Especial Francisco di Franco
Um Certo Capitão Rodrigo
Direção: Anselmo Duarte
Brasil, 1971.
Por Vlademir Lazo
Um dos mais lidos autores brasileiros, com suas obras sempre reimpressas e em voga, Erico Veríssimo nunca deu muita sorte com o cinema. Seu principal trunfo como escritor era a capacidade de contador de histórias, de tecer habilmente tecidos novelescos, e a prosa límpida, simples e sem metáforas ou maiores complexidades, mas eficiente em ir direto ao ponto em suas narrativas sem dispensar uma ou outra digressão inteligente. Essas virtudes se perdem um pouco na transposição para a tela grande, onde o espaço de uma hora e meia ou duas não parecem o suficiente para fazer justiça ao escritor gaúcho. Não admira que as melhores adaptações de sua obra tenham sido em forma de minisséries de TV, que com suas extensões aproveitam melhor o caráter novelesco de suas tramas, o desenvolvimento de seus personagens, ficando mais próximas de condensar as narrativas de Erico sem diluí-las tanto como ocorreram nos filmes baseados em seus romances.
No cinema, ocorreram adaptações de Olhai os Lírios do Campo na Argentina nos anos 40 (!) e de Noite, em 1985, que resultaram em produções muito pouco relevantes. Quanto a O Tempo e o Vento, planejava-se transportá-lo para a tela grande desde o começo dos anos 50 (logo depois que o primeiro volume, O Continente, foi lançado), em projeto da primeira fase da Vera Cruz pensado com Tônia Carrero e Alberto Ruschel (O Cangaceiro), mas que não saiu do papel tendo sido cancelado com a falência da produtora. Pouco depois o estúdio ressurgiu com outro nome, Brasil Filme, sob a direção de Abílio Pereira de Almeida, que levou adiante o projeto de O Tempo e o Vento optando em adaptar o segmento mais simples, O Sobrado (1956), com direção e elenco de nomes que trabalhavam nos teleteatros da TV Tupi, e que com essa experiência toda puderam realizar uma fita com resultados competentes e satisfatórios. Curiosamente, O Sobrado é a parte menos interessante do livro original (servindo mais como ligação entre as diversas tramas e gerações), mas que provavelmente pela unidade de tempo (se desenvolve em um curto espaço de dias) e de lugar serviu bem como uma história de cerco e de tensão. O sucesso rendeu um outro filme, Paixão de Gaúcho (1956), aproveitando parte da equipe, elenco e diretor, uma espécie de faroeste gaúcho supostamente inspirado em romance regionalista de José de Alencar, realizado na linha de O Cangaceiro (inclusive com Ruschel, na época um astro).
No terceiro e último ciclo de filmes da Vera Cruz, no começo dos anos setenta (impulsionado por uma série de fitas de sucesso assinados por Walter Hugo Khoury), foram finalmente retomados o projeto de O Tempo e o Vento, dividindo em dois filmes outros segmentos importantes de O Continente: Ana Terra (1971), sob a direção de Durval Garcia, e Um Certo Capitão Rodrigo (1971), realizado por Anselmo Duarte. Não possuem ligações entre si e nem chegam a ser seqüência um do outro, mas ambos deixam muito a desejar. Um Certo Capitão Rodrigo começa com um prólogo com o personagem-título (interpretado por Francisco Di Franco) na guerra e letreiros que contextualizam a condição histórica do Rio Grande do Sul na época, em meio aos conflitos pela posse de território e de fronteira, ainda depois da independência. Os fatos que seguem são razoavelmente fiéis ao livro de Erico Veríssimo, com o Capitão Rodrigo Cambará chegando ao povoado de Santa Fé, como um elemento intrusivo e indesejado, e querendo se estabelecer no lugar para disputar a jovem Bibiana Terra (Elza de Castro) com o filho do coronel manda-chuva.
Com uma produção caprichada (em cores e em locações no interior do Rio Grande do Sul), funciona como uma aventura razoável que se aproveita do bom ritmo e trabalho de câmera que Anselmo Duarte conferiu ao filme, além de se sustentar pela história sempre sedutora concebida nas páginas de Erico Veríssimo. Nota-se, entretanto, uma excessiva presença de elementos do folclore gaúcho que acentuados na tela pesam em demasia na narrativa. Pode parecer que eles são partes intrínsecas da história rio-grandense e da própria estrutura de O Tempo e o Vento, mas em verdade esse regionalismo tão habilmente evitado (ou amenizado) nos livros de Erico foi difundido mesmo com os CTGs (Centro de Tradições Gaúchas) que surgidos após o centenário da Revolução Farroupilha difundiram esse nativismo desenfreado por todo estado. E que permeia em parte este Um Certo Capitão Rodrigo, inclusive pela colaboração do folclorista Paixão Cortês (um dos papas e fundadores dos CTGs), que além de ajudar nas pesquisas de reconstituição histórica e de hábitos culturais do estado na produção do filme (impregnando-o com o folclore que tanto difundiu) integra o elenco no papel de Pedro Terra (pai de Bibiana). Na tela, esse folclore todo ressoa como um elemento exotizante demais.
Há também a contemplação mitológica da figura do gaúcho. Erico afirmava que criou O Tempo e o Vento como uma maneira de desmistificar alguns exageros em torno do estereótipo do gaúcho, uma afirmação um tanto ambivalente visto que o próprio segmento do Capitão Rodrigo tem um bocado de louvor a essa figura. Compreendendo a trilogia na integra, entretanto, é possível enxergar o que há de lenda e fantasia nisso tudo, e na posição importante das mulheres como verdadeiras protagonistas de todo um ciclo que vai desde as origens do Rio Grande do Sul até meados do século XX. Anselmo Duarte em Um Certo Capitão Rodrigo, porém, prefere evidenciar a lenda (sem intenções de desvendar o que há de mito por trás dela), acentuando o lado bonachão, destemperado, afetado e valente do personagem-título, pouco matizado na tela. Pode-se discutir também a atuação de Di Franco, além do pouco aproveitamento dramático da personagem de Bibiana (tanto Di Franco como Elza de Castro tiveram que ser dublados, por Henrique Martins e Lílian Lemmetz, respectivamente). No geral, o elenco parece funcionar mesmo como decoração para contextualizar o período e a mitologia de O Tempo e o Vento, dando a impressão de que a preocupação maior era mesmo com os 1.100 trajes de época confeccionados especialmente para a produção.
Entre as alterações umas mais e outras menos relevantes que Anselmo fez no roteiro em relação ao livro original, há uma mudança significativa no desfecho. No romance de Erico, o Capitão Rodrigo precisa morrer, para que a História (tanto a com H maiúsculo quanto a das páginas da trilogia) avance. Adaptando somente o segmento em questão, Anselmo não sentiu essa necessidade, e prefere terminar seu filme de maneira triunfal, com o Capitão sobrevivendo e solto pelos campos a cavalo como um verdadeiro herói pampeano.