Filmografia

Especial Wilza Carla

Filmografia

Chico Viola Não Morreu, 1955, de Román Viñoly Barreto
Leonora dos Sete Mares, 155, de Carlos Hugo Christensen
Trabalhou Bem , Genival, 1955, de Luiz de Barros
Genival é de Morte, 1956, de Aloísio T. de Carvalho
Tem Boi na Linha, 1947, de Aloísio T. de Carvalho
Minha Sogra é da Polícia, 1958, de Aluísio T. de Carvalho
As Aventuras de Chico Valente, 1968, de Ronaldo Lupo
O Rei da Pliantragem, 1968, de Jacy Campos
Palmeiras Negras (Svarta Palmkronor) , 1968, de Lars-Magnus Lindgren
O Impossível Acontece – segmento O Reimplante, 1969, de Anselmo Duarte
Macunaíma, 1969, de Joaquim Pedro de Andrade
Os Herdeiros, 1970, de Carlos Diegues
Ipanema Toda Nua, 1971, de Libero Miguel
Os Monstros de Babaloo, 1971, de Elyseu Visconti
Pra Quem Fica, Tchau, 1971, de Reginaldo Faria
Mais ou menos Virgem, 1973, de Mozael Silveira
Salva-se quem Puder, 1973, J.B. Tanko
Ainda Agarro Esta Vizinha, 1974, de Pedro Carlos Róvai
As Loucuras de um Sedutor, 1975, de Alcino Diniz
Um Soutien para Papai, 1975, de Carlos Alberto de Souza Barros
Com as Calças na Mão, 1975, de Carlo Mossy
A Ilha das Cangaceiras Virgens (1976), de Roberto Mauro
Socorro! Eu não Quero Morrer Virgem, 1976, de Roberto Mauro
O Vampiro de Copacabana, 1976, de Xavier de Oliveira
Guerra Conjugal, 1976, de Joaquim Pedro de Andrade
As Massagistas Profissionais, 1976, de Carlo Mossy
Costinha e o King Mong, 1977, de Alcino Diniz
As Eróticas Profissionais, 1977, de Mozael Silveira
Será que Ela Aguenta?, 1977, de Roberto Mauro
Seu Florindo e suas Duas Mulheres, 1978, de Mozael Silveira
Loucuras… O Bumbum de Ouro, 1979, de Carlos Imperial
Os Pastores da Noite, 1979, de Marcel Camus
Sexo às Avesas, 1982, de Fauzi Mansur
O Rei da Boca, 1982, de Clery Cunha
O Menino Arco-Íris, 1983, de Ricardo Bandeira
Põe Devagar… Benm Devagarinho, 1983, de Tony Rabatoni
Vai-e-vem à Brasileira, 1983, de Manoel Carlos Simeão da Silva
Os Campeões, 1983, de Carlos Coimbra
Bacanal na Ilha da Fantasia, 1984, deHércules Breseghelo
Mulher de Proveta, 1984, de José Rady
Clube do Sexo, 1984, de Rubem Rey
Padre Pedro e a Revolta das Crianças, 1984, de Francisco Cavalcanti
Made in Brazil – segmento Fim de Semana Impossível, 1985, de Carlos Nascimbeni
Prisioner of Rio, 1985, de Lech Majewski

Linha de Passe

Especial Futebol no Cinema Brasileiro

Linha de Passe
Direção: Walter Salles & Daniela Thomas
Brasil, 2008.

Por Filipe Chamy

Em Linha de passe, uma idéia já no início dá o tom do filme: a contraposição de um culto e de um jogo de futebol. Ao longo do filme, esses elementos se misturam, outros são adicionados e as dosagens se alteram, não permitindo separação entre os eventos: o esporte vira uma religião quando o espectador sofre realmente com as partidas, e a religião vira um esporte quando o fiel quer reverter o placar de sua existência.

Mas não é só de bola e igreja que vivem os personagens de Linha de passe, vivem problemas cotidianos de todo tipo, como falta de afeto, complicações românticas, dúvidas até existencialistas. A modéstia financeira não impede a complexidade dos dramas, e por isso o filme de Walter Salles e Daniella Thomas consegue se destacar mais que seus colegas de tema (essa “exploração da miséria” tão comum no cinema brasileiro), porque não se apóia em arquétipos morais para estruturar as ações de seus personagens: todos podem errar ou acertar, pobres ou ricos, e ninguém é inteiramente bom ou ruim — assim como um jogo de futebol, em Linha de passe só tomamos conhecimento do resultado de tudo ao final do segundo tempo, e, mesmo assim, não podemos ficar certos de sua justiça; mas é só um jogo, não?

O filme é dividido em pequenos núcleos que basicamente testemunham os acontecimentos recentes na vida dos rebentos de uma empregada doméstica, grávida mais uma vez. Cada criança ou jovem tem suas preocupações e necessidades, e apesar de filmes episódicos padecerem habitualmente de uma irregularidade que impede um bom acabamento da obra como unidade, Linha de passe acerta justamente ao dividir essas histórias, que são ligadas naturalmente, porque não é honesto tratar uma família tão heterogênea como um só ser pensante, como se todos tivessem os mesmos interesses e obstáculos. Na verdade, Linha de passe é futebolístico até nesse tratamento: o técnico (o casal cineasta) não poderia querer que só um jogador (ator) tocasse na bola (o próprio filme), como é bem lembrado por um personagem no começo da fita.

Mas se Linha de passe não é uma partida vergonhosa, tampouco será lembrado como um jogo memorável, pois suas virtudes esgotam-se quase que inteiramente na sinceridade dos intérpretes, mas seus defeitos começam quando o filme é embalado como um produto artesanal, como quem espiona à distância um animal na floresta e diz, passando o binóculo a um amigo: “veja só que espécime curioso!”. Então acabam fracassando os esforços na tentativa de dar dimensão a certos tropeços dos personagens, pois o espírito que paira é sempre o do observador acostumado com a falta de perspectiva de quem é diferente dele. Por exemplo, quando certo personagem se envolve com o crime, o olhar condescendente parece ainda mais cínico do que seria se fosse um olhar de reprovação. Parece que vem embutido um comentário: “ele se voltou para a marginalidade, mas vivendo naquelas condições ele não tinha mesmo outra opção”. Fica um fantasma de conformismo, quando o que se quer fingir que se diz é justamente o contrário; aí o filme deixa de ser humanista e se torna uma narrativa algo descontrolada, pois quer afirmar o que a imagem do cinema nega.

De qualquer modo, Linha de passe é bem filmado e não compromete as intenções “bom mocísticas” com que foi elaborado. É um filme bem superior ao que o “bom gosto” cinematográfico brasileiro vem legando, e nesse sentido é um pouco como a mãe interpretada por Sandra Corveloni: pode negligenciar um pouco seus filhos (ou os espectadores), mas não nega suas boas intenções, e, assim como ela, tem consciência de que não age corretamente às vezes, seja fumando na gestação (a mãe), seja acusando o público de um problema social de que se afasta (o filme) — às vezes a partida é injusta mesmo.

Um Craque Chamado Divino

Especial Futebol no Cinema Brasileiro

Um Craque Chamado Divino
Direção: Penna Filho
Brasil, 2006.

Por Matheus Trunk

Nas décadas de 60 e 70, o futebol era muito diferente de hoje. Felizmente, as assessorias de imprensa, os empresários e as equipes de marketing esportivo não existiam. Por outro lado, todos os times detinham um ídolo que tinha grande identificação com a equipe. No caso do Palmeiras, o jogador mais marcante foi Ademir da Guia, que ficou conhecido pelo apelido de Divino.

Em 17 anos de clube, ele colecionou títulos e se tornou o maior jogador da história do time alviverde. O filme Um Craque Chamado Divino (2006) narra toda a trajetória de vida desse grande craque da bola. O diretor Penna Filho fez a opção de contar a história do atleta tendo como base a biografia escrita pelo maestro e pesquisador Kléber Mazziero de Souza (Divino: A Vida e a Arte de Ademir da Guia).

O documentário aborda todas as facetas do grande ídolo do Parque Antártica. Sua infância, o início de carreira no Bangu, a chegada no Palmeiras, a consagração. Vendo o filme também é possível entender a face humana de Ademir. Em toda sua trajetória, o craque sempre foi uma pessoa extremamente modesta, humilde e de poucas palavras. Espécie de Paulinho da Viola palmeirense, Da Guia nunca teve seu talento reconhecido na seleção brasileira. O filme também aborda o assunto.

Entre os entrevistados, estão companheiros de longa data no Palmeiras como Dudu, César e Leivinha. Todos contam histórias saborosas sobre o amigo. Jogadores de times adversários como Gérson, Pedro Rocha e Sócrates dão outro ângulo sobre Ademir. Cronistas esportivos como Juca Kfouri e Juarez Soares também prestam preciosos depoimentos. Mas o grande entrevistado do filme é o mestre da locução esportiva Fiori Giglioti (1928-2006). Em um dos momentos mais emocionantes do documentário, ele ressalta: “Eu nunca vi o Ademir da Guia jogar mal. O Pelé eu cheguei a ver. Mas o Ademir nunca”.

Alguns aspectos negativos do filme são as poucas cenas de arquivo. Em um país sem memória como o Brasil, isso infelizmente acaba acontecendo. Mas nada que prejudique a apreciação deste singelo documentário.

Todo o palmeirense tem como obrigação moral ver pelo menos uma vez Um Craque Chamado Divino. Corintianos, são-paulinos e demais torcedores que gostam de futebol e de boas histórias também não irão se arrepender de ver este filme.

O Casamento de Romeu e Julieta

Especial Futebol no Cinema Brasileiro

O Casamento de Romeu e Julieta
Direção: Fábio Barreto
Brasil, 2004.

Por Leandro Caraça, especialmente para a Zingu!*

Não basta vontade e um tema interessante para se criar uma boa comédia. O filme tem lá seus momentos, muito graças a Marco Ricca e a Luiz Gustavo, mas no geral tropeça nas próprias pernas e sai de campo com bola e tudo. Bruno Barreto, cineasta de quatro ou cinco filmes de qualidade em quase quarenta anos de carreira, se atira na comédia de costumes (como havia tentado no passado em Romance de Empregada e Bossa Nova) baseado do livro Palmeiras, um Caso de Amor, de Mário Prata.

No filme, o romance entre Romeu (Ricca) e Julieta (Luana Piovani) ganha ares de humor por causa da opção futebolística de cada um. Ele, um corintiano de coração, sofredor. Ela, uma palmeirense apaixonada, criada pelo pai fanático (Gustavo) para torcer pelo time desde criancinha. Para que o relacionamento possa ir em frente, Romeu precisa cometer o impensável. Fingir-se de palmeirense, cantar o hino do arqui-rival e se tornar sócio de carteirinha da agremiação. São essas poucas sequências que conseguem fazer rir, num filme que segue em passos previsíveis até o final.

Alguns clichês são bem trabalhados, como a broxada de Romeu devido ao símbolo do Palmeiras na cama de Julieta, só que o filme perde tempo com situações repetidas e choradeira mal colocada. Também seria interessante se Bruno Barreto abandonasse um pouco a sua visão carioca da zona sul quando fosse focalizar a cidade de São Paulo e os torcedores do Corinthians e do Palmeiras. Sair um pouco dos condomínios de luxo e clínicas especializadas e meter a cara nas ruas, nos bares, nas calçadas.

Outra cisma minha, é puramente machista. Perdoem-me as mulheres, mas não tenho como me conter. Luana Piovani, linda e loira, tem talento inversamente proporcional ao seu gênio forte. Mel Lisboa, a eterna Anita, no papel da namorada do filho de Romeu, é uma personagem que aterrissa de pára-quedas em todas as cenas em que aparece. As duas não sabem atuar e não tiram a roupa. Para que vieram, então? O Casamento de Romeu e Julieta é uma comédia popular de certa forma elitista – se a família de Julieta fosse corintiana, acredito que o pai seria Washington Olivetto – e que cria expectativas quase nunca cumpridas. É uma hora e meia de chutões pra frente, com poucas jogadas levando perigo à pequena área.

*Leandro Caraça é pesquisador de cinema de gênero. Colabora com o blog O Dia da Fúria e mantém o blog Viver e Morrer no Cinema.

Pelé Eterno

Especial Futebol no Cinema Brasileiro

Pelé Eterno
Direção: Aníbal Massaini Neto
Brasil, 2004.

Por Vlademir Lazo Correa

Não é a primeira vez que Edson Arantes do Nascimento foi contemplado num documentário com um amplo material sobre sua carreira futebolística. Além de suas malfadadas investidas em filmes de ficção (Fuga Para a Vitória, Os Trombadinhas, etc.), o grande craque já havia sido tema de Isto é Pelé, que Eduardo Escorel dirigira nos anos setenta, com texto do cronista Paulo Mendes Campos e supervisão de Luis Carlos Barreto. Com material de arquivo do Canal 100 e da Globo, mostrando mais de cem gols, Isto é Pelé foi durante muitos anos uma das fitas mais procuradas no mercado nacional de vídeo e campeão de vendas no auge do videocassete.

O tempo passou e o antigo filme de Escorel foi sendo esquecido, como se o seu material estivesse defasado e urgisse a necessidade de um outro que ocupasse o lugar de filme oficialesco sobre o rei do futebol em nossa época que exige por demais excessos de informações e imagens icônicas. É a forma com que Pelé Eterno se apresenta por inteiro. Ainda que a maior parte carreira do jogador tenha se desenrolado num período em que o videotape ainda engatinhava, o trabalho do cineasta Aníbal Massaini Neto foi o de coletar todo e qualquer material imagético mais relevante em torno de Pelé dentro das quatro linhas.

O resultado é uma verdadeira orgia de gols e lances sensacionais do ex-atleta do Santos e da Seleção Brasileira, costurados numa narrativa didática disposta a cumprir a tarefa de ilustrar a trajetória completa de Pelé. Nada contra, desde que o documentário não se entregasse com vontade férrea à opção de reforçar o mito em torno da figura do homem e jogador, como se o desejo fosse o de agradar não tanto aos espectadores, mas sobretudo ao próprio Pelé. O homem é colocado num pedestal, quase que divinizado, o que resulta em uma simples exposição da sua vida e carreira, com a narração em off explicando o que na maioria das vezes está diretamente exposto nas fotos históricas e fragmentos fílmicos do homenageado, modificando muito do material de arquivo com o uso de computadores, para torná-lo mais palatável às platéias modernas.

O principal atrativo e cereja do bolo do filme de Massaini é a recriação daquele que o próprio Pele considera o mais belo entre os mais de mil e duzentos gols que marcou na carreira, num jogo entre Santos e Juventus, de 1959. Como não existem passagens filmadas desse gol, o documentário mostra depoimentos de atletas que participaram daquela partida, numa edição rápida com cada um deles descrevendo de memória um pedaço do lendário gol, que finalmente é recriado com o uso de computadores, com três balões de Pelé passando pelos zagueiros e o goleiro até fulminar as redes. Demais, ao mesmo tempo em que conta a biografia de Pelé, o documentário prossegue com a exibição de centenas de lances e gols (especialmente os das Copas do Mundo de 1958 e 1970), quase como se fosse uma edição esticada de um dos quadros de O Gol – O Grande Momento do Futebol, da TV Bandeirantes.

Trata-se de reiterar uma homenagem bem-intencionada a uma grande figura futebolística já devidamente explorada nos últimos cinqüenta anos. Ao público, resta deleitar-se (pelo menos os aficionados do esporte) com a revisão do futebol maravilhoso praticado pelo célebre jogador.

Boleiros

Especial Futebol no Cinema Brasileiro

Boleiros – Era uma Vez o Futebol
Direção: Ugo Giorgetti
Brasil, 1996.

Por Matheus Trunk

Boleiros não é um filme qualquer sobre futebol. Trata-se de um dos únicos longas-metragens nacionais a falar dos bastidores do esporte e do lado menos glorioso da modalidade. O enredo gira em torno de um grupo de ex-profissionais do futebol que se reúnem em um bar de São Paulo para conversarem sobre o assunto.

Toda vez que um caso é contado, a ação do filme se desloca para a história que está sendo contada. O ex-atleta que está em sérias dificuldades financeiras, o juiz corrupto, o craque que atravessa uma má fase e tem que apelar para um pai de santo, são alguns dos episódios mostrados na película.

O esporte é um tema recorrente da obra do cineasta paulista Ugo Giorgetti. Um de seus primeiros trabalhos foi um documentário abordando a carreira e as lutas do boxeador bicampeão mundial Eder Jofre (Quebrando a Cara, feito entre 1977 e 86). Infelizmente, esse filme nunca entrou no circuito comercial.

Outra característica do cinema de Giorgetti é ele ser um verdadeiro cronista de São Paulo. Todas as películas do realizador tratam da cidade com um olhar crítico e carinhoso. Ele dirige da mesma maneira que o escritor Marcos Rey escrevia suas crônicas sobre a capital paulista. Este espírito paulistano está presente em cada fotograma de Boleiros.

O elenco é outro ponto a ser destacado. Giorgetti é um cineasta que conhece profundamente a sétima arte e que sabe aproveitar bem seus atores. Lima Duarte, Otávio Augusto, Aldo Bueno e Adriano Stuart estão muito bem no filme. Mas o espectador mais atencioso poderá visualizar grandes atores em papéis pequenos como os comediantes Borges de Barros, Gibe e mesmo o cantor Sílvio César. Ex-jogadores como Zé Maria e Luis Carlos Galter também fazem participações especiais.

Um ex-jogador costuma dizer que nunca havia conhecido tanto sobre si mesmo e sobre o ser humano como num campo de futebol. Esse longa-metragem é um trabalho dedicado a esses homens e seu universo: um olhar crítico e ao mesmo carinhoso sobre os boleiros.

Barbosa

Especial Futebol no Cinema Brasileiro

barbosa

Barbosa
Direção Jorge Furtado e Ana Luiza Azevedo
Brasil, 1988.

Por Gabriel Carneiro

Barbosa é uma mistura entre ficção e documentário. O filme de 12 minutos é talvez o melhor curta de seus autores, os gaúchos Jorge Furtado e Ana Luiza Azevedo. Nele, a mensagem parece clara: uma pessoa pode ser julgada por toda sua vida devido a um simples ato. Para mostrar a crueldade humana que extravasa certas paixões, tomam como objeto o goleiro da seleção brasileira de 1950, Moacyr Barbosa, considerado a grande razão de o time perder a Copa daquele ano na abertura do Maracanã.

A necessidade de culpar uma pessoa pelo destino de um jogo coletivo, de se arranjar um bode expiatório, sempre esteve em pauta – a comunidade do Orkut “Valeu, Felipe Mello”, criada no dia 2 de julho, já tem mais de 40 mil membros, para ficar num exemplo atual. A genialidade do curta está na profundidade dos assuntos tratados em tão curto tempo. Ao fazer um homem que tenta ainda entender a derrota, quase 40 anos depois, e que o leva a voltar no tempo, para aquele fatídico dia, Furtado e Azevedo tratam da questão da memória, da história, do relacionamento entre pai e filho e da própria imagem, entre outros.

A memória e a história que se constrói em torno dela parecem ser os principais motes da discussão no filme: um homem é condenado por um único ato – Barbosa é lembrado maldosamente pela falha no gol, e nada mais do que fez parece importar. Uma das cenas mais tocantes do filme é quando, numa entrevista com o ex-goleiro, ele relata um episódio, em que, quando foi balconista de uma loja, foi atender uma mulher, que falou para um garoto: “esse é o homem que fez o Brasil chorar”. Em Barbosa, o personagem de Antônio Fagundes volta no tempo justamente para mudar o destino desse homem, tirar a culpa de suas costas. É uma revisão da história, buscando apagar um momento que só foi um desserviço à nação.

Se o apelo emocional do problema de relacionamento entre pai e filho existe para dar maior identificação com o espectador, a dupla de diretores não deixa de apelar para a discussão fílmica da imagem. Ao final, após os créditos, Barbosa, ri, em entrevista: “é difícil ser artista”. O trecho perde o caráter documental e ganha a ficção: afinal, a imagem não é a verdade.

Obs.: O filme pode ser visto aqui.

Os Trapalhões e o Rei do Futebol

Especial Futebol no Cinema Brasileiro

Os Trapalhões e o Rei do Futebol
Direção: Carlos Manga
Brasil, 1986.

Por Leandro Caraça, especialmente para a Zingu!*

Ano da segunda Copa do Mundo realizada no México, 1986 também marcou o encontro entre duas das maiores instituições brasileiras: o quarteto dos Trapalhões e Edson Arantes do Nascimento. Na verdade, são três grandes instituições, uma vez que temos Carlos Manga no comando deste, que é seu último longa metragem até o momento. Em Os Trapalhões e o Rei do Futebol, Cardeal (Didi), Elvis (Dedé), Fumê (Mussum) e Tremoço (Zacarias) são roupeiros do Independência Futebol Clube, time que passa por uma transição de poder, disputada por Dr.Velhaccio (José Lewgoy) e Dr.Barros Barreto (Milton Moraes). A rusga entre os dois cartolas acaba resultando na promoção de Cardeal ao posto de técnico da equipe. Não passará de um joguete político. Se o Independência ganhar os seus jogos, Barreto será favorecido. Se for mal, Velhaccio é quem sairá ganhando. Além dos três companheiros, Didi também terá como aliados o repórter esportivo Nascimento (Pelé) e Aninha, a jovem responsável pela lanchonete da sede do clube, interpretada por Luíza Brunet.

Para um filme com futebol no título e Pelé no elenco, Os Trapalhões e o Rei do Futebol demora muito tempo para mostrar cenas desse esporte, o que de fato só acontece dez minutos antes do final. Para complicar um pouco mais, nem pode ser vista entre as melhores produções dos Trapalhões. As piadas são poucas e a trama dá mais atenção às cartolagens do que aos jogos em si. Dá para destacar o primeiro treino comandado por Cardeal, em que os jogadores precisam fugir de cachorros e capturar galinhas (no melhor estilo Rocky Balboa). A sequência musical, regada com samba e mulatas cheias de saúde, é outro ponto alto. Chega até a compensar a horrível trilha sonora de Sergio Saraceni, que parece ter sido composta para jantares em churrascaria e transas em motéis. O filme em si diz a que veio quando Dedé, Mussum, Zacarias e Pelé vão resgatar Aninha, sequestrada por Mauricio do Valle a mando de Velhaccio. Depois do divertido quebra-pau, segue a esperada partida de futebol, com Pelé atuando no gol (?!?) e Didi jogando na linha. Renato Aragão faz a festa, com direito a gol contra, mão na bola, gol de cabeça (depois de bater ele mesmo o escanteio) e até um lindo tento do meio do campo. Isso nem Pelé conseguiu. Ou será que conseguiu? Assistam para descobrir.

*Leandro Caraça é pesquisador de cinema de gênero. Colabora com o blog O Dia da Fúria e mantém o blog Viver e Morrer no Cinema.

Onda Nova

Especial Futebol no Cinema Brasileiro

Onda Nova
Direção: Ícaro Martins e José Antonio Garcia
Brasil, 1983.

Por William Alves

Carla Camurati, que nos anos 90 se lançou à direção de longas-metragens com Carlota Joaquina (1995), é uma das protagonistas de Onda Nova. No filme, ela é Rita, uma lindíssima loira de vinte e poucos anos. Ela e suas amigas, todas na mesma faixa etária, acabam de formar o Gaivotas Futebol Clube, time de futebol feminino de São Paulo. A técnica e o apuro futebolístico das garotas são primários, mas o entusiasmo é grande.

O início do filme se assemelha muito a uma pornochanchada setentista. Após a primeira partida encenada no filme, as garotas se esbaldam em variadas relações sexuais, apresentadas com um bom número de minúcias pelas lentes de José Antônio Garcia e Ícaro Martins. Devido ao número elevado de participantes do Gaivotas, ele abrange todo tipo de etnia e orientação sexual e os vestiários e instalações do time são transformadas em espaços propícios ao flerte descarado – e a putaria não rola apenas em âmbito heterossexual.

Onda Nova não traz nenhum tipo de argumento instigante, pois. Trata-se, pura e simplesmente, de uma história sobre o cotidiano de algumas garotas fãs de futebol e os personagens que as rodeiam. Como Neneca, a treinadora do time; Batata e Lili, jogadoras; e Carioca, amigo das meninas e ocasional amante de Rita, interpretada pela já citada Camurati.

Para os fãs de pornochanchada e sexo (quase) explícito em geral, a primeira metade é puro deleite. Temos moças bem apessoadas e desnudas, e situações cômicas em bom número, como os precários jogos disputados pelas mulheres. O problema é que toda essa libertinagem começa a cansar lá pelos cinquenta minutos de filme (e ele dura o dobro disso). Há tempo para as Gaivotas fazerem uma ponta no programa do Chacrinha e participações de craques ilustres do futebol nacional, como Casagrande e Wladimir, ambos ex-jogadores do Corinthians. Casagrande faz uma ponta como um legítimo “boi reprodutor”, quando uma das jogadoras pede, com delicadeza, que ele a deflore.

A presença dos dois jogadores não tem muita razão de ser, sendo utilizados apenas para o sexo casual com as “atletas”, fãs dos boleiros. No meio de tudo ainda há uma breve aparição de Caetano Veloso, que aparece transando (não diga!) com uma garota em um táxi. Onda Nova sofre uma bizarra reviravolta na sua segunda parte, quando é adicionada uma carga de surrealismo sobre a floreada chanchada do início. E é aí que tudo piora ainda mais. As alegres surubas do início se transformam em algo parecido como um pornô existencialista.

Indicado apenas para os fãs de futebol feminino, ou da trinca futebol, mulher e cerveja. Ou para os/as fãs de peitinhos naturais, apenas, já que esses aparecem em quantidades cavalares.

Pra Frente, Brasil

Especial Futebol no Cinema Brasileiro

Pra Frente, Brasil
Direção: Roberto Farias
Brasil, 1982.

Por Daniel Salomão Roque, especialmente para a Zingu!

Existe um tipo de filme valorizado única e exclusivamente pelo fato de transportar para as telas determinadas questões de seu tempo. É a chamada “obra relevante”, em que a denúncia de certos males e as eventuais polêmicas que ela provoca constituem o eixo de sua apreciação, para além de qualquer atributo artístico. São, sem a menor sombra de dúvidas, iniciativas bastante estimáveis, mas propensas a simplificações grosseiras: o filme, nesse caso específico, quase sempre perde toda a sua dimensão própria para transformar-se num mero atalho, um reles ponto de partida para discussões externas que pouco ou nada se relacionam com o cinema.

Não é preciso retroceder muito no tempo para se deparar com manifestações dessa tendência na cinematografia brasileira: afinal de contas, o que mais explica o fenômeno Tropa de Elite? Nosso cinema, por sinal, é rico em filmes do gênero – das adaptações de clássicos literários aos pretensos ensaios sociológicos sobre a identidade nacional, passando pelos retratos áridos das favelas e sertões nordestinos, nenhum tema parece ter escapado aos realizadores brasileiros. Um assunto específico, porém, parece se destacar em meio a essa produção: trata-se, evidentemente, do período em que o país esteve subjugado pela ditadura militar.

Pra Frente, Brasil, nesse sentido, é uma obra duplamente emblemática: consiste não apenas num célebre exemplar da supracitada “corrente”, como também figura entre os mais citados filmes sobre a época nele retratada – época, cabe lembrar, cujos traumas ainda gritavam em 1983, quando, em meio a processos diversos e entraves com a censura, a produção de Roberto Farias finalmente veio a público. Seu pano de fundo, hoje deveras óbvio, não o era durante o processo de redemocratização que se desenrolou no país a partir dos anos 80: o contraste entre a euforia ufanista gerada pelo tricampeonato na Copa de 1970 e a realidade mórbida do regime político vigente.

E então surge o futebol, não como esporte, mas como símbolo da alienação generalizada: é, por excelência, o passatempo dos apáticos, da classe média reacionária e do cidadão medíocre; em resumo, pão e circo, conforme o discurso simplista do filme. Para uma obra tão categórica e radical nos retratos que traça de certos grupos sociais, Pra Frente, Brasil, no entanto, incorre em omissões, falhas e inconstâncias que comprometem todas as suas intenções.

Raras vezes a tortura foi abordada de forma tão risível. Jofre, o infortunado cidadão confundido com um militante político, é espancado, pendurado do avesso, eletrocutado: há uma enorme preocupação em mostrar a covardia do ato e, no entanto, nenhuma em expor seus executores – bizarramente, os carrascos filmados por Roberto Farias agem por conta própria, sem vínculo algum com o Estado. Esses mesmos algozes, num momento de puro humor involuntário, interrompem uma sessão de tortura para assistir ao jogo do Brasil, ocasião em que a vítima, imersa em sangue e solidão, aproveita para desabafar em frente às câmeras: “Nunca me envolvi com política! Eu pago meus impostos!”

Quaisquer que sejam as intenções por trás desse monólogo, os resultados não são lá muito bons. Ele pode ser visto como catarse, elemento de identificação entre o protagonista e aquele espectador que vê no pagamento de impostos uma espécie de redenção espiritual; ou, o que é mais provável, constitui um dos vários fatores que nos permitem situar Pra Frente, Brasil na categoria dos “filmes de tese”. O apático e comodista Jofre, cujo sumiço direciona o enredo, é mais uma marionete que um personagem; também o são todas as outras criaturas que circulam pelo filme, incrivelmente unidimensionais: Miguel e Marta, respectivamente irmão e esposa do desaparecido, igualmente apolíticos e desligados; Mariana, a estudante guerrilheira que soa panfletária e caricata até mesmo quando permanece de boca fechada; Dr. Barreto, o torturador que gargalha como um vilão de desenho animado; e, por último, o Dr. Geraldo Braulen, poderoso empresário industrial e financiador da repressão, personificação da panaquice e da mesquinharia. Nenhum deles tem vida própria, servindo apenas para endossar uma premissa já estabelecida e empurrar a narrativa rumo a um final com pretensões arrebatadoras – os cadáveres baleados dos presos políticos em contraste aos belos gols da seleção brasileira.

Pra Frente, Brasil não é apenas uma tese inconsistente, é também cinema medíocre e burocrático. Coincidência ou não, foi produzido no mesmo ano que Missing, de Costa-Gavras, e a incrível semelhança temática entre as duas obras acabou por suscitar uma série de debates. Roberto Farias não apenas rejeitou todas as comparações, como também deu uma declaração bastante famosa quando entrevistado pela revista Veja: “Costa-Gavras é um grego que faz filmes sem maiores incômodos – ele sempre fala de um país onde não está. Vive na França e conta casos que ocorreram no Chile, na Grécia, na Checoslováquia ou num passado mais distante. Para mim, faz uma espécie de cafetinização das esquerdas. Comigo é diferente. Sou um brasileiro que não pretende abandonar seu país e que filmou fatos que se passaram aqui”.

Curiosamente, Farias não parece preocupado em apontar suas diferenças estilísticas em relação à Gavras, tampouco em explicitar o que de fato torna seu filme distinto de Missing – suas palavras limitam-se aos bastidores, às meras intenções, à especulação da vida pessoal, sequer tocando no cinema propriamente dito: talvez porque, na elaboração de Pra Frente, Brasil, essa parecesse uma questão completamente secundária.

*Daniel Salomão Roque é fanático por quadrinhos e cinema. Colaborou fixamente com a por 15 edições, das quais 12 com a coluna Tesouro dos Quadrinhos.