Se Meu Dólar Falasse

Especial Carlos Coimbra


Se Meu Dólar Falasse
Direção: Carlos Coimbra
Brasil, 1970.

Por Daniel Salomão Roque

Em 1970, um paradoxo assolava a carreira de Dercy Gonçalves. No auge da popularidade televisiva, a atriz esteve à beira de conhecer o ostracismo quando seu programa Dercy de Verdade, campeão de audiência na Rede Globo, foi sumariamente cancelado pela emissora, a essa altura já bastante entrosada com o regime militar e esforçando-se para adaptar sua estética aos ideais de “modernização” e “progresso” arrotados na propaganda oficial da época. Se Meu Dólar Falasse integra essa conjuntura, representando um retorno da humorista às telas de cinema após um hiato de sete anos dedicados essencialmente à TV – seu último filme, Sonhando com Milhões, datava de 1963 – e também sua última colaboração com Grande Otelo, com quem já havia trabalhado em títulos como A Baronesa Transviada, Depois Eu Conto e Entrei de Gaiato.

Se Meu Dólar Falasse é um filme imperfeito, repleto de méritos e falhas que por vezes se bifurcam – e é difícil não associá-los aos seus bastidores. Coimbra, cineasta completo, parece mais preocupado em enaltecer diante das câmeras as já então mitológicas figuras de Dercy Gonçalves e Grande Otelo do que em empregar seus talentos na caracterização dos personagens propriamente ditos. Em teoria, Dercy interpreta Dona Bisisica, dona de uma boutique que, a pedidos de uma cliente e em troca de uma nota de divulgação nas colunas sociais, se sujeita a buscar uma antiga estatueta japonesa de 15 mil dólares, desconhecendo o fato de estar sendo utilizada como laranja num esquema internacional de tráfico de drogas e sem saber que muito em breve perderá todo o dinheiro; Grande Otelo, por sua vez, é Tisiu, líder de um grupo de indigentes que acidentalmente encontram a quantia num terreno baldio e que despertam a atenção da polícia com suas gastanças excessivas.

Dona Bisisica e Tisiu, no entanto, inexistem aos nossos olhos, fracos que são em comparação aos atores que os vivenciam: meros pretextos para a promoção de seus intérpretes, os personagens não deixam de render bons momentos, principalmente quando suas tiradas se unem às habilidades de Carlos Coimbra enquanto montador e caminham na direção do riso explicitamente nonsense e auto-referencial. Para ver Grande Otelo sofrendo alucinações lisérgicas e presenciar o tiroteio de mentirinha que encerra o filme, passamos por cima de qualquer coisa.