Depoimento: Castor Guerra

Dossiê Toni Cardi

Depoimento de Castor Guerra
 

O início da minha carreira artística foi como figurante. Não tenho nenhuma vergonha em falar isso. Meu primeiro longa-metragem foi Um Pistoleiro Chamado Caviúna, junto com o Tony Vieira. Depois, eu fiz Gringo, o Último Matador e comecei a freqüentar a Rua do Triunfo, que era o centro da produção cinematográfica.

Nisso, eu fui fazer figuração num filme do Mazzaropi, chamado O Grande Xerife. Eu ganhei um cachê de coadjuvante, quando na verdade eu fazia figuração. Fiquei 22 dias na fazenda em Taubaté com toda a equipe. No primeiro dia que eu cheguei, ninguém falava comigo. Eu era um inteiro desconhecido e também só conhecia o Mazzaropi. Mas eu ia me sentar na mesa com ele?

Essa passagem que eu vou te falar sobre o Toni Cardi, eu gostaria de falar olhando nos olhos dele. Ele foi uma das primeiras pessoas a conversar comigo e me perguntou qual seria a minha função naquela produção. “Vou fazer figuração”, respondi. “Legal. Escuta, você vai pra Tremembé com a gente?”. Puxa, eu nem sabia que existia essa cidade. Depois do jantar, uma kombi levou a gente pra dar um passeio em Tremembé. Me lembro que estava tendo uma festa ou uma espécie de quermesse lá. Nós ficamos andando juntos e olhando as moças.

O Toni Cardi foi a primeira pessoa a me respeitar como figurante. Ele me ensinou isso. Eu nunca imaginei que um ator do porte dele pudesse ter uma atitude como aquela. Na época, ele já era uma estrela, um grande nome. Nunca vou me esquecer desse episódio que vivi com ele.

 

Castor Guerra é ator. Trabalhou com Toni Cardi em O Grande Xerife (1972).

Depoimento: Virgilio Roveda

Dossiê Toni Cardi

Depoimento de Virgílio Roveda

Conheci o Toni Cardi em 1966, quando eu trabalhava numa produção do Raffaele Rossi. A gente foi filmar um documentário sobre um restaurante da região de Piracicaba. De São Paulo, fomos eu, Ewerton de Castro e Roberto Leme. Todos em começo de carreira. Desde o início, percebi que o Toni era um cara bem intencionado. Mas, infelizmente, o Rossi não tinha estrutura para dirigir aquele trabalho. O documentário acabou não acontecendo.

O Toni cuidava dessa parte de produção e deu a cara para bater. Me lembro dele sempre ser um cara muito batalhador. Durante muitos anos, freqüentamos a Boca juntos e ele militou na TV Tupi também. O Toni fez filmes com vários realizadores, lembro que algumas coisas com o Ary Fernandes e mesmo com o José Mojica Marins. Inclusive, estivemos juntos no A Virgem e o Machão.  Poxa, esse filme foi realizado em São Sebastião. Diz no letreiro que eu era assistente de câmera, mas eu fui assistente de tudo, inclusive fiz alguma coisa de produção, trabalhei como um camelo.

Me lembro que o Toni Cardi tinha aquelas preocupações típicas de ator. Ainda mais ele, que sempre foi galã. Mas ele não se restringia a isso. Ele tinha um espírito solidário com todos da equipe, sempre foi uma pessoa de bom caráter e bastante empenhado no campo de filmagem. Posso falar isso porque tivemos alguns trabalhos juntos.

Também trabalhos juntos no Meu Nome É Tonho, em que ele não fez corpo mole. Nossa estrutura nesse filme era o mínimo, tanto em equipamento, câmera e negativo. Mesmo assim, conseguimos ganhar vários prêmios pelo trabalho de gente como o Peter Overbeck na fotografia e o Luiz Elias na montagem. Esse filme foi realizado em 1969, na região onde tinha sido feito O Cangaceiro, do Lima Barreto, exatos quinze anos antes.

O elenco masculino era numeroso: Toni Cardi, Zé Ferreira, Allan Fontaine, Cláudio Viana. Esse Cláudio Viana era um carioca meio folgado. Mas folgado no bom sentido, no fundo era um sarrista. Ele se deu muito bem com o Toni e eles aprontaram algumas juntos.

Os dois aprontaram várias para cima do Allan Fontaine. Porque o cara dizia que era um baita cavaleiro e na realidade nem sabia subir em cima de um cavalo. O Fontaine também dizia que era o maior gatilho e não sabia segurar uma arma. O Candeias não gostou disso. Tanto que se você ver o filme, percebe que o Allan não usa calça e sim uma espécie de quiripá. Ele estava reclamando do personagem dele e o Candeias disse: “Poxa, já que você está reclamando vou deixar o seu personagem sem calças”. Teve uma tomada em que ele caiu cinco vezes do cavalo. Esse filme teve várias coisas divertidas. Mas foi um trabalho importante. Tanto que durante as filmagens, choveu muito. Mas nós conseguimos contornar todas essas dificuldades e fizemos o trabalho rapidamente.

O Toni Cardi era um excelente cavaleiro, sabia andar de cavalo com a maior facilidade. Posso dizer que a relação dele com o Candeias foi muito boa, nunca tiveram uma discussão. O nome dele é Irineu Travaglini, mas ficou conhecido pelo pessoal do cinema como Toni Cardi. Grande sujeito.

 

Virgílio Roveda é diretor de fotografia, assistente de direção e diretor de produção. Trabalhou com Toni Cardi em Meu Nome É Tonho (1969), O Grande Xerife (1972) e A Virgem e o Machão (1974).

 

Filmografia

Dossiê Toni Cardi

Filmografia

1978- O Vigilante Rodoviário de Ary Fernandes
1976- Os Trombadinhas de Anselmo Duarte
1974- Até a Última Bala de Luigi Picchi
1974- A Virgem e o Machão de José Mojica Marins
1974- Pedro Canhoto, o Vingador Sexual de Rafaelle Rossi
1973 – A Noiva da Noite de Lenita Perroy
1973- Sob o Domínio do Sexo de Tony Vieira
1972- Os Irmãos sem Coragem de Antonio B. Thomé
1972 – O Grande Xerife de Amácio Mazzaropi e Pio Zamuner
1972- Nua e Atrevida de Flávio Ribeiro Nogueira
1972- Águias de Fogo de Ary Fernandes
1971- Fora das Grades de Astolfo Araújo
1971- O Homem Lobo de Raffaele Rossi
1970- Até o Último Mercenário de Ary Fernandes e Penna Filho
1969- Uma Pistola Para Djeca de Amácio Mazzaropi e Pio Zamuner
1969- Águias em Patrulha de Ary Fernandes
1969- Meu Nome é Tonho de Ozualdo Candeias
1968- No Paraiso das Solteironas de Amácio Mazzaropi e Pio Zamuner 
1968- Panca de Valente de Luiz Sérgio Person
1968- O Estranho Mundo de Zé do Caixão de José Mojica Marins
1968- O Jeca e a Freira de Amácio Mazzaropi

Uma Pistola para Djeca

Dossiê Toni Cardi

Uma Pistola para Djeca
Direção: Ary Fernandes
Brasil, 1969.

Por Edu Jancz
 

Evidente brincadeira do velho Mazza com os faroeste italianos tão comuns em nossos cinemas no final dos anos 60 e começo dos 70. Dos quais – confesso sem nenhum pudor, sou fã incondicional. Só para lembrar alguns nomes de aqui adotados: Uma Pistola para Ringo; Uma pistola para um Covarde; Uma Pistola para Cem SepulturasUm Colt na Mão do Diabo e Uma Pistola para Django. Elementar, não, meus caros!

Paródia que leva o signo – marca – do seu criador. O filme de Mazzaropi tem, ao mesmo tempo, o tom de exagero dos westerns spaguetti e toda a brejeirice e caipirice do seu autor, criador e ator principal. O cenário é puro Mazza, localizado em sua fazenda em Taubaté e desenhando  sua vila/cidade com a cara do nosso faroeste caboclo.

Humor, tragédia, estrepulias e reviravoltas conduzem essa trama com belo vestuário, pontual e correta música de Hector Lagna Fietta.

O enredo: Gumercindo, viúvo e homem honesto, dono de princípios nobres, trabalhador de uma fazenda. Uma tragédia – sua filha Eulália é violentada pelo filho do Coronel  – muda completamente a sua vida. Do ataque criminoso nasce Paulinho, neto e filho querido que carrega a mágoa de, aparente, ter “pai morto” e ser rejeitado pelos colegas de escola. Tanto Gumercindo quando Eulália vivem em função do neto, aniquilando parte de seus sonhos.

Até que um dia, Gumercindo ganha a sua tão desejada Pistola – presente de uma velha pretendente. Eulalia vai à luta e resolve acertar as contas com o filho do Coronel. Tudo termina num tribunal.

O nosso querido Toni Cardi faz pequena participação como um dos capangas do Coronel. O elenco traz ainda a presença de Rildo Gonçalves e Tony Vieira.

 

Os Trombadinhas

Dossiê Toni Cardi 

Os Trombadinhas
Direção: Anselmo Duarte
Brasil, 1979. 

Por Sérgio Andrade
 

Tudo bem que Pelé se preocupasse com a situação de abandono das crianças carentes brasileiras, a quem dedicou seu milésimo gol. Ele só não precisava ter feito um filme sobre o assunto, ainda por cima contando com nosso único vencedor da Palma de Ouro para dirigi-lo. 

Com argumento do próprio jogador (assinando como Edson Arantes do Nascimento) ao qual Carlos Heitor Cony tentou dar uma melhorada, a trama de Os Trombadinhas mostra um poderoso empresário, Frederico (Paulo Goulart), que ao presenciar trombadinhas agindo nas ruas de São Paulo, decide investir na resolução do problema e para tanto consegue a colaboração do ex-jogador Pelé, agora treinador dos juvenis do Santos. No processo, descobrirão que por trás da ação dos garotos se escondem adultos inescrupulosos. O mais incrível é que Pelé, apesar de não ter nenhum treinamento específico, vai pras ruas perseguir os garotos e enfrentar bandidos armados no braço. 

Como se pode prever o ator/autor passa a maior parte do tempo dizendo frases edificantes sobre responsabilidade social e coisas do gênero. Felizmente, apenas ele passa o filme pronunciando tais discursos. Até a estudante de sociologia e filha de Frederico (Kátia D’Angelo) tem um ponto de vista reacionário. Dessa forma, os atores de verdade da película conseguem se destacar, como é o caso do policial parceiro de Pelé, Bira, vivido por Paulo Vilaça, do líder da quadrilha Manteiga (o grande Sergio Hingst, numa excelente interpretação) e sua amante Arlete (Ana Maria Nascimento e Silva), e dos empresários amigos de Frederico (Roberto Maya e Francisco Di Franco). Raul Cortez e Alberto Ruschel aparecem rapidamente, em participações especiais. Já Toni Cardi acaba se destacando no elenco secundário como um dos membros da quadrilha, Gibi, que em determinado momento entra em luta corporal com nosso herói, com direito a rasteiras, pernadas e poses de lutadores de karatê.     

Entre os garotos, nenhum se destaca em especial (terá sido o surgimento do preparador de elenco um bem pro nosso cinema?). 

E o que podemos dizer da direção de Anselmo Duarte? 

Ele se esforça para dar um mínimo de coerência e unidade naquilo tudo, porém o sólido cineasta de Absolutamente Certo, O Pagador de Promessas, Vereda da Salvação, nem em sua melhor forma conseguiria dar conta de diálogos péssimos, cenas de brigas ridículas, erros de continuidade (na sequência de perseguição aos trombadinhas na Praça da República, Bira num momento está de camisa, no seguinte com um blusão por cima) e a canastrice de seu ator principal, que transformam o que era pra ser um drama com denúncia social numa comédia involuntária. 

Este foi seu último filme. Recomendação: esqueçam este triste canto de cisne.

O Estranho Mundo de Zé do Caixão – episódio O Fabricante de Bonecas

Dossiê Toni Cardi

 

O Estranho Mundo de Zé do Caixão (episódio “O Fabricante de Bonecas”)
Direção: José Mojica Marins
Brasil, 1968. 

Por Daniel Salomão Roque
 

Graças à sua premissa, que parece diretamente arrancada dos muitos gibis de terror que circulavam nas bancas da época, ou até mesmo dos filmes europeus de baixo orçamento dedicados ao gênero, O Fabricante de Bonecas é, dentre os três segmentos que compõem o longa O Estranho Mundo de Zé do Caixão, aquele em que menos se percebe o toque pessoal de Mojica. Nem por isso o episódio deixa de ser impactante, que fique bem claro: temos aqui uma parábola acerca da violência como corruptora do universo infantil. 

Toni Cardi está entre os delinqüentes (liderados por Luis Sergio Person!) que decidem estuprar as filhas de um velho artesão e acabam por descobrir, da pior forma possível, o segredo por trás da expressividade dos olhos de suas bonecas. Estes rapazes são legítimos representantes do lado negro da Jovem Guarda: imersos no iê-iê-iê e entediados com a mesmice do cotidiano burguês, acabam encontrando no espancamento de idosos e na violação de garotas indefesas uma válvula de escape muito mais eficiente que as dancinhas e paixonites ingênuas. E assim, movidos por instintos sombrios e ignorantes acerca do futuro que os aguarda, eles seguem perpetrando seus atos de covardia, enquanto são observados por nós – e também pelo olhar impassível das bonecas e santos católicos. 

No Paraíso das Solteironas

Dossiê Toni Cardi

No Paraíso das Solteironas
Direção: Amácio Mazzaropi
Brasil, 1969.

Por Vlademir Lazo

Sétimo filme dirigido por Mazzaropi (logo após O Jeca e Freira), No Paraíso das Solteironas é mais um produto que a sua Produções Amácio Mazzaropi (PAM) colocava em cartaz anualmente nos cinemas brasileiros nas décadas de 1960/1970, sempre aproveitando a popularidade do astro. Os filmes foram ficando progressivamente piores  à medida que o comediante envelhecia, mas No Paraiso das Solteironas, feito na virada da década, ainda pode manter a atenção dos curiosos por sua filmografia.

Mazzaropi foi um caso raro em nosso cinema de profissional que, em determinado momento, acumulou as funções de intérprete, diretor, produtor e roteirista (como em No Paraíso das Solteironas). Não porque fosse um artista com vocação para se inclinar ao trabalho de um filme em todas as suas etapas, simplesmente sabia que em seus filmes apenas o que importaria para atrair grandes multidões era a sua presença na tela, não fazendo diferença, portanto, quem dirigisse, escrevesse ou produzisse. Sendo assim, poderia ele mesmo, perfeitamente, sempre que tivesse disposição, assumir essas atribuições sem prejuízo do sucesso de suas fitas, poupando gastos e evitando a contratação de outros profissionais para ocupar esses cargos. Se fosse possível, ele próprio também venderia os ingressos na bilheteria  e controlaria a fila nas entradas dos cinemas (do que também jamais descuidou).

É inegável que Mazzaropi tenha sido sobretudo fruto do atraso nacional. Comediante com algum talento e graça, seus melhores filmes foram alguns dos primeiros em que atuou (os rodados na Vera Cruz), quando mesmo que as produções fossem veículos para o seu estrelato, havia uma preocupação maior com a equipe técnica, com os roteiros e a contratação de diretores mais competentes como Abílio Pereira de Almeida, envolvendo criações um pouco melhor elaboradas (Sai da Frente, Nadando em Dinheiro), e até uma versão regional de Cândido, de Voltaire (Candinho). Quando compreendeu a mina de ouro que era, passou a dispensar maiores cuidados e fazer com que pelas mãos dele saísse todo ano filme com seu nome estampado nos cartazes.

O tipo caboclo perpetuado por Mazzaropi encontrava um sucesso garantido no público pouco letrado que vindo do campo no êxodo rural dos anos sessenta enchia as salas de cinema para prestigiar os filmes do comediante, nos quais reconheciam seus ambientes, linguajar e identidades. O próprio No Paraíso das Solteironas utiliza o contexto do êxodo rural em seu argumento: com a perda de sua vaca de estimação, Mazzaropi resolve sair da roça e tentar a vida na cidade. Sua intenção é arranjar o dinheiro para livrar do matadouro o animal que lhe foi tirado.

Na pensão em que se hospeda, passa a ser alvo das atenções e perseguições das solteironas do lugar. Descobre que a cidade onde chegou é cheio delas, incluindo a dona da pensão, cujo nome é o mesmo da vaca de Mazzaropi. Durante um bom tempo as piadas giram em torno das confusões geradas pela coincidência dos nomes. No Paraíso das Solteironas gira muito em torno das mesmas piadas e situações repetidas à exaustão: além dessas com a nomenclatura de personagem e animal, as cantadas das demais solteironas pra cima do protagonista, a dupla de anões metidos a sedutores aproveitando-se da solteirice das matronas, etc.

Uma intriga envolvendo um veneno e a dona da pensão é estabelecida, além de conflitos com o delegado da cidade (o grande Átila Iório), com uma quadrilha de bandidos e um grupo de ciganos, e dos pretendentes que disputam a mão da filha de Mazzaropi. No elenco, mais uma vez Toni Cardi atuando num filme de Mazzaropi, sempre fazendo um papel de durão.

Mas falta um fôlego maior depois de uns 40 minutos para manter a atenção de quem não seja fanático pelo comediante, muito longe que estamos do excelente artesanato das melhores comédias da Atlântida ou mesmo as da Vera Cruz, na década anterior. No Paraíso das Solteironas é recomendado quase que exclusivamente para os nostálgicos pela figura de Amácio  Mazzaropi, na qual gravita cada um de seus filmes sem maiores interesses que não seja a presença do comediante.

A Virgem e o Machão

Dossiê Toni Cardi

 

A Virgem e o Machão
Direção: J. Avellar (José Mojica Marins)
Brasil, 1974. 

Por Daniel Salomão Roque
 

Como todo gênero a se consolidar numa conjuntura específica, a pornochanchada fincou no imaginário coletivo uma série de arquétipos, estereótipos e clichês: a manipulação destes, por sua vez, não dependia somente do carisma, beleza e desinibição do elenco, mas também da criatividade e habilidade técnica das pessoas que permaneciam, vestidas, atrás das câmeras. Se, por um lado, as obras de Carlos Reichenbach, Jean Garret e Cláudio Cunha constituem exemplos vivos de que sexualidade e sátira de costumes podem, sim, conviver em harmonia com o esmero, a inventividade e com os ideais libertários, por outro somos obrigados a engolir uma infinidade de títulos que, analisados isoladamente, parecem justificar todos os preconceitos existentes contra as comédias eróticas brasileiras. 

A Virgem e o Machão se enquadra nessa categoria. O machismo, a precariedade e a celebração da ignorância são as matérias-primas de sua estrutura puramente formulaica, dentro da qual nosso riso e excitação se transformam em verdadeiros atestados de boçalidade. O desleixo que, do início ao fim, caracteriza a fita nada mais é do que a conseqüência imediata da concepção de cinema que se esconde por trás dela: a linguagem, aqui, não está a serviço da construção de um universo pulsante – ela é apenas veículo para uma narração bidimensional composta por uma série de situações imbecis que se sucedem umas às outras. 

Aqui, tudo gira em torno de uma prostituta frígida conhecida pela alcunha de Maria Sorvete, célebre pelo peculiar hábito de chupar picolés enquanto atende aos clientes, e da aposta que um grupo de amigos (entre eles, Toni Cardi) realiza em torno dela: quem conseguisse levá-la ao orgasmo ganharia uma bolada em dinheiro. Quando as esposas traídas descobrem a disputa criada pelos maridos, elas estabelecem um plano de vingança que se torna a gênese de conflitos extremamente patéticos e pitorescos, mas nunca engraçados. 

Os filmes que nos despertam a vontade de vivenciar o cotidiano com mais intensidade e experimentar o cinema em todas as suas formas encontram em A Virgem e o Machão uma perfeita antítese: com uma sonoplastia rasteira, decalcada dos piores desenhos animados, a assinalar quando devemos rir, uma infinidade de piadas mongolóides de duplo sentido e uma utilização extremamente pobre do humor físico, essa pornochanchada colabora com o emburrecimento dos espectadores e desperta em nós uma enorme preguiça em relação às telas. José Mojica Marins, um dos maiores gênios que o cinema brasileiro já teve, tanto sabia disso que fez questão de assinar essa bomba com o pseudônimo de J. Avellar.

 

Meu Nome É Tonho

Dossiê Toni Cardi

 

Meu Nome é Tonho
Direção: Ozualdo Candeias
Brasil, 1969. 

Por Daniel Salomão Roque
 

Na abertura de Meu Nome é Tonho, os créditos aos atores surgem sobre rápidos planos de seus rostos, que, sucedendo-se ao som de uma viola sertaneja, formam uma espécie de videoclipe onde podemos identificar diversos sujeitos que, em algum momento de suas carreiras, acabaram passando pelas lentes de José Mojica Marins: Eddio Smanio, Walter Portela, Mário Lima, Nivaldo Lima e Esmeralda Ruchel, além, é claro, de Toni Cardi. 

Não se trata de uma coincidência: a obra em questão compartilha uma série de afinidades com o cinema de Mojica, que vão muito além da escalação de um elenco específico. De certo modo, não seria nenhum pouco equivocado afirmar que a relação mantida por Meu Nome é Tonho com os faroestes é a mesma que À Meia-Noite Levarei sua Alma estabelece com o terror. Em ambos os casos, deparamos-nos com um primitivismo exacerbado, que atinge a rudeza sem, no entanto, dissolver o apuro estético em momento algum. 

Com efeito, o segundo longa de Candeias é um dos filmes mais violentos da década de 60. Sua narrativa é uma colagem de atos brutais, e na banda sonora escutamos mais disparos que diálogos – por sinal, os personagens estão sempre grunhindo, gargalhando cinicamente ou gritando, mas quase nunca falando. Uma velha senhora é espancada, mulheres levam bala pelas costas, bandidos cogitam estuprar as freiras de um convento, uma carruagem leva uma pilha de cadáveres: em Meu Nome é Tonho, a barbárie é o único sentimento a ser explicitado. 

Sobre o resto, pairam as penumbras – esta é uma obra marcada pela indefinição. Um letreiro nos diz que as filmagens ocorreram em Vargem Grande do Sul; os acontecimentos capturados pela câmera, contudo, parecem ter se desenrolado num elo perdido entre o velho oeste norte-americano e o interior paulista. Não sabemos de onde vieram os malfeitores que aterrorizam a população, tampouco as motivações do justiceiro que, também vindo de algum lugar desconhecido, surge no final da fita; e, embora Candeias quebre a quarta parede ao inserir uma claquete entre os créditos iniciais e a primeira cena propriamente dita, seus personagens estão mais preocupados em levar adiante a própria vida do que em prestar contas ao espectador. Justamente por isso, Meu Nome é Tonho se torna um filme árido e exasperante, mas profundamente arrebatador.

 

Entrevista: Toni Cardi

Dossiê Toni Cardi

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Entrevista com Toni Cardi

Por Matheus Trunk, enviado especial a Piracicaba

Ele propagou diversas vezes o tipo do machão. No cinema, ficou conhecido como o galã que vivia rodeado de lindas mulheres. Fera nas artes marciais, nunca perdia uma única briga. Mas na vida real, Irineu Antonio Travaglini não é igual aos papéis que interpretou.

Aos 68 anos, Toni Cardi é um sujeito simpático e boa praça. Tanto que na entrevista ficou emocionado quando falava sobre colaboradores que já tinham falecido. Segundo ele, toda sua vivência artística estará em sua biografia, A Simetria de Uma Trajetória, que em breve estará nas principais livrarias. “É um relato importante que eu quero passar até para as pessoas que não conhecem a minha história”, explica. Para entrevistar o galã dos faroestes brasileiros, desloquei-me para Piracicaba, cidade localizada a 100 quilômetros da capital paulista.
 

Parte 1- O início da carreira e os filmes com Mazzaropi

Parte 2- Os trabalhos na Boca do Lixo

Parte 3- Novelas, vivência no ramo imobiliário e o futuro