Especial Francisco di Franco
Cio, Uma Verdadeira História de Amor
Direção: Fauzi Mansur
Brasil, 1971.
Por Sérgio Andrade
A primeira vez que Paulo viu Darci foi num posto de gasolina na estrada, onde ele parou para abastecer. Ao tirar fotos de migrantes nordestinos num caminhão, ele percebe a figura daquele garoto de ar triste, mas determinado.
Paulo é um homem bem sucedido, projetista de automóveis, noivo de uma moça milionária e amante de uma bela mulher.
Darci, um garoto dos seus 14 anos, saiu de uma pequena fazenda do interior da Paraíba onde os pais trabalhavam na extração do sisal. Após a desestruturação da família (o irmão mais novo morreu, a mãe foi expulsa de casa por adultério e o pai faleceu devido às péssimas condições de trabalho e um ferimento não curado na perna), ele se mudou para São Paulo para trabalhar como engraxate. Extremamente tímido, tem vergonha de se trocar na frente dos outros e recusa aproximações sexuais de mulheres e de gays.
O destino volta a reuni-los quando Darci, após ser expulso da Praça da Sé, vai engraxar sapatos na empresa automobilística em que Paulo trabalha. O que começou como amizade vai se encaminhando para outra coisa, na medida em que Paulo passa a ter cada vez mais necessidade da presença de Darci, a ponto de se tornar seu tutor, dar-lhe um emprego na empresa e levá-lo para morar em seu apartamento. O jovem lhe desperta um sentimento que até então ele desconhecia. Logo começam os comentários dos amigos, da noiva, da amante. O filme trata de duplo preconceito: do homossexualismo e da pedofilia.
Fauzi Mansur, vindo de veículos para o humor de Ankito, Mario Alimari, Dedé Santana e Renato Aragão, surpreendeu meio mundo ao apresentar este seu primeiro drama adulto. Um filme com essa temática conseguiria ser realizado hoje? Dificilmente.
A bela música de Dick D’Anello tornou-se clássica. A fotografia é do grande Cláudio Portioli com assistência de Antonio Meliande e a montagem orgânica, utilizando o flashback de modo bem criativo, é do próprio Fauzi, assim como o roteiro, com argumento de Luiz Castelini e Salatiel Coelho.
Francisco di Franco transmite toda a angústia e fragilidade de Paulo, um machão pego de surpresa na armadilha do desejo, vivendo uma paixão obsessiva por um garoto, assumindo essa condição e enfrentando os preconceitos.
A grande revelação (?) – como falar de revelação em um filme feito há quarenta anos? – é a atriz Vera Lúcia, que não sei se tinha feito alguma coisa antes ou fez algo depois, mas aqui teve uma atuação antológica, digna de figurar em qualquer lista das maiores interpretações femininas de nosso cinema.
A única coisa a lamentar é o final abrupto, insatisfatório, passando a sensação de piada velha, sexista e não das mais engraçadas.