Garotas Sacanas

Dossie Alfredo Sternheim

Garotas Sacanas
Direção: Alfredo Sternheim
Brasil, 1988

Por Vébis Junior

Memórias e lembranças de questões mal resolvidas infestam os pensamentos dos personagens de Garotas Sacanas, filme de Alfredo Sternheim, de 1988, produzido por Juan Bajon, da produtora Galápagos, especialista em filmes de sexo na segunda metade da década de 1980.

No filme, Dionízio com Z, como ele mesmo se auto-entitula, é um psicólogo que, apoiado pelos fundos universitários, tenta realizar suas taras antigas de ludibriar duas atrizes eróticas do passado, interpretadas por Sandra Midori e Sandra Morelli.

A melhor forma de enganar as ex-atrizes seria simular uma entrevista tímida e moralista, em que aos poucos revela ser um bom entendedor das nomenclaturas pornográficas, enquanto as atrizes apenas assumem terem entrado no ramo por necessidade.

Em alguns momentos, o roteiro chega a se auto-explicar, fazendo um mea culpa das situações financeiramente carentes de algumas atrizes do passado. Mas que Sternheim salva da má impressão nas cenas de sexo, que são muitas pra um filme relativamente curto – pouco mais de 60 minutos.

A primeira atriz, a oriental (Midori), chega acompanhada de seu namorado, um ex-ator pornô. Após ser hostilizada pelo entrevistador, o marido tem de ficar do lado de fora, enquanto a oriental continua suas confissões ao suposto pesquisador. Começam aí as narrativas paralelas entre confissões e cenas de sexo.

Sternheim, não é apenas um diretor de filme de sexo, sabe inserir sensibilidade nos planos, para que sintamos a diferença clara no sexo feito da ex-atendente de karaokê com outros atores que passaram pela sua vida e seus filmes, e com aquele que se tornou seu grande amor.

A garota acerca-se de um tom carregado de ternura e muita compreensão com seu caminho no universo de filmes eróticos, sem qualquer tipo de culpa pelo passado. Em alguns momentos, a entrevista nos remete a Lilian M – Relatório confidencial, de Carlos Reichenbach, que retrata as confissões de uma garota de programa. Porém, uma decupagem apurada para cenas de sexo nos faz lembrar a fase de filmes eróticos de Joe D’amato, que, como poucos, soube captar penetração e banhos de sêmem.

A cada lembrança da atriz em sua jornada até seu recente amor, uma nova cena de sexo. O mesmo ocorre lá fora, enquanto o marido a espera e relembra da mesma casa em que tudo se iniciou. Mas como a pornochanchada necessita de um pouco de sacanagem, é a nós, espectadores, que o namorado demonstra omitir as lembranças de outra garota que o balançou.

A entrevista é interrompida pela falta de controle do psicólogo, que, nitidamente, perderia sua compostura por ouvir os depoimentos com tanta veracidade e despudor.

O discurso dos personagens toma mais forma com a chegada da já prenunciada antiga atriz (Morelli), que balançou o marido, e que também fora convidada para entrevista. O quadro popular que as pornochanchadas pedem, com o famoso apelo popular, fica nas entrelinhas de tensão criada, quando a garota oriental sente-se ameaçada com fantasmas do passado encarnados numa ex-atriz que é segura de si e com toques de depravação, o que enfraquece a fidelidade de seu marido.

A narrativa inverte os valores com a troca de entrevistadas, pois é com a nova vítima de Dionízio que vamos presenciar a única cena de anal do filme, e ainda uma homenagem ao filme Assim Caminha a Humanidade, de George Stevens.

Em quase toda filmografia de comédia erótica, os bossais jamais são poupados. E, em meio ao fogo cruzado dos depoimentos de duas ex-atrizes, o entrevistador, que perde peso a cada sequência, termina merecidamente com o castigo recalcado dos que não são espertos o suficiente para levar uma garota para a cama com a mesma facilidade dos cafajestes heróis: declarando o amor às suas mãos companheiras.

Vébis Junior é cineasta e professor de cinema.

Lucíola, O Anjo Pecador

Dossiê Alfredo Sternheim

Lucíola, O Anjo Pecador
Direção: Alfredo Sternheim
Brasil, 1975

Por William Alves

O Carlo Mossy putanheiro e bem-humorado de pornochanchadas como Essa Gostosa Brincadeira a Dois e Como É Boa Nossa Empregada convenientemente não dá as caras nesse Lucíola, O Anjo Pecador, baseado na obra de José de Alencar. Aqui ele é Paulo, um nobre de Olinda recém-chegado ao Rio de Janeiro. Antes de aproveitar qualquer tipo de prazer que a cidade oferece, ele se apaixona ao primeiro olhar pela encantadora Lúcia, vulgo Lucíola.

Talvez por vir de uma cidade menor e não estar habituado aos tipos da cidade grande, Paulo não se dá conta, pelo menos não sem ajuda, de que Lucíola é uma prostituta (ou “cortesã”, em termos arcaicos). A atração desmesurada do rapaz pela meretriz logo vira motivo de zombaria por parte de Sá, grande amigo de Paulo e espécie de guia carioca deste. Disposto a investir na paixão, Paulo disfarça o interesse nas rodas sociais grã-finas que freqüenta, mas não tira a bela moça do pensamento.

Mossy é bom ator, e representa bem as duas farsas que lhe cabem. A primeira é a de “enganar” o telespectador que já havia acompanhado o astro nas produções citadas no começo desse texto, francamente diferentes desse Lucíola. Já a segunda é aquela concernente ao filme. Com seus ternos bem cortados, barba impecável e os olhos azuis que lhe conferem uma especial aparência de lorde britânico, ele se ajusta adequadamente ao respeitável Paulo de José de Alencar.

As presenças arrebatadoras de Helena Ramos (como Nina) e Rossana Ghessa (como Lucíola) também concedem credibilidade ao caráter nobiliárquico do filme. Rossana, a protagonista, está especialmente convincente como a impetuosa amante de Paulo. Impetuosa em demasia, inclusive.

Essa impetuosidade acaba por comprometer o longa de Alfredo Sternheim. A personagem é contraditória e instintiva, e suas múltiplas resoluções acabam por atordoar quem está assistindo. Há uma urgência ao redor da personagem, como se ela necessariamente precisasse ser salva dessa condição de prostituta de luxo. A ironia é que, ao exprimir repetidas vezes sua inferioridade moral em relação a Paulo, ela parece não levar a consideração o próprio estilo de vida dele: sempre rodeado por “amigos” ricos, sórdidos e ébrios, cuja única forma de diversão parece ser a orgia e a exploração de figuras tristes como Lucíola.

Na obra literária, não há o acréscimo “Anjo Pecador” no título. Essa adição parece ter o único intuito de ampliar a áurea libidinosa do longa. Com sucesso.

Mulher Desejada

Dossiê Alfredo Sternheim

Mulher Desejada
Direção: Alfredo Sternheim
Brasil, 1978

Por Sérgio Andrade

Antes de ser diretor, Alfredo Sternheim foi um cinéfilo atuante desde a mais tenra idade e, mais tarde, crítico de cinema do Estadão. Não é surpresa, portanto, que seus filmes tenham referências a obras de cineastas que admira. Dessa forma, Anjo Loiro era tanto uma adaptação do livro de Heinrich Mann como do filme de Von Sternberg com Marlene Dietrich, O Anjo Azul, “Lucíola lembrava alguns dramas de época de William Wyler e Brisas do Amor uma espécie de Grand Hotel, de Greta Garbo, em Mongaguá.

Já neste Mulher Desejada, ele busca inspiração em Luis Buñuel e Louis Malle, e trata também dos casos patológicos que lhe interessam desde o primeiro longa, Paixão na Praia.

Começa com uma epígrafe de Edgar Allan Poe: “Oh! Meu Deus! E não posso retê-los, se os aperto na mão tanto e tanto? Ah, meu Deus! E não posso salvar um ao menos da fúria do mar? O que vejo, o que sou e suponho será apenas um sonho num sonho?”, ao som do Sexteto de Cordas op. 18 de Brahms, o mesmo usado por Malle para sublimar a relação de seus Les Amants.

Luiza (Kate Hansen) é uma famosa atriz de televisão, mas está insatisfeita em seus casos amorosos com um homem casado (Helio Souto) e um colega de profissão. Busca ajuda numa terapia de grupo, mas é hostilizada pelos participantes, e mais tarde terá um sonho no qual é amarrada numa árvore e chicoteada por eles (clara citação ao “Belle de Jour”). Ela vai passar um fim de semana no sítio de uma amiga, Edith (Marlene França), que está hospedando várias pessoas para uma festa noturna. Luiza fica conhecendo Waldo (Eduardo Tornaghi), filho da misteriosa caseira Ana (Elisabeth Hartmann), um rapaz que parece ser atencioso e carinhoso e com quem ela acaba se envolvendo. Mas ele demonstrará não ser exatamente aquilo que aparentava, deixando Luiza em apuros.

Em sua autobiografia, Um Insólito Destino (Coleção Aplauso, 2009), Alfredinho lamenta que a Paris Filmes, distribuidora e co-produtora da fita, tenha eliminado o epílogo nas copias em vídeo, tornando a epígrafe de Poe sem sentido. E realmente na cópia que vimos, na cena final há um corte para um primeiro plano rapidíssimo de Luiza que os mais atentos entenderão, mas que confundirá boa parte dos espectadores.

Felizmente há muito que apreciar neste drama que transita entre sonho e realidade de forma bem interessante, começando pela beleza estonteante de Kate, num de seus maiores momento no cinema, muito bem iluminada pela câmera do grande Antonio Meliande.

Tornaghi surpreende com uma ótima atuação num papel bem difícil, exigindo uma mudança de registro no meio do caminho.
Do resto do elenco há que se exaltar a qualidade de atrizes como Elisabeth, Marlene, Ivete Bonfá, e atores como Hélio, Armando Tiraboschi e Genésio de Carvalho.

Mas é Kate que domina o filme do começo ao fim. Uma pena que sua carreira, assim como de outras musas do cinema dos anos 70, tenha acabado com o domínio dos pornôs.

E é pra lamentar mesmo que a Paris Filmes tenha mutilado a obra. Se o final bolado por Sternheim tivesse sido mantido, o resultado poderia ter sido excepcional.

Orgasmo Louco

Dossiê Alfredo Sternheim

Orgasmo Louco
Direção: Alfredo Sternheim
Brasil, 1987.

Por Adilson Marcelino

Orgasmo Louco é título da fase final dos filmes explícitos de Alfredo Sternheim, e também de sua carreira até agora, já que, infelizmente, a partir de 1988, não dirigiu mais. Aqui, a trama tem como protagonista um homem, o ator Ronaldo Amaral, diferente de outros filmes em que muitas vezes coube a mulher ser o centro da cena.

Ronaldo Amaral é João, que começa a história saindo da prisão e sendo recebido com afeto pelo irmão. Daí ficamos sabendo aos poucos que o motivo de ter sido trancafiado está ligado ao assassinato da esposa, interpretada por Ludmila Batalov. Contrariando o desejo do pai e do irmão, João se casou com ela, que de início já mostrou ser nada convencional. Em jantar na casa da família do noivo, bebe todas e desacata o sogro, que fica bestificado com a conduta dela. Daí aconselha o filho a não se casar com ela, mas tudo em vão.

Certo dia, João encontra a namorada nos braços de outra mulher e, convidado pela primeira, entra no jogo erótico. A partir daí, sela seu destino rumo ao inesperado, que, como ele confessa, teve sua mudança iniciada ali naquele momento.

Aconselhado pelo irmão a esquecer os fantasmas do passado, os dois saem à noite e vão para uma boate, onde João fica fascinado pela stripper – interpretada pela musa Sandra Midori. Os dois iniciam um romance, ainda que João faça de tudo para afastá-la de sua cama, pois não consegue levar o sexo até o final.

Contrariando o irmão, João leva a nova pretendente para a casa de praia onde viveu com a esposa. Lá, conta a história de sua vida para ela, e, mais uma vez, se vê de cara com a possibilidade de repetir seu destino.

Em Orgasmo Louco, Alfredo Sternheim aproveita a conduta sexual irrefreável da vítima para desfilar mais cenas de sexo explícito, sacrificando mais o roteiro. O filme mantém o interesse, mas não está no mesmo patamar de outros como Sexo Doido (1986) e Corpos Quentes (1987).

Em depoimento para o Dicionário de Filmes Brasileiros – Longa Metragem, de Antonio Leão da Silva Neto, Sternheim assinalou o clima noir do filme e ressaltou o trabalho de Sandra Midori: “Mais levado para o filme noir, gosto do resultado e da atuação de Sandra Midori, talvez a melhor que ela fez em meus filmes”.

No entanto, é importante também ressaltar a ótima atuação de Ludmila Batalov, que iria brilhar no filme seguinte do cineasta, Corpos Quentes ((1987).

Orgia Familiar

Dossiê Alfredo Sterheim

Orgia Familiar
Direção: Alfredo Sternheim
Brasil, 1986

Por Filipe Chamy

Orgia Familiar, apesar de sua realização irregular — tônica dos anos explícitos da Boca do Lixo —, apresenta alguns elementos interessantes em sua trama: por exemplo, o despertar da sexualidade adolescente, mostrado evidentemente de maneira nada sutil, mas que desenvolve paradoxalmente uma curiosa polarização entre o medo que sente uma menina ao ver seus pais fazendo sexo (destruição da idealização da infância) e o desejo que lhe sente despertar o instinto ao ver duas de suas amigas se despindo e se entregando a uma relação física bem a seu lado. Ela quer participar, e sua timidez só lhe permite se acariciar ela mesma, sozinha, observando as amigas se divertindo, incapaz de se convidar para o ato.

Por todo o filme, é essa adolescente que gerará os conflitos. O mote é a existência de um casal extremamente liberal; não exatamente nas idéias, mas, como é praxe nesse tipo de filme, no campo sexual. Os dois se animam com a chegada de um estranho a seu condomínio. Esse estranho se aproveitará da brecha que o casal liberal abre em sua cama, sua conta bancária e sua vida, para obter vantagens de todo o tipo, até se interessar pela adolescente da casa e burlar a confiança e a liberdade que lhe foram gratuita e animadamente oferecidas. Apesar de todo o mal que esse homem causa à já bizarra família — ocasionando sua conseqüente expulsão do seio desse “lar” —, a mulher do casal, que não é a mãe legítima da adolescente, sente falta dos afagos excitantes que tinha com o desconhecido e o chama novamente para sua casa, oferecendo a ele a menina, contra a vontade dela (depois a jovem se acostuma e passa a gostar da companhia e da experiência libidinosa do estranho). A coisa tomará outro aspecto quando o pai descobre os avanços do homem sobre sua querida e amada filha.

Essa história é velha — não é de hoje que se pervertem jovens assim com interesses escusos, destruindo sua cabeça e seus sonhos, e não é de hoje que se procura buscar prazer sexual nesses jogos proibidos pelas convenções sociais e morais. Não que o filme de Sternheim seja hipócrita a ponto de fingir se compadecer de algo que usa para criar o interesse no espectador; mas isso na verdade pouco importa, porque a realização é tão mambembe que não dá para concluir coisa alguma, e qualquer conseqüência lógica acaba sendo fruto do esforço que o espectador tem em tentar ligar elementos que lhe são expostos de maneira totalmente desconexa, livre de qualquer comprometimento. Quem parar para pensar nas motivações, desejos e caracteres das personagens certamente terá uma tarefa titânica pela frente, pois sempre faltará uma peça para concluir o quebra-cabeça: o que Sternheim propõe aqui é um rascunho de narrativa, que se perde em esboços de uma profundidade nunca realmente satisfeita, que se mostra como é, uma simples sucessão de esquetes pornográficos para tentar justificar ainda que minimamente a presença das felações, sodomias, cópulas. E para tentar de alguma maneira “aumentar” a promessa dos fatos descritos: assim, uma atriz jovem em uma cena de cama não é o suficiente; é preciso vendê-la como a adolescente assustada, que cobre os seios quando se vê nua em frente ao homem mais velho (mesmo já tendo se deitado com ele), que tem um pudor só igualado pelo seu charme de gazela acuada, a adolescente que grita para a madrasta acudi-la quando é tomada à força entre lençóis, mesmo sabendo que foi ela quem a botou naquela situação (mas para que sentido nessas horas se o importante não é comover, mas excitar?).

Os atores representam tristes maquetes dramáticas em que nem eles acreditam — ou acreditam e não conseguem demonstrar, o que é igualmente patético —, e lotar as cenas de sexo com trilha incidental erudita só reforça essa apatia voluntária, condição de quem abre a boca para dizer algo e, acreditando estar sem voz, nem ao menos tem língua.

Paixão na Praia

Dossiê Alfredo Sternheim

Paixão na Praia
Direção Alfredo Sternheim
Brasil, 1971.

Por William Alves

Primeiro longa-metragem inteiramente dirigido por Alfredo Sternheim, que já estava envolvido com o cinema nacional, fazendo as vezes de diretor assistente. E logo na primeira experiência, Sternheim conseguiu escalar Norma Bengell, que já havia atuado em poderosíssimos filmes nacionais, como O Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte, e O Anjo Nasceu, de Júlio Bressane. O Pagador de Promessas, inclusive, é de 1962, mesmo ano em que ela se tornou a primeira atriz brasileira a protagonizar uma cena de nu frontal, realizada em Os Cafajestes.

Paixão na Praia é de nove anos depois, que parecem não ter mitigado o sex appeal da atriz. Débora, a personagem de Bengell, é a força motriz de toda a trama. Pedro (Adriano Reys) e Jairo (Ewerton de Castro) são os assaltantes amadores que a mantém refém em sua própria casa, que ela divide com o marido, sujeito glacial e metódico, envolvido em negociatas escusas.

Débora é infeliz. Seu marido é bem-sucedido e representa perfeitamente o papel de macho provedor. Porém, sua frieza contrasta com a necessidade de afeto da esposa. É natural, portanto, que ela comece a ceder aos encantos de Pedro, um dos bandidos que a corteja. Pedro é galante e respeitoso, ao contrário de Jairo, que é petulante e irascível. Jairo também se interessa sexualmente por Débora, e o fato de ela corresponder aos atributos de Pedro só vai tornando cada vez mais insustentável a relação dos três.

Os criminosos são motivados por motivações políticas pueris, – Sternheim talvez tenha sido influenciado pelo própria situação do país em 1971, em pleno controle dos militares – mas, felizmente, isso não compromete o filme. Paixão na Praia é quase um thriller policial, nos moldes das melhores obras dos mestres Sidney Lumet e William Friedkin. Apesar da fragilidade que ostenta em quase todos os 80 minutos, Débora se permite alguns esgares, principalmente no trato com Jairo, que remetem às femme fatales, também figuras centrais da cultura cinematográfica americana.

Sternheim é sóbrio na condução. Pedro corteja Débora em boa parte das cenas, mas sem apelar para a perseguição implacável. A intenção aqui não é esmiuçar um romance. A afeição que Débora desenvolve é apenas mais um elemento da história, não sua razão de existir. Vale ressaltar que o diretor não lança mão de cenas picantes com o intuito de atrair cinéfilos apenas pelo apelo sexual, retomando sempre o foco na relação belicosa dos três personagens principais.

Sternheim alcançaria mais sucesso (e prêmios) em 1974, com Pureza Proibida. Mas pesquisadores e fãs do cinema brasileiro não devem desprezar esse conciso, mas valoroso Paixão na Praia.

Pureza Proibida

Dossiê Alfredo Sternheim

Pureza

Pureza Proibida
Direção: Alfredo Sternheim
Brasil, 1974.

Por Gabriel Carneiro

Em seu terceiro longa, Alfredo Sternheim trilhava com muita facilidade pela seara dos melodramas. Se em Paixão na Praia e em Anjo Loiro a força estava na psicologia dos personagens e como isso influenciava suas condutas, Pureza Proibida, muito provavelmente seu melhor filme, opta por outra construção: o romance sem demagogias, do encantamento das descobertas. Afinal, é um filme cujo título diz tudo: a pureza da visão, do olhar para com os personagens, situações e objetos, proibida no cerne temático, da repressão religiosa.

Pureza01-300x216A história de amor impossível – aquele que mostra o embate entre duas forças teoricamente opostas – já foi muito tratada nas artes, inclusive no cinema. O diferencial de Pureza Proibida está justamente no olhar contemplativo do diretor, que alcança, em muitos momentos, uma franca beleza, através da câmera que admira paisagens, atos, pessoas etc. É um filme muito leve, que vai se construindo para o espectador junto com a personagem de Rossana Ghessa, irmã Lúcia, uma freira que é enviada a um vilarejo de pescadores, praticante de candomblé.

Lúcia é uma deslumbrada com um mundo, tudo a fascina. Ela olha para ele como se fosse a primeira vez que estivesse a vê-lo, maravilhada. Com o mesmo encantamento, porém de forma mais sóbria, a câmera observa o mesmo mundo, permitindo-se um maior tempo para ver as ondas nas rochas, o pescador em seu barco e mesmo um ritual praticado pela população local. Se há o fascínio, há também o tenebroso, e é seguindo essa lógica que a câmera permite ao espectador a cumplicidade com a personagem de Ghessa.

Nessa descoberta de mundo, Lúcia encontra Chico, personagem de Zózimo Bulbul, um pescador, de origem simples, mas que tem uma visão apaixonada muito similar. Se a paixão entre eles não é imediata, vai se descobrindo nos pequenos prazeres, nas conversas banais, e justamente no olhar encantado.

A pureza proibida, muito mais remetida à personagem de Lúcia, por ser uma freira – ou seja, pura, virgem -, também cabe a Chico: um homem que busca uma realidade além do bem ePurezaProibida02-213x300 do mal, mas proibida à Lúcia. Indo mais além, a pureza do título pode se referir a outra instância: a sociedade católica à qual Lúcia faz parte reprime, proíbe-lhe, ver o mundo sem uma noção de pecado, a descobrir-se através do que lhe é oferecido. A pureza, nos termos religiosos, nunca é absoluta. O que não deixaria de reforçar a crítica dos autores em relação à religião católica, vista de forma desabonada: repressora, capaz de findar com a vida de alguém para que os dogmas sejam obedecidos, em nome de um Deus.

Vale ressaltar o papel que a trilha sonora de Edino Kruger desempenha no longa. A melodia suave, muito harmônica, não se destaca pela mera beleza, e sim como forma de criar uma atmosfera em torno das descobertas. Não só a descoberta do mundo, mas a descoberta da paixão pelo mundo – e claro, da paixão entre a freira e o pescador.

Sexo Doido

Dossiê Alfredo Sternheim

Sexo Doido
Direção: Alfredo Stenheim
Brasil, 1986

Por Adilson Marcelino

A grande diferença entre Alfredo Sternheim e muitos outros realizadores de filmes explícitos é que os dele têm histórias. E alguns poderiam ter sido perfeitamente títulos de produção comercial, a não ser pelas tais cenas de rala e rola, tamanho o cuidado na confecção do roteiro – sem, claro, muitas vezes apelar para frases picantes, chulas, divertidas e de duplo sentido: “largue esse telefone e venha falar no meu”. Como é o caso desse Sexo Doido, realizado em 1986 e protagonizado por Sandra Morelli e Fernando Sábato.

Sternheim rodou 13 filmes explícitos, sendo Sexo Doido um dos últimos. Ou seja, mesmo trafegando em gênero que dava muito dinheiro, mas nenhuma respeitabilidade – e muitos ataques e desprezo pela crítica -, o cineasta não abriu mão de contar boas histórias e de, ele mesmo, continuar assinando seus roteiros, como sempre fez. Isso sem falar no fato de que também assinava o próprio nome nessas produções, algo incomum na época – seu produtor, Juan Bajon, da Galápalos Produções Cinematográficas, foi outro que também assumiu sua identidade verdadeira nessa fase.

Em Sexo Doido, Sandra Morelli é Jô, uma jovem milionária filha de deputado imbuída de vontades feministas e que fica saturada em ser apenas mais um objeto para o desejo masculino. Logo no início da trama ela dá um esporro no namorado que a deixa esperando em encontro marcado, avisa que as coisas vão mudar dali para a frente, vai embora e o deixa plantado no local. Jô entra em um cinema pornô onde está sendo exibido um filme com temática rural, com direito a trepada de cavalos. Rechaça o espertinho que senta ao seu lado cheio de intenções e fica vidrada quando aparece na tela Fernando Sábato, o astro da fita.

Jô fica completamente obcecada pelo belo e faz de tudo para conhecê-lo. É aí que arquiteta uma armadilha para o ator e acaba seqüestrando-o em sua casa de praia, onde o prende nu na cama e faz dele seu objeto sexual.

Sexo Doido se vale de alguns diálogos discursivos de teor feminista um tanto carregados, e não abre mão de colocar em cena uma bichinha divertida e uma mulher devoradora e libidinosa – ela, interpretada pela musa Márcia Ferro. Mas é mesmo no carisma de Sandra Morelli e no poder da trama que o filme se sustenta. Há de se notar que o tal feminismo da protagonista acaba sendo uma cilada para ela mesmo, pois depois de fazer do moço seu objeto, ela cairá em seus braços apaixonada, enquanto ele está apenas de olho na sua fortuna. Ou seja, o roteiro pisca para a libertação da mulher, mas acaba reservando para ela o papel de vítima eterna.

Há de se aplaudir a coragem do cineasta em acrescentar cena de sexo explícito homossexual masculina, de forma alguma apelativa, algo incomum nas produções da época.

Em sua biografia na Coleção Aplauso, Alfredo Sternheim elenca Sexo Doido como um de seus filmes preferidos dessa fase e assinala o absurdo de alguns considerarem o filme uma cópia invertida de Ata-me, do espanhol Pedro Almodovar. Está certíssimo. A afirmativa é mesmo absurda, pois Almodovar dirigiu seu filme em 1990, já Alfredo realizou o seu cinco anos antes.

Sexo Em Festa

Dossiê Alfredo Sternheim

Sexo_em_Festa

Sexo em Festa
Direção: Alfredo Sternheim
Brasil, 1986.

Por Gabriel Carneiro

À medida que as produções de sexo explícito foram tomando conta do mercado de cinema brasileiro, especialmente da Boca do Lixo, a necessidade de qualidade com o material caiu. A história, o fio condutor, deixou de ser algo imprescindível: a única exigência eram as cenas de sexo explícito, cada vez em maior número, num tempo de duração muito menor – boa parte das produções a partir de 1986 tinha por volta de 60 minutos, um média-metragem. O VHS já se impunha como meio comercial, e se tornou muito comum fitas com dois filmes de sexo em uma. Sexo em Festa, feito nessa época, tem 60 minutos, sendo mais de 70% dominado por cenas de sexo, especialmente com a bela Sandra Morelli.

O longa retrata a vida de uma moça mimada, arrogante e preconceituosa, de família grã-fina, que está prestes a casar, mas não consegue se entregar ao parceiro na cama, porque parou de fazer terapia. Ela, porém, no passado, após ser flagrada pelo caseiro da casa de campo fazendo sexo com uma prima, entra em choque e faz sexo desenfreadamente com qualquer um, até o dia em que trava. Se o plot tem tom dramático, a completa falta de tempo em se desenvolver os personagens e as situações transforma o filme numa comédia nonsense, com vários momentos esdrúxulos e absurdos – o que parece ter sido a intenção de Alfredo. Uma das grandes cenas do filme, por exemplo, é quando uma mulher brinca com labaredas de fogo, ameaçando queimar o caseiro, que está amarrado a uma árvore.

O uso de personagens estereótipos também ajuda a construção crítica do filme, em relação às pessoas preconceituosas de classes mais abastadas, que rejeitam as classes mais pobres, mesmo eles sendo muito mais problemáticos. Alfredo se aproveita de parcos recursos e de condições pouco satisfatórias, para inserir o máximo que consegue de crítica, comédia, e afins, mesmo que nem sempre seja bem sucedido.

As cenas de sexo são bem filmadas, com preferência nos closes de genitálias em atividades. Mas o destaque fica mesmo pela subversão da música clássica, colocada ao fundo de todas as trepadas, ritmando o próprio ato, numa desconstrução da aura prepotente que adquire muitas vezes, ao ser utilizada como sinal de status.

Sexo Livre

Dossiê Alfredo Sternheim

Sexo Livre
Direção: Alfredo Sternheim
Brasil, 1983

Por Filipe Chamy

Dizem que tudo em excesso é ruim. Este filme vai ao encontro dessa teoria.

Se Sexo Livre é sobre a liberdade do sexo, essa liberdade é excessiva e degradante. Alfredo Sternheim coreografa horrores e filma relações físicas com um maneirismo tão repulsivo que sua obra deve ser um dos filmes pornográficos mais abjetos da cinematografia nacional. Não, não se pode nem dar esse mérito a ela: é uma farsa explícita igual a trilhões de outras, todas igualmente ruins.

O filme ataca por várias frentes — e isso não é um trocadilho, como os deprimentes jogos de palavras abundantes nos ridículos diálogos — e fracassa igualmente em todos. Tenta mostrar-se uma apologia ao amor no sexo, mas quando bota um casal copulando a passos de distância de uma criança de berço, cai na vulgaridade extremada e torna tudo de um mau gosto insuperável (que só mina ainda mais a estrutura já débil de um filme tão horroroso); procura evidenciar sua crítica à intolerância quando filma com o mesmo “empenho” relações hetero e homossexuais, mas aposta na caricatura rasteira e na direção grotesca — que torna o filme absolutamente dispensável e tecnicamente tão malfeito quanto centenas de produções amadoras de sexo que pululam às centenas na rede — e transforma suas (questionáveis) boas intenções em um manual da podridão cinematográfica, relegando aos intérpretes momentos de verdadeiro constrangimento ao recitarem com emoção mecânica diálogos absurdos que serviriam para introduzir — novamente, sem trocadilho — seus dramas e conflitos em uma trama que, ainda que sexual, poderia ter algum tipo de empatia, importância, ou, o mais vital, sinceridade.

Falta tudo isso a Sexo Livre, e por mais boa vontade que se tenha em acusar a “despretensão” de uma fita dessas como um dos motivos vinculadores de uma análise mais branda de suas características, não dá para se divertir com sua comédia, pois ela é um insulto ao mais ingênuo otimista do humor; nem com seu drama, que é atentatório a quem tenha um mínimo de discernimento mental; nem com seu erotismo, se é que é possível chamar assim um festival de closes em falos, vulvas e ânus.

Talvez seja problema do gênero/subgênero, o fato é que não dá pra esperar grande coisa de um filme que tem por mote detalhamento voyeurístico em penetrações, felações, coitos, sodomias e, aparentemente, mais nada. Não que não seja nobre mostrar sexo, de Milo Manara a Jean Rollin os exemplos de quem fez coisas boas usando a anatomia humana em seus momentos de entrega e êxtase são inúmeros; mas Alfredo Sternheim com certeza não tem conforto nessa área, e seu filme não empolga em instante algum. Pelo contrário, choca pela imagem ruim, pela brusquidão das situações, pelo permanente desinteresse dos atores por suas personagens, pela falta de noção que faz Sexo Livre virar uma repetição de esquetes medonhos de um sexo tão nojento quanto patético.

Nem mesmo os realizadores parecem ter se “animado” — agora sim, trocadilho — com o projeto, nem os técnicos (?), nem intérpretes, nem ninguém; o espectador, então, nem se fala. É difícil procurar palavras para descrever a experiência de ver pouco mais de uma hora (muito mais longa que sua duração “real”) de um filme pornográfico que se revela uma tortura chinesa que nunca poderia ser associada a sexo, e que por isso cria uma antítese de ser um filme que de prazer, realmente, só dá o alívio que o espectador sente quanto acaba a sessão, libertando-se de cenas escatológicas que são encenadas com a mesma euforia com que gritos artificiais de orgasmo são produzidos.

Orgasmos de mentira parecem, aliás, uma adequada metáfora para um filme como esse.