uma das figuras mais famosas do sertão nordestino, da infância a sua morte. O fato de Coimbra começar o filme com um cantador numa banquinha de literatura de cordel é bastante representativo da força do mito. A ambição está também na tentativa de criar um filme épico, semelhante aos westerns americanos, com a utilização, muitas vezes, do céu vermelho ao fundo na fotografia estilizada com o uso de cores semelhantes a dos primeiros filmes americanos produzidos em technicolor. Infelizmente essas cores se esmaecem nas cópias atualmente disponíveis.

De qualquer maneira, mesmo restaurado, Lampião, o Rei do Cangaço é um filme que não envelheceu bem. Entre um dos problemas, há o salto temporal, abrupto e sem sutileza, da juventude do jovem Virgulino Ferreira para a fase adulta, já dominando o maior bando de cangaceiros do Nordeste e sendo o alvo número um dos “macacos”, a polícia corrupta do sertão. O salto temporal serve como pretexto para introduzir mais rapidamente a entrada em cena de Leonardo Villar no papel do Lampião adulto.

Aliás, vale notar que Villar passa uma nobreza de caráter e uma bondade ao papel que chega às vezes a atrapalhar. Talvez o ator tenha ficado estigmatizado pelo papel de Zé do Burro em O Pagador de Promessas. Outro intérprete talvez emprestasse melhor o aspecto sombrio necessário para compor esse personagem tão rico. O ponto positivo da presença de Villar como o “rei do cangaço” surge no momento em que ele conhece Maria Bonita, mostrando-se bem galanteador.

Lampião, o Rei do Cangaço faz parte do ciclo de filmes de cangaceiros dirigidos por Carlos Coimbra, que inclui também A Morte Comanda o Cangaço (1961), Cangaceiros de Lampião (1967) e Corisco, o Diabo Loiro (1969).

O Homem de Papel

Especial Carlos Coimbra

O Homem de Papel
Direção: Carlos Coimbra
Brasil, 1976.

Por Sérgio Andrade

Carlos (Milton Moraes) é repórter policial do jornal “A Tribuna”. Descontente com os rumos profissionais, vê oportunidade de ficar famoso ao denunciar uma quadrilha que contrabandeia armas. Mas sua fonte desaparece misteriosamente e ele cai em descrédito. Decidido a descobrir a verdade, sai investigando pela cidade e passa a ser perseguido pelos membros da quadrilha.

Ao tratar de matérias sensacionalistas, jornalismo marrom, o filme evoca o ácido A Montanha dos Sete Abutres, de Billy Wilder. Carlos lembra Chuck Tatum, o personagem de Kirk Douglas naquele clássico.

Já sua trama policial remete ao film noir, só que um noir passado num cenário insólito, a ensolarada Fortaleza. Não falta nem mesmo uma femme fatale, de comportamento dúbio, no caminho de nosso anti-herói, a loiraça Renata (Vera Gimenez).

Com direção do sempre competente artesão Carlos Coimbra, encenando boas perseguições e cenas de suspense, o filme tem no elenco seu ponto forte.

Milton Moraes compreendeu muito bem seu Carlos, um personagem ao mesmo tempo ingênuo e cafajeste, disposto a tudo por uma boa reportagem. Vera só precisa ser sedutora e Jece Valadão, seu marido na época, que devia estar lhe acompanhando nas filmagens, acabou sendo convidado para uma participação especial como ele mesmo.

José Lewgoy é o irascível chefe da redação, Terezinha Sodré a noiva de Carlos que ao tentar ajudá-lo acaba sempre o colocando em situação difícil e Ziembinski é o afetado chefe da quadrilha que num rompante de raiva esmaga um passarinho na mão.

Sem ser um grande filme, talvez nem mesmo um bom filme, O Homem de Papel consegue entreter o espectador pela beleza da paisagem, a competência do elenco e a boa direção de Coimbra.

O Santo Milagroso

Especial Carlos Coimbra

O Santo Milagroso
Direção: Carlos Coimbra
Brasil, 1966.

Por Matheus Trunk

A trajetória do diretor Carlos Coimbra (1925-2007) dentro do cinema paulista é exemplar. Artesão cuidadoso, este realizador dirigiu longas-metragens de diversos gêneros. Sua parceria com o produtor Osvaldo Massaini rendeu filmes que tiveram êxito na parte comercial. Infelizmente, trabalhando sozinho, Coimbra não teve a mesma sorte. Dentro de sua filmografia encontramos duas comédias (O Santo Milagroso e Se meu dólar falasse).

Baseada numa peça de Lauro César Muniz, O Santo é uma divertida fita produzida pela poderosa Cinedistri. A trama gira em torno de uma rivalidade entre um padre (Leonardo Villar) e um pastor (Dionísio Azevedo) numa pequena cidade interiorana. O conflito acontece quando o sacristão (Geraldo Del Rey) começa a namorar a filha do pastor (Vanja Orico). Vendo por cima, pode parecer que o argumento é datado. Afinal, Hollywood já fez diversos filmes que tratam de amores impossíveis. Mas esta é uma comédia que resistiu bem ao tempo. Uma série de confusões irá acontecer até que o romance seja descoberto pelos religiosos.

Este é um exemplar de um tipo de cinema brasileiro que está em extinção. Trata-se da comédia popular sem malícia. O Santo Milagroso não possui humor apelativo ou piadas de baixo calão. Essas que são praticadas em programas televisivos como Zorra Total. Embora pareça popular, este é uma atração de teor claramente popularesco.

Terminado o filme, percebemos que assistimos uma comédia elegante e ingênua. Este longa parece aquelas comédias de humor social de De Sica. Uma pena que o cinema brasileiro atual não tenha mais espaço para esse tipo de gênero cinematográfico.

Se Meu Dólar Falasse

Especial Carlos Coimbra


Se Meu Dólar Falasse
Direção: Carlos Coimbra
Brasil, 1970.

Por Daniel Salomão Roque

Em 1970, um paradoxo assolava a carreira de Dercy Gonçalves. No auge da popularidade televisiva, a atriz esteve à beira de conhecer o ostracismo quando seu programa Dercy de Verdade, campeão de audiência na Rede Globo, foi sumariamente cancelado pela emissora, a essa altura já bastante entrosada com o regime militar e esforçando-se para adaptar sua estética aos ideais de “modernização” e “progresso” arrotados na propaganda oficial da época. Se Meu Dólar Falasse integra essa conjuntura, representando um retorno da humorista às telas de cinema após um hiato de sete anos dedicados essencialmente à TV – seu último filme, Sonhando com Milhões, datava de 1963 – e também sua última colaboração com Grande Otelo, com quem já havia trabalhado em títulos como A Baronesa Transviada, Depois Eu Conto e Entrei de Gaiato.

Se Meu Dólar Falasse é um filme imperfeito, repleto de méritos e falhas que por vezes se bifurcam – e é difícil não associá-los aos seus bastidores. Coimbra, cineasta completo, parece mais preocupado em enaltecer diante das câmeras as já então mitológicas figuras de Dercy Gonçalves e Grande Otelo do que em empregar seus talentos na caracterização dos personagens propriamente ditos. Em teoria, Dercy interpreta Dona Bisisica, dona de uma boutique que, a pedidos de uma cliente e em troca de uma nota de divulgação nas colunas sociais, se sujeita a buscar uma antiga estatueta japonesa de 15 mil dólares, desconhecendo o fato de estar sendo utilizada como laranja num esquema internacional de tráfico de drogas e sem saber que muito em breve perderá todo o dinheiro; Grande Otelo, por sua vez, é Tisiu, líder de um grupo de indigentes que acidentalmente encontram a quantia num terreno baldio e que despertam a atenção da polícia com suas gastanças excessivas.

Dona Bisisica e Tisiu, no entanto, inexistem aos nossos olhos, fracos que são em comparação aos atores que os vivenciam: meros pretextos para a promoção de seus intérpretes, os personagens não deixam de render bons momentos, principalmente quando suas tiradas se unem às habilidades de Carlos Coimbra enquanto montador e caminham na direção do riso explicitamente nonsense e auto-referencial. Para ver Grande Otelo sofrendo alucinações lisérgicas e presenciar o tiroteio de mentirinha que encerra o filme, passamos por cima de qualquer coisa.

A Madona de Cedro

Especial Carlos Coimbra


A Madona de Cedro
Direção: Carlos Coimbra
Brasil, 1968.

Por Adilson Marcelino

A Madona de Cedro foi dirigido por Carlos Coimbra pouco antes do cineasta encerrar seu ciclo do cangaço- já havia realizado A Morte Comanda o Cangaço (1960), Lampião, o Rei do Cangaço (1962), Cangaceiros de Lampião (1966), e voltaria ao gênero com Corisco, o Diabo Loiro (1969), depois de A Madona.

Grande produção para a época – recebeu dinheiro da distribuidora Metro pela nova lei de investimento de empresas estrangeiras no cinema nacional  -, o que salta aos olhos de imediato vendo o filme é a semelhança com O Pagador de Promessas realizado em 1962 por Anselmo Duarte. O tema religioso, a presença de Leonardo Villar – o mesmo de O Pagador –  como protagonista e até a participação do próprio Anselmo reforça isso tudo. Soma-se a esses fatores, a presença de Oswaldo Massaini como produtor, que também assinara a produção do vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes.

Ainda assim, A Madona de Cedro, adaptado do romance homônimo de Antônio Callado, mantém o interesse, sobretudo, pelo domínio técnico do cineasta na condução de sua trama, mesmo que haja um acento hipérbole na sua narrativa. O filme conta a história de Delfino (Leonardo Villar), um morador da cidade histórica mineira Congonhas do Campo, que é pressionado a associar-se a uma quadrilha para roubar a tal madona do título, uma relíquia do santuário local. Só que o remorso vai corroer Delfino e novos desdobramentos acontecerão devido à atitude que irá tomar.

A Madona de Cedro tem destaque no elenco para a presença de Leila Diniz, que interpreta Marta, a esposa de Delfino, em registro mais dramático e desassociado a sua sensualidade nata. Destaque também para Sérgio Cardoso fugindo da pecha de galã e dando vida ao escroque sacristão Pedro.


O Signo de Escorpião

Especial Carlos Coimbra

O Signo de Escorpião
Direção: Carlos Coimbra
Brasil, 1974.

Por Adilson Marcelino

A Rainha do Crime Agatha Christie tem uma obra fascinante, com seus livros de mistérios e assassinatos aparentemente insondáveis caso os criminosos não encontrassem pelo caminho seus personagens célebres, como Hercule Poirot e Miss Marple. Só que quase nunca a maestria da autora foi levada a cabo com o mesmo talento para o cinema.

Na década de 1950, o cineasta Carlos Coimbra realizou o filme de seus sonhos: O Signo de Escorpião. Não era uma adaptação de nenhum dos inúmeros títulos da autora, mas em muito lembrava uma de suas tramas mais famosas: O Caso dos Dez Negrinhos.

Como se sabe, no romance policial um grupo de pessoas é reunido em uma ilha e, aos poucos, vão sendo assassinadas uma a uma sem que imaginemos quem seria o assassino. Apenas que seria uma entre aquelas pessoas já que não havia mais ninguém na ilha.

O mesmo se dá neste O Signo de Escorpião, só que aqui cada personagem representa um signo do zodíaco, uma boa sacada do roteiro de Coimbra – como se sabe, ele não só escrevia suas histórias como também dirigia e montava seus filmes.

No filme, Rodolfo Mayer é um famoso astrólogo que lança um livro e reúne um grupo de convidados em sua ilha. Só que durante a festa, uma mulher é morta e os outros descobrem que estão isolados, sem contato com o continente. E o pior, começa uma série de mortes associadas a um signo específico e sempre anunciadas por um computador.

Carlos Coimbra reuniu elenco estelar, com grandes nomes do teatro: Rodolfo Mayer, Maria Della Costa, Carlos Lyra, Kate Lyra, Sandro Polonio, Wanda Kosmo. E contou com o astrólogo Omar Cardoso, que fez assessoria sobre o tema para o filme.

O Signo de Escorpião foi um projeto acalentado por Carlos Coimbra, fã de filmes se suspense, sobretudo do cinema de Alfred Hitchcock. Só que o resultado foi um fracasso absoluto de público, trazendo enorme prejuízo para o cineasta, que dessa vez havia também produzido o filme.