Dossiê Alfredo Sternheim
Sexo Livre
Direção: Alfredo Sternheim
Brasil, 1983
Por Filipe Chamy
Dizem que tudo em excesso é ruim. Este filme vai ao encontro dessa teoria.
Se Sexo Livre é sobre a liberdade do sexo, essa liberdade é excessiva e degradante. Alfredo Sternheim coreografa horrores e filma relações físicas com um maneirismo tão repulsivo que sua obra deve ser um dos filmes pornográficos mais abjetos da cinematografia nacional. Não, não se pode nem dar esse mérito a ela: é uma farsa explícita igual a trilhões de outras, todas igualmente ruins.
O filme ataca por várias frentes — e isso não é um trocadilho, como os deprimentes jogos de palavras abundantes nos ridículos diálogos — e fracassa igualmente em todos. Tenta mostrar-se uma apologia ao amor no sexo, mas quando bota um casal copulando a passos de distância de uma criança de berço, cai na vulgaridade extremada e torna tudo de um mau gosto insuperável (que só mina ainda mais a estrutura já débil de um filme tão horroroso); procura evidenciar sua crítica à intolerância quando filma com o mesmo “empenho” relações hetero e homossexuais, mas aposta na caricatura rasteira e na direção grotesca — que torna o filme absolutamente dispensável e tecnicamente tão malfeito quanto centenas de produções amadoras de sexo que pululam às centenas na rede — e transforma suas (questionáveis) boas intenções em um manual da podridão cinematográfica, relegando aos intérpretes momentos de verdadeiro constrangimento ao recitarem com emoção mecânica diálogos absurdos que serviriam para introduzir — novamente, sem trocadilho — seus dramas e conflitos em uma trama que, ainda que sexual, poderia ter algum tipo de empatia, importância, ou, o mais vital, sinceridade.
Falta tudo isso a Sexo Livre, e por mais boa vontade que se tenha em acusar a “despretensão” de uma fita dessas como um dos motivos vinculadores de uma análise mais branda de suas características, não dá para se divertir com sua comédia, pois ela é um insulto ao mais ingênuo otimista do humor; nem com seu drama, que é atentatório a quem tenha um mínimo de discernimento mental; nem com seu erotismo, se é que é possível chamar assim um festival de closes em falos, vulvas e ânus.
Talvez seja problema do gênero/subgênero, o fato é que não dá pra esperar grande coisa de um filme que tem por mote detalhamento voyeurístico em penetrações, felações, coitos, sodomias e, aparentemente, mais nada. Não que não seja nobre mostrar sexo, de Milo Manara a Jean Rollin os exemplos de quem fez coisas boas usando a anatomia humana em seus momentos de entrega e êxtase são inúmeros; mas Alfredo Sternheim com certeza não tem conforto nessa área, e seu filme não empolga em instante algum. Pelo contrário, choca pela imagem ruim, pela brusquidão das situações, pelo permanente desinteresse dos atores por suas personagens, pela falta de noção que faz Sexo Livre virar uma repetição de esquetes medonhos de um sexo tão nojento quanto patético.
Nem mesmo os realizadores parecem ter se “animado” — agora sim, trocadilho — com o projeto, nem os técnicos (?), nem intérpretes, nem ninguém; o espectador, então, nem se fala. É difícil procurar palavras para descrever a experiência de ver pouco mais de uma hora (muito mais longa que sua duração “real”) de um filme pornográfico que se revela uma tortura chinesa que nunca poderia ser associada a sexo, e que por isso cria uma antítese de ser um filme que de prazer, realmente, só dá o alívio que o espectador sente quanto acaba a sessão, libertando-se de cenas escatológicas que são encenadas com a mesma euforia com que gritos artificiais de orgasmo são produzidos.
Orgasmos de mentira parecem, aliás, uma adequada metáfora para um filme como esse.