Dossiê Alfredo Sternheim
Pureza Proibida
Direção: Alfredo Sternheim
Brasil, 1974.
Por Gabriel Carneiro
Em seu terceiro longa, Alfredo Sternheim trilhava com muita facilidade pela seara dos melodramas. Se em Paixão na Praia e em Anjo Loiro a força estava na psicologia dos personagens e como isso influenciava suas condutas, Pureza Proibida, muito provavelmente seu melhor filme, opta por outra construção: o romance sem demagogias, do encantamento das descobertas. Afinal, é um filme cujo título diz tudo: a pureza da visão, do olhar para com os personagens, situações e objetos, proibida no cerne temático, da repressão religiosa.
A história de amor impossível – aquele que mostra o embate entre duas forças teoricamente opostas – já foi muito tratada nas artes, inclusive no cinema. O diferencial de Pureza Proibida está justamente no olhar contemplativo do diretor, que alcança, em muitos momentos, uma franca beleza, através da câmera que admira paisagens, atos, pessoas etc. É um filme muito leve, que vai se construindo para o espectador junto com a personagem de Rossana Ghessa, irmã Lúcia, uma freira que é enviada a um vilarejo de pescadores, praticante de candomblé.
Lúcia é uma deslumbrada com um mundo, tudo a fascina. Ela olha para ele como se fosse a primeira vez que estivesse a vê-lo, maravilhada. Com o mesmo encantamento, porém de forma mais sóbria, a câmera observa o mesmo mundo, permitindo-se um maior tempo para ver as ondas nas rochas, o pescador em seu barco e mesmo um ritual praticado pela população local. Se há o fascínio, há também o tenebroso, e é seguindo essa lógica que a câmera permite ao espectador a cumplicidade com a personagem de Ghessa.
Nessa descoberta de mundo, Lúcia encontra Chico, personagem de Zózimo Bulbul, um pescador, de origem simples, mas que tem uma visão apaixonada muito similar. Se a paixão entre eles não é imediata, vai se descobrindo nos pequenos prazeres, nas conversas banais, e justamente no olhar encantado.
A pureza proibida, muito mais remetida à personagem de Lúcia, por ser uma freira – ou seja, pura, virgem -, também cabe a Chico: um homem que busca uma realidade além do bem e do mal, mas proibida à Lúcia. Indo mais além, a pureza do título pode se referir a outra instância: a sociedade católica à qual Lúcia faz parte reprime, proíbe-lhe, ver o mundo sem uma noção de pecado, a descobrir-se através do que lhe é oferecido. A pureza, nos termos religiosos, nunca é absoluta. O que não deixaria de reforçar a crítica dos autores em relação à religião católica, vista de forma desabonada: repressora, capaz de findar com a vida de alguém para que os dogmas sejam obedecidos, em nome de um Deus.
Vale ressaltar o papel que a trilha sonora de Edino Kruger desempenha no longa. A melodia suave, muito harmônica, não se destaca pela mera beleza, e sim como forma de criar uma atmosfera em torno das descobertas. Não só a descoberta do mundo, mas a descoberta da paixão pelo mundo – e claro, da paixão entre a freira e o pescador.