Filmografia – Lilian Lemmertz

Filmografia

O Corpo Ardente, 1966, Walter Hugo Khouri
As Cariocas (primeiro episódio), 1966, Fernando de Barros
As Amorosas, 1968, Walter Hugo Khouri
O Palácio dos Anjos, 1970, Walter Hugo Khouri – dublagem
Copacabana Mon Amour, 1970, Rogério Sganzerla
Barão Olavo, O Horrível, 1970, Julio Bressane
Elas (segmento O Artesanato de ser Mulher), 1970, José Roberto Noronha
Um Certo Capitão Rodrigo, 1971, Anselmo Duarte – dublagem
Cordélia, Cordélia…, 1971, Rodolfo Nanni
As Deusas, 1972, Walter Hugo Khouri
Um Intruso no Paraíso, 1973, de Heron D´Ávila
O Último Êxtase, 1973, Walter Hugo Khouri
O Anjo da Noite, 1974, Walter Hugo Khouri
O Desejo, 1975, Walter Hugo Khouri
Aleluia Gretchen, 1976, Sylvio Back
Paixão e Sombras, 1977, Walter Hugo Khouri
Lição de Amor, 1978, Eduardo Escorel
Os Amantes da Chuva, 1979, Roberto Santos
Eros, O Deus do Amor, 1981, Walter Hugo Khouri
Tensão no Rio, 1982, Gustavo Dahl
Janete, 1983, Chico Botelho
Patriamada, 1984, Tizuka Yamasaki

Filmografia – Walter Hugo Khouri

Filmografia

O Gigante de Pedra, 1954
Estranho Encontro, 1958
Fronteiras do Inferno, 1959
Na Garganta do Diabo, 1960
A Ilha, 1963
Noite Vazia, 1964
As Cariocas (segundo episódio), 1966
O Corpo Ardente, 1966
As Amorosas, 1968
O Palácio dos Anjos, 1970
As Deusas, 1972
O Último Êxtase, 1973
O Anjo da Noite, 1974
O Desejo, 1975
Paixão e Sombras, 1977
As Filhas do Fogo, 1978
O Prisioneiro do Sexo, 1979
Convite a Prazer, 1980
Eros, O Deus do Amor, 1981
Amor Estranho Amor , 1982
Amor Voraz, 1984
Eu, 1987
Mônica e a Sereia do Rio, 1987 (direção de cenas ao vivo)
Forever, 1991
As Feras, 1996
Paixão Perdida, 1999

Senhora

Dossiê Gerardo Vietri

Senhora
Direção: Geraldo Vietri
Brasil, 1976.

Por Vlademir Lazo Correa

Uma das críticas mais duras que se faz ao cinema brasileiro mais recente é a influência da televisão na confecção de alguns filmes, a assimilação de uma estética das novelas de TV no estilo do que é visto nas telas do cinema. A prática, entretanto, não é nova. Nos anos setenta, com a explosão das telenovelas da Globo entre o grande público, muitas de nossas realizações cinematográficas se refugiavam a um teor menos ou mais excessivamente televisivo. O Descarte (1974), de Anselmo Duarte, e produzido pelo casal Tarcisio Meira e Glória Menezes, ainda que com lampejos do talento cinematográfico do diretor, parecia bem mais uma novela das oito. Já Senhora tem cara de novela das seis da tarde.

Nada contra se voltar para um público popular no mercado das salas de cinema, porém o filme de Geraldo Vietri é pouco feliz porque o seu problema parece ser anterior mesmo à questão acima levantada, ao adaptar o romance de José de Alencar para as telas. Um autor há muito fora de moda, mas sempre de presença constante e obrigatória nos currículos escolares, e cujas diversas versões cinematográficas jamais se elevaram acima do pouco interesse das platéias contemporâneas por suas obras (não apenas Senhora, mas também Iracema, O Guarani duas vezes, Guerra dos Mascates e O Tronco do Ipê foram levados para tela grande, sempre com pouco ou nenhum êxito).

Na tentativa de conquistar um vasto público habituado a folhetins, o filme de Vietri é o encontro do folhetim literário de um século anterior com a estética dos folhetins televisivos de sua época. Compila fragmentos do romance e cenas da narrativa costurados pela narração em off da personagem central, encarregada de orientar o espectador naquilo que a imagem nem sempre dá conta. O aparecimento do avô de Aurélia e a revelação da falsa viuvez de sua mãe é muito mais verbalizado pelas palavras da protagonista do que visto na tela. Daí que ficamos sabendo que Aurélia foi reconhecida pelo avô paterno e com a sua morte herda a fortuna que lhe deixou, deixando de ser uma moça pobre e sem berço.

Senhora, o livro e o filme, mostra casamentos e relacionamentos amorosos como parte de jogos de interesse financeiros e transações econômicas. Aurélia pede ao seu tutor que a ajude a desmanchar o compromisso de casamento de uma outra moça, Adelaide, com um recém-chegado ao Rio de Janeiro, Fernando Seixas, um caça-dotes de boas relações no Império, mas de origem simples, com quem Aurélia deseja se reencontrar. Vietri também utiliza na estrutura de seu filme alguns dos flashbacks do romance de Alencar, da mesma forma que por vezes sobrepõe a história de Aurélia com a de Adelaide, por vezes dividindo a atenção entre ambas as personagens.

Em todo o caso, Vietri tenta fazer cinema em meio a profundidade de papelão dos personagens e sua narrativa folhetinesco-televisiva, com alguns movimentos de câmera bem insinuantes, como se procurasse um refúgio de eventuais acusações de que o que estivesse fazendo era mesmo televisão. Há um plano de uma carruagem por uma estrada sob o céu vermelho de uma noite escura que parece tirado diretamente de alguma sequência de E o Vento Levou, e aqui e ali é possível se impressionar com alguma de suas tomadas. Ainda assim, é pouco, muito pouco, e o resultado final não foi suficiente para marcar época.

Entrevista com Francisco Ramalho Jr.

Dossiê Francisco Ramalho Jr.

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Por Gabriel Carneiro

O cineasta Francisco Ramalho Jr., 70, está fazendo cinema há mais de 40 anos, desde que começou realizando seus curtas semi-profissionais. São sete os longas: Anuska, Manequim e mulher (1968), À Flor da Pele (1976), O Cortiço (1978), Paula – A História de uma Subversiva (1979), Filhos e Amantes (1981), Besame Mucho (1986) e Canta Maria (2006), além do episódio Joãozinho, de Sabendo Usar não Vai Faltar (1975).

Em entrevista exclusiva à Zingu!, por email, Francisco Ramalho Jr. conta de sua vida no cinema, seja na direção, seja na produção (em que também tem longa carreira), e sobre as dificuldades de fazer no Brasil. Seu próximo longa já está engatilhado: América Americana.

Para ler a entrevista, clique abaixo:

Parte 1: O comece de tudo e Anuska
Parte 2: Filmando na Boca e auge na direção
Parte 3: Anos 1980, depois da entrada do cinema de sexo explícito
Parte 4: Voltando à direção

Entrevista com Francisco Ramalho Jr. – parte 1

Dossiê Francisco Ramalho Jr.

Entrevista com Francisco Ramalho Jr.
Parte 1: O comece de tudo e Anuska

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Francisco Cuoco e Marília Branco em Anuska, Manequim e Mulher

Por Gabriel Carneiro

Zingu! – Como foi sua infância?

Francisco Ramalho Jr. – No interior de São Paulo, com pais separados, irmãos adultos trabalhando fora para sustentar a mim e à minha mãe. Na solidão, lia muitas HQs e aos domingos, a diversão era ir ao cinema, na sessão da tarde, com um filme principal e um complemento, o seriado, com 12 ou 13 episódios. Quando um colega perdia uma sessão, eu lhe relatava o ocorrido. Aos poucos, tornando-me mais jovem, lia jornal (o Estadão) na casa de um amigo, e fui descobrindo que diretores faziam os filmes.

Z – Você sempre teve uma grande paixão por física. Ela ainda persiste? Você continua a estudar?

FR – Descobri a Física ao chegar ao colegial. E daí a vontade (realizada) de estudar engenharia, para poder estudar mais física. Fiz engenharia eletrônica na Politécnica em São Paulo, mas na Poli descobri o cinema, e abandonei a engenharia. Não estudo mais Física, leio apenas um ou outro texto.

Z – Você acha que sua relação com física e com cinema tem mais aspectos comuns entre si do que diferenças? Em ambos, há uma preocupação com o estudo da imagem e da tecnologia, o que já podia ser visto quando fez seu projetorzinho amador, a partir de uma caixa de sapato, por exemplo.

FR – De fato, tem uma relação como você aponta, e acrescento que a física tem um mundo de descobertas que se assemelha ao mundo da criação cinematográfica.

Z – Como surgiu o interesse em fazer cinema propriamente dito?

FR – Da infância à juventude, o cinema foi embrenhando em meu coração; na Poli, descobri literatura, teatro e vi, em bienais, retrospectivas de cinematografias completas, direcionando-me para a questão: se os curtas que eu via geravam obras posteriores de cineastas importantes, eu também poderia tentar fazer algum curta e daí chegar ao longa.

Z – Quais foram seus primeiros contatos com o fazer cinema e dirigir?

FR – Fiz na Poli um curta coletivamente com outros colegas, intitulado Menina Moça, e logo depois pude dirigir documentários em 16 mm, um dos quais ficou incompleto por estar sendo produzido pela União Estadual de Estudantes, entidade que, com a ditadura, deixou de existir em seus propósitos.

Z – Como surgiu a produtora Tecla Filmes e a distribuidora RPI (Reunião de Produtores Independentes)?

FR – A Tecla foi a produtora que fundamos (eu e Sidnei Paiva Lopes, João Silvério Trevisan e João Batista de Andrade) para produzir nossos filmes. Como não tínhamos distribuidora para os mesmos, fundamos também, uma distribuidora, a RPI, com a Lauper Filmes, do [Luís Sérgio] Person e Glauco Mirko Laurelli – que montou meu primeiro filme e atualmente dedica-se a teatro – e o Iberê Calvanti, no Rio. Os recursos das duas empresas vinham de contribuições pequenas de cada um.

Z – Por que, dentre todos os projetos dos associados, Anuska – Manequim e mulher foi o primeiro – e praticamente único a ter a Tecla como principal produtora – a ser feito?

FR – Anuska, manequim e mulher foi o primeiro filme a ser produzido, pois tão logo escrevi o roteiro, surgiram e criamos condições para sua produção. Dois outros filmes foram feitos pela Tecla a seguir, mas não tiveram o público que Anuska conseguiu ter.

Z – Por que adaptar um conto do Ignácio de Loyola Brandão?

FR – Loyola era jornalista e acabara de publicar um livro de contos, Depois do Sol. Eu e o grupo que eu freqüentava escolhemos os contos do livro para possíveis filmes: o Luís Sérgio Person ficou com um, o Roberto Santos com outro, e eu fiquei com o Ascensão ao Mundo de Anuska, por ver nele uma história de amor, possessão e ciúmes que me agradavam. Tive nesse projeto a colaboração e a dedicação do Thomas Souto Correa, que entendia e entende o mundo da moda, mundo distante de mim, e que me permitiu registrá-lo como desejava. Tanto o Person quanto o Roberto Santos nunca vieram a filmar os contos que escolheram.

Z – Quais foram as dificuldades encontradas na realização desse seu primeiro longa?

FR – Quanto à filmagem propriamente dita, não tive problemas. O problema foi com montagem financeira do projeto, dificuldade semelhante a de qualquer outro filme. Fizemos um empréstimo em Banco, outro fiz em meu nome e de um grupo de amigos, uma produtora de comerciais entrou com equipamento de câmera e luz, fizemos dívidas no laboratório de imagens, e ao final o [ator do filme Francisco] Cuoco participou com seu salário. Qualquer filme em sua criação e produção está preso por limites financeiros – tem que trabalhar desse modo, não há outro caminho, seja aqui ou onde for.

Z – Quanto custou e por quantas pessoas ele foi visto nos cinemas, na época?

FR – Dificílimo de responder às duas perguntas: o Brasil mudou tanto de moedas e de correções cambiais que não tenho esses dados; como também não tenho os dados de público do filme – o filme foi muito bem lançado, abriu no Cine Olido, na Cinelândia, à época, um dos principais cinemas de São Paulo, e circuito. Foi bem de público.

Z – Como foi trabalhar com astros da época, como o Francisco Cuoco?

FR – Cuoco foi um grande companheiro, além de grande ator que era e continua a ser. No final das filmagens, vendo as dificuldades da produção, entrou como associado com seu salário, além de participar intensamente do lançamento. Infelizmente, mesmo tendo ido bem de público, nem ele e nenhum dos produtores viu receitas em função dos custos remanescentes da produção, e dos custos de distribuição e comercialização. Um filme até os dias de hoje remunera seus produtores somente quando acontece um grande sucesso.

Z – Como você via o cinema paulista da época?

FR – Havia grandes produções, comédias e filmes de cangaço ou policiais feitos pelo Oswaldo Massaini e filhos, que além de produtor tinha uma, ainda existente, distribuidora forte e um conjunto de pequenos produtores em torno da Boca do Lixo (Rua do Triumpho e adjacência, onde se localizavam a maioria das distribuidoras nacionais e internacionais) produzindo diversos gêneros de onde saíram filmes do [Walter Hugo] Khouri, ou alternativos como os do [Rogério] Sganzerla. No Rio, começava a reinar o Cinema Novo.

Z – Como você se relacionava com o chamado Cinema Marginal, que foi contemporâneo à sua entrada no cinema?

FR – Bem, muito bem. Desde Candeias a tantos outros. Vários desses filmes chegaram à minha distribuidora, mas eram sumariamente repelidos pelos exibidores, o que impossibilitava sua distribuição – à época, não existiam as atuais salas de circuito de arte e filmes alternativos.

Z – Porque você não se embrenhou para essa forma de fazer cinema? O que gosta de filmar?

FR – Não sei fazer um cinema marginal e/ou experimental, respeito-o, mas não sei fazê-lo. Vi no passado muitos filmes do [Jonas] Mekas, do [Alejandro] Jodorowski, etc, mas sou espectador. Vejo os muitos filmes experimentais atuais, incluindo os longos trabalhos do cineasta húngaro Béla Tarr, que recomendo a quem não os conhece, em especial o seu Sátántangó. Gosto de realizar ficção, seja no gênero drama ou na comédia, e realizei um drama baseado no faroeste no Canta Maria. Gostaria de fazer um thriller.

Z – Por que a Tecla fechou? Houve algum desentendimento entre os membros?

FR – Não houve nenhum desentendimento; fechou por estarem muito difíceis as condições de produção. Cada um buscou um caminho. Vim me associar de novo com o Sidnei Paiva no futuro, na [produtora] Oca [Cinematográfica].

Parte 2

Entrevista com Francisco Ramalho Jr. – parte 2

Dossiê Francisco Ramalho Jr.

Entrevista com Francisco Ramalho Jr.
Parte 2: Filmando na Boca e auge na direção

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Por Gabriel Carneiro

Zingu! – Depois de Anuska – Manequim e Mulher, você ficou 7 anos sem filmar. Por que isso?

Francisco Ramalho Jr. – Depois do Anuska, ainda continuei com a RPI, que não conseguia se afirmar com seus filmes e projetos de modo que ela teve que fechar suas portas. Estava muito difícil levantar condições para se produzir, de modo que, casado e com duas filhas pequenas, tive que encontrar outras formas para sobreviver. Estive envolvido em muitos curtas, fiz um longa documentário no nordeste (como produtor), trabalhei no Museu Lasar Segall, enfim, estava no cinema ou próximo dele, apenas sem conseguir fazer outro longa com minha direção. Paralelamente, dei aula de física no Curso Universitário, um cursinho pré-vestibular.

Z – Como era a Boca em meados dos anos 70?

FR – Um meio agitado e criativo, com muitos cineastas ou candidatos a, lutando e fazendo seus filmes – começavam a surgir meios para a produção, tendo como associado os exibidores, pois estes tinham que cumprir a lei da obrigatoriedade de exibição de filmes brasileiros, e basicamente surgiram comédias ligeiras de costumes alimentadas com sexo discreto que, mais tarde, seriam rotuladas de pornochanchadas – que não considero que fossem nem pornô e nem chanchadas.

Z – Você costumava freqüentar o local, o bar Soberano, etc?

FR – Sim, era em frente da Servicine, produtora do [A. P.] Galante e [Alfredo] Palácios – dois produtores independentes que cresceram muito e fizeram história produzindo todo tipo de filme, e dando ampla liberdade a seus criadores -, lateralmente ficava a Cinedistri, do Massaini, e a poucos metros do Soberano, na outra rua, ficava o escritório regional da Embrafilme. O Soberano era o ponto de encontro de todos.

Z – Como conheceu o Galante?

FR – Conheci-o quando ele trabalhava num setor de cinema da reitoria da Universidade de São Paulo. Através dele, cheguei a equipamentos, negativos, etc, vindo mais tarde a fazer filmes com ele como produtor – fez três filmes comigo. É uma pessoa genial e generosa, sem igual. Quero-o e respeito-o muito. Infelizmente, seu sócio na produtora, o Alfredo Palácios, que conhecia legislação como poucos, já faleceu.

Z – O que te levou a fazer filmes para ele?

FR – A amizade e o profissionalismo dele, e a combinação de escolhermos projetos juntos.

Z – Como surgiu Joãozinho, de Sabendo Usar não vai Faltar?

FR – Eu havia oferecido ao Galante o roteiro de À Flor da Pele, mas ele estava iniciando um projeto de um filme em três episódios e me sugeriu me associar a ele nesse projeto. Assim nasceu o Sabendo Usar Não Vai Faltar, em que dirigi um dos episódios, um amigo meu e sócio na Tecla e que, naquele momento, era meu sócio numa nova produtora, a Oca, o Sidnei Paiva Lopes, dirigiu outro episódio, nascendo uma co-produção com o Galante e seu sócio, o Palácios. Posteriormente, continuamos associados na produção de À Flor da Pele.

Z – O Arrigo Barnabé, que musicou o filme num dos seus primeiros trabalhos como compositor, conta você deu uma bronca nele por conta da demora dele na gravação. Você se lembra dessa história, o que se passou?

FR – Não foi uma bronca no sentido da palavra, apenas pedi mais agilidade. A música ficou boa.

Z – O que te chamou atenção na peça da Consuelo de Castro, À Flor da Pele?

FR – O mesmo elemento do Anuska, uma intensa história de amor.

Z – Era sua idéia inicial fazer a personagem Verônica, em À Flor da Pele, interpretada pela Denise Bandeira, tão histérica e, diversas vezes, chata?

FR – Não sei de onde você tirou essa idéia de que a personagem de Verônica, tão bem interpretada pela Denise Bandeira, fosse diversas vezes ‘chata’ – enfim, chata é esta entrevista.

Z – Como foi trabalhar com o Juca de Oliveira, com o Sérgio Mamberti e com o Sérgio Hingst?

FR – Excelente, todos bons atores. O Juca, além de atuar, ainda trabalhou muito os diálogos e determinadas situações. O Sérgio Mamberti, apesar de estar num papel pequeno, criou bem o pintor bom amigo. Pena que o Sérgio Hingst não esteja mais conosco, ainda que esteja para sempre no filme.

Z – Como foram as condições financeiras do longa?

FR – A equipe tinha dez pessoas; a atriz ficou hospedada em minha casa; os carros de cena eram de amigos e o meu; não havia figurantes; o cenário principal era o apartamento de meu sócio, Sidnei Paiva, que se mudou com a família para a casa de um parente; não havia som direto; a quantidade de negativo usado era mínima, menos de 30 latas de 300m cada; os copiões eram em branco e preto, etc. Esse modelo de filmagem mudou muito.

Z – Por quantas pessoas ele foi visto nos cinemas, na época?

FR – Foi muito bem de público para a época, um filme médio de 600 mil espectadores.

Z – Como foi ganhar Gramado? Você acha que isso ajudou sua carreira?

FR – Foi muito bom e ajudou muito na carreira do filme. À época, havia poucos festivais de cinema, e Gramado era muito importante – não que não o seja mais hoje. O que ocorre atualmente é que há mais de 200 festivais só no Brasil, e prêmios nesses Festivais não incentivam suas carreiras em cinema. À época, À Flor da Pele havia estreado em São Paulo e tivera pouco público; logo a seguir foi a Gramado, saiu de lá com vários prêmios, incluindo Melhor Filme, permitindo que o filme reestreasse nos cinemas com muito interesse do público. Isso não aconteceria nos dias de hoje: um filme jamais retorna às salas de cinema depois de sua estréia. Os festivais são essenciais para se mostrar e debater os filmes, mas os prêmios são bons apenas para as carreiras dos que os recebem, mas nada representam para a carreira comercial dos filmes. Único prêmio hoje que mobiliza o público é o Oscar, e mesmo assim dependendo do filme.

Z – Como surgiu a idéia de adaptar O Cortiço?

FR – Um produtor, Edgar de Castro, me propôs a idéia, ousada e corajosa, pois implicava em orçamento elevado e muitos problemas logísticos de produção. Como, por exemplo, reconstruir um cortiço do século XIX na base de uma pedreira abandonada sem essa aparência, próxima a alguma localidade para ser a base de produção, e numa posição geográfica em que a luz do sol a banhasse lateralmente, para que não houvesse sua sombra projetada em sua base, local do cortiço cenográfico, permitindo se filmar pela manhã e pela tarde sem ter a sombra da pedreira. É a famosa locação impossível. Superamos.

Z – Como foi feita a escolha do elenco?

FR – Havia uma questão: a personagem de Rita Baiana era mulata e, à época, não tínhamos, como agora, muitas atrizes mulatas que pudessem protagonizar um filme daquele porte. Transformei a personagem, e escolhi a Betty Faria, que fez uma Rita Baiana ótima, embalada pela música do John Neschling e Geraldo Carneiro, a fotografia crua do Zetas Malzoni, e ao lado do Armando Bógus, Mauricio do Vale, Ítala Nandi, Beatriz Segal, Silvia Salgado, Mario Gomes, Helber Rangel, e tantos outros – enfim, um elenco enorme e de peso.

Z – Como foi trabalhar com o Silvio Renoldi?

FR – Já havia trabalhado com o Silvio Renoldi antes e me lembro que quando ele editava A Hora e a Vez de Augusto Matraga, do Roberto Santos, pedira a ele para poder ficar sentado diante dos dois durante os longos meses daquela edição, para acompanhá-la em seu processo de criação; aprendi muito de cinema nesse período. Silvio não apenas era um excelente editor (passava o rolo do filme com a cena que iríamos montar, e ao voltar rebobinando-o ia montando-o de trás para frente com cortes certeiros tamanha era sua sensibilidade e sua memória visual) como também pensava a dramaturgia sugerindo inversões e alterações.

Z – O Cortiço já foi uma produção mais cara, que teve distribuição da Embrafilme. Quais as diferenças em realizar um filme desses e os feitos para o Galante?

FR – Foi um filme muito caro, teve distribuição muito boa da Embrafilme – que foi apenas distribuidora do filme e não também co-produtora, como era o modelo da época. O Edgar de Castro, o produtor, foi um grande companheiro e não dá para comparar O Cortiço com os filmes que fiz com o Galante pois cada filme é um filme, com suas características e problemas. Tanto o Edgar como o Galante foram e são excelentes produtores, entendem o ofício e me deram ampla liberdade de criação e todo o apoio necessário.

Z – Quando pergunto as diferenças entre realizar uma produção mais cara (como O Cortiço) e outras mais baratas, quero saber sobre a maneira de você se relacionar com elas, independente da qualidade da produção. Ou seja, se você tinha mais liberdade criativa, se podia pensar mais tempo num plano, etc.

FR – Cada filme é um filme, e sempre haverão problemas financeiros envolvidos; entretanto, nunca tive restrições criativas – se não posso ter uma grua ou steadycam, encontrarei outra solução rodando planos fixos; se o tempo é curto, preparo melhor a cena ou os seus ensaios.

Z – Por quantas pessoas ele foi visto nos cinemas, na época?

FR – Foi um tremendo sucesso para a época, com 2,5 milhões de espectadores.

Z – Como surgiu Paula – A História de uma Subversiva?

FR – Foi um projeto pessoal, pois até então eu filmara apenas histórias baseados em argumentos de terceiros. Tive problemas com a ditadura e escrevi uma história ‘ficcionando’ a minha vivência. São problemas que já se foram, prefiro não comentá-los e ficar na ficção.

Z – Você não gosta do resultado do filme, por quê?

FR – O filme é um filho meu como são todos os demais filmes que fiz, incluindo os que produzi e não dirigi. O resultado apresenta problemas que poderiam terem sido realizados de outra forma, mas não foram. Assim é. O filme teve pouco público.

Z – Que outra forma de realizar Paula você vê hoje que seria melhor?

FR – Um filme feito está encerrado. Nunca pensei num remake dele. Mas o [Alfred] Hitchcock fez duas vezes O Homem Que Sabia Demais, modificando-as, o Michael Haneke filmou duas vezes iguais o seu Violência Gratuita (claro, dois elencos diferentes).

Z – Foi nessa época que você começou a produzir filmes, com Os Amantes da Chuva, do Roberto Santos, e Das Tripas Coração, da Ana Carolina. Por que ir para essa área? Te agrada?

FR – Desde o início de minha carreira fui diretor e produtor. Agrada-me produzir filmes de amigos. Um filme é uma comunhão de talentos criando uma obra única. Fazer com amigos é uma comunhão mais agradável.

Z – Como surgiu Filhos e Amantes?

FR – O Galante estava desenvolvendo comigo um projeto de um filme muito caro e ambicioso e tínhamos um sócio conosco, um grande distribuidor e exibidor, que, num dado momento da pré-produção do filme (o longa teria o Jardel Filho como protagonista) saiu do projeto. O Galante me propôs que continuaria comigo em outro projeto de custo muito baixo (o que sobrara para ele do projeto anterior) e eu teria que escrever um filme de baixíssimo orçamento para ser viável. Nasceu Filhos e Amantes, com praticamente uma locação (uma casa em Itatiaia e seus arredores), mínima equipe e elenco (cinco personagens principais e dois secundários), nenhum figurante, pouco negativo.

Z – O que te levou a trabalhar novamente para o Galante?

FR – Já expliquei antes e se o Galante voltar à ativa, estou pronto para qualquer projeto.

Z – Como foi trabalhar com o Mauro Alice, um veterano dos tempos da Vera Cruz?

FR – Magnífico, voltei a tê-lo em outros projetos. Um sábio na profissão e na vida.

Z – O que te levou a fazer um filme juvenil, sobre as descobertas do mundo adulto?

FR – Acho que o filme não é juvenil como você o classifica mas, sim, adulto, com personagens na faixa de vinte e poucos anos procurando as raízes e razões de viver. O filme teve muitos problemas com a censura, em especial, a questão de drogas. O filme foi bem de bilheteria: na primeira semana no cine Marabá fez mais de 10 mil espectadores.

Z – Os seus filmes feitos para o Galante têm várias cenas de nudez e bastante carga erótica. Era um requisito para a época, ou era exigência do produtor mesmo?

FR – Não era exigência do produtor, mas sim do mercado exibidor – à época, de tremenda censura e repressão moral e política, os filmes que poderiam ter público necessariamente tinham que ter censura de 18 anos e erotismo. Sem isso, um filme não teria carreira comercial boa. Só mais tarde, coma abertura, é que se atenuou esse aspecto.

Z – No seu período mais produtivo enquanto cineasta (1976-81), você alterna entre as produções sobre a classe média, mais voltadas para questões como amor, descoberta da vida e da paz, e serenidade da alma, caso de À Flor da Pele e de Filhos e Amantes, e as de cunho social e engajado politicamente, como O Cortiço e Paula. Por que essa variação, essas escolhas?

FR – Quem sabe? As escolhas da vida são obras de nosso inconsciente e de circunstâncias apresentadas pelas condições de trabalho. Mas atente: continuo tão produtivo quanto antes, como cineasta, um fazedor de filmes. Não parei de trabalhar em longa-metragem e me posiciono como exemplo vivo para todos, e, em especial, para os que desejam entrar na profissão, de que é possível se fazer cinema no Brasil.

Parte 1 // Parte 3

Entrevista com Francisco Ramalho Jr. – parte 3

Dossiê Francisco Ramalho Jr.

Entrevista com Francisco Ramalho Jr.
Parte 3: Anos 1980, depois da entrada do cinema de sexo explícito

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O produtor Francisco Ramalho Jr., o diretor Hector Babenco e equipe em Coração Iluminado (1998)

Por Gabriel Carneiro

Zingu! – Qual papel que a entrada do cinema de sexo explícito teve no cinema brasileiro e mais especificamente no seu cinema?

Francisco Ramalho Jr. – Bem, o erotismo que comentei começou a se degenerar com a abertura democrática, pois chegaram filmes com cenas de sexo explícito (Calígula, por exemplo, entre outros) que estavam proibidos no Brasil e os exibidores se voltaram aos produtores pedindo o mesmo. Nunca tive cenas de sexo explicito em meus filmes pelo que entendo como tal, mas se um determinado filme que venha a fazer necessite de alguma cena assim, eu a farei sem preconceitos.

Z – Como você conheceu o Hector Babenco e o que te levou a produzir filmes dele e vice-versa?

FR – Conheci o Hector à porta do atual cine Belas Artes, enquanto passava seu primeiro filme em pré-estréia. Desde então nasceu uma amizade e uma parceria profissional em mão dupla. Foi um período imensamente criativo e produtivo, cresci e aprendi muito, juntos fizemos grandes filmes além de continuar e consolidar uma amizade que começara muito antes, que está viva até hoje.

Z – Como surgiu Besame Mucho?

FR – Ao assistir à peça do Mario Prata, vi nela a oportunidade de falar de minha geração como tentara antes com o Paula, só que de um ponto de vista mais leve, com um sorriso nos lábios. O filme ficou.

Z – Como se deu a escolha do elenco?

FR – Gosto muito de dirigir atores dando-lhes muita liberdade de criação. Precisava de grandes atores para caracterizar grandes personagens e não foi fácil chegar a um elenco tão extraordinário: José Wilker, Gloria Pires, Antônio Fagundes, Christiane Torloni, Paulo Betti e Giulia Gam. Uau! Não fiz testes de elenco – à época não se fazia isso no Brasil. Pensei e entrevistei atores e atrizes possíveis, até chegar ao elenco do filme.

Z – Você quis que o filme dialogasse, esteticamente, com as produções paulistas dos anos 80, como Cidade Oculta, e outros?

FR – Quando faço um filme não oriento a criação para um coletivo como você sugere. Faço o meu filme e se ele vier a representar algo, será apontado pelos estudiosos. Você citou o Cidade Oculta, do Chico Botelho, que é um grande filme e feito por um amigo meu, que se foi muito cedo – mas não vejo paralelo entre os filmes a não ser que alguém possa fazê-lo.

Z – Você vê o longa como um balanço dos anos de Regime Militar?

FR – É uma história de geração que viveu parte de sua vida durante o regime militar, e creio que seria pretensioso pensá-lo como balanço desse regime de exceção democrática.

Z – Quanto ele custou e por quantas pessoas ele foi visto nos cinemas, na época?

FR – O Besame Mucho foi uma produção de um custo não baixo, ainda que tenha sido feito em sete semanas de filmagem, mas tinha grandes atores, um filme em épocas diversas, uma grande trilha do Wagner Tiso, uma quantidade razoável de negativo, etc. Foi muito bem de público, mais de 1 milhão de espectadores, o que era muito para a época.

Z – Como era a produção paulista dos anos 80, especialmente a de novos diretores, como André Klotzel, Guilherme de Almeida Prado e outros? Você diferenças deles para o cinema feito na época?

FR – Talentosa como continua a ser atualmente com esses diretores citados que continuam a filmar e com o surgimento de outros criadores, que, como os citados, orquestram uma obra que registra civilizatoriamente comportamentos brasileiros, bem como, no particular, os múltiplos aspectos da vida paulistana. Amo e venero o cinema brasileiro, minha razão de ser. Evidentemente, cada criador é diferente dos demais, bem como as obras do mesmo criador se modifica a cada nova criação.

Parte 2 // Parte 4

Entrevista com Francisco Ramalho Jr. – parte 4

Dossiê Francisco Ramalho Jr.

Entrevista com Francisco Ramalho Jr.
Parte 4: Voltando à direção

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Francisco Ramalho Jr. e Vanessa Giácomo em Canta Maria

Por Gabriel Carneiro

Zingu! – Depois você passou a se dedicar mais à produção, mas mesmo assim foram poucas, até o começo dos anos 2000. Era muito difícil fazer cinema no Brasil nesse período?

Francisco Ramalho Jr. – Fiz no final dos anos setenta muitos curtas como produtor, e, posteriormente, nos anos oitenta, vários longas, dois como diretor, outros como produtor, mas, de fato, até chegar a lei do audiovisual houve anos difíceis para o cinema brasileiro (a derrocada do modelo Embrafilme, o desaparecimento do Concine e das leis longamente conquistadas, etc).

Z – As coisas mudaram com a chamada Retomada?

FR – Sim, muito devagar de início até o boom atual, com mais de 100 filmes por ano, com todos os gêneros e criatividade em todas as regiões do país, congraçando novos talentos e reafirmando outros.

Z – Como foi voltar a dirigir depois de vinte anos?

FR – Normal, você não desaprende de nadar.

Z – Por que fazer Canta Maria? Como surgiu o filme?

FR – Um projeto ligado a outros períodos de minha vida: o nordeste e sua cultura foram muito forte nos anos de minha formação e lá estivera fazendo documentários. Quando descobri o livro que deu origem ao filme, Os Desvalidos, do Francisco Dantas, encontrei nele uma sintonia comigo e um material com histórias que me tocavam e me tocaram. Era e é uma grande história de amor passado num período da história do nordeste, de 35 a 38, em que a população vivia num fogo cruzado de uma guerra civil, bandidos e policiais, como ainda hoje vivem segmentos da população brasileira.

Z – Porque o nordeste e sua cultura foram muito fortes na sua formação?

FR – Nos anos sessenta, a cultura nordestina (Gilberto Freyre, Josué de Castro – Rossellini veio ao Brasil para filmá-lo -, Raquel de Queiroz, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Amando Fontes, Ariano Suassuna, a literatura de cordel, etc), eventos políticos (as ligas camponesas de Francisco Julião, por exemplo) e religiosos (os fenômenos de beatismo), as revoltas populares, o cangaço dos anos 20 e 30, etc – tudo isso fervia e me impressionava aqui no sul. Fizeram e fazem parte de meu modo de ver e pensar o mundo. E fico feliz em ver que o nordeste atual está muito modificado e em amplo progresso. Lamento apenas ver tantos jegues abandonados, pois foram substituídos pelas motos. Mas é o ciclo da vida.

Z – Quanto custou?

FR – Foi barato, considerando que era de época, em locações distantes, na Paraíba e em Pernambuco. Filmei muito rapidamente, em cinco semanas e meia, com equipe pequena, bela fotografia em scope do Lucio Kodato, grandes atores (Vanessa Giácomo, Marco Ricca, José Wilker, Edward Boggis, entre outros), musica do Dimi Kireeff com canções especialmente criadas pela Daniela Mercury. Foi um prazer.

Z – Quais os seus projetos atuais? E os próximos?

FR – Lançamos o A Suprema Felicidade, do Arnaldo Jabor. Um grande filme, uma grande felicidade poder fazê-lo. Estou envolvido em vários projetos que espero crescerem para comentá-los

Z – Você pode falar um pouco de América Americana, que você vai dirigir?

FR – É uma história de amizade entre duas pessoas de culturas distintas que são obrigadas a superar suas diferenças. Um argumento que me foi contado por um grande amigo meu, o Paulo Brito.

Parte 3

Anuska, Manequim e Mulher

Dossiê Francisco Ramalho Jr.

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Anuska, Manequim e Mulher
Direção: Francisco Ramalho Jr.
Brasil, 1968.

Por Gabriel Carneiro

Pode-se pensar Anuska – Manequim e Mulher como a semente do cinema de Francisco Ramalho Jr., enquanto diretor. Não só porque é seu primeiro filme, realizado há mais de 40 anos, mas porque, por toda sua carreira, discorrerá sobre o cerne do longa de 1968: as paixões desmedidas e seus desenlaces. Os pares Marcelo e Verônica, de À Flor da Pele, Xico e Olga, Tuca e Dina, de Besame Mucho, e mesmo Maria e Filipe, de Canta Maria, são meras extensões de Bernardo e Anuska: pessoas que se juntam por uma paixão abrupta e desmedida, mas que, com o passar do tempo, vão se apercebendo das conseqüências desse amor ‘irracional’, por assim dizer, fundamentado muito mais na emoção do que em qualquer outra coisa.

anuskaPois, se Anuska – Manequim e Mulher é pioneiro em mostrar o mundo brasileiro da moda, é também avassalador entre filmes de temáticas de amores imperfeitos, que já vinham ganhando maiores contornos, em nosso cinema, com Walter Hugo Khouri. A filiação aqui, porém, é meramente temática. O filme de Francisco Ramalho carece da imersão passional dos filmes de Khouri. A diferença está mesmo no olhar. Para Ramalho, a paixão obsessiva de Bernardo e, a princípio, de Anuska é vista de maneira complacente. Ele não entra no jogo, mostrando apenas com um distanciamento, por vezes, cruel – quase como se fosse um mero observador, um relator de tais paixões. Não há uma identificação com o público dos protagonistas; as fragilidades e desmanches da relação não impactam o espectador. Talvez seja essa justamente a principal conquista do filme, quase como se o filme nos dissesse que devemos ser mais racionais e menos inconseqüentes em nossas paixões, que não devemos entrar de cabeça e idealizar completamente nosso parceiro amoroso – a dor e os problemas podem ser intratáveis durantes os conflitos.

Anuska é uma modelo aspirante, que mantém uma relação estranha com Sábato, responsável por uma linha de roupas. Quando ela conhece o jornalista Bernardo, as coisas mudam radicalmente. Enamorados, passam a morar juntos. Acontece que, mesmo sem Sábato, Anuska consegue entrar na indústria da moda, passa a viajar e tudo o que quer é festejar. Bernardo deixa de ser sua grande paixão, torna-se apenas o porto seguro, a garantia. Mas o mesmo não ocorre com ele. Para manter a vida de luxo que ela tinha, larga o jornalismo para virar publicitário, função que odeia. O apego de Bernardo continua, e a frivolidade de Anuska o destrói.anuska-4

É a história da desilusão. O distanciamento dá ao filme uma conotação mais realista e mais sombria. A obsessão que norteia os personagens, em diferentes momentos, só mostra a pateticidade da experiência. Francisco Ramalho construiu isso ao longo de sua obra. Alguns filmes seminais de sua trajetória apontam ao caminho da aceitação pessoal e da libertação do outro. Anuska – Manequim e Mulher é o ponto de partida, quando começamos a ver o desenlace, que é potencializado em À Flor da Pele, quando a obsessão toma figuras desproporcionais aos próprios sentimentos para com outros e encontram a anulação do eu. Em Filhos e Amantes, após as tragédias finais do filme anterior e das dúvidas dos jovens, encontram a paz interior, a aceitação do eu e a libertação do outro. Besame Mucho funciona então como um balanço, voltando ao início, nos anos 1960, e querendo entender como chegou naquele ponto, nos anos 1980 – como se a libertação, enfim conquistada, estivesse mais na esfera do sonho.

Independentemente de todas essas ponderações, Anuska – Manequim e Mulher também funciona como um filme de sua época, do liberalismo feminino frente ao seu papel como esposa, mãe e dona de casa. É, afinal, sobre transformações.

À Flor Da Pele

Dossiê Francisco Ramalho Jr.

À Flor da Pele
Direção: Francisco Ramalho Jr.
Brasil, 1976.

Por William Alves

Verônica anda muito irritada. Estudante relapsa de Aulas Dramáticas, ela até tenta, mas não consegue prestar muita atenção nas ideias de William Shakespeare. Verônica é uma espécie de Jim Stark do hemisfério sul, com doses mais apuradas de amargura e raiva. Suas explosões de insatisfação são constantes e sem direção específica. Como uma significativa parcela da população jovem mundial, ela odeia, pasmem!, o pai. Temos o desajuste da jovem explicitado em um momento do filme, quando ela exibe os seus seios para um amigo que visitava o seu pai, em um ato de protesto, sabe-se lá contra o que.

É com essa menina de instabilidade patológica que o personagem de Juca de Oliveira, o dramaturgo e professor Marcelo, cisma de se envolver. Marcelo Fonseca mantém uma conduta diametralmente oposta à de Verônica. Bem-humorado, boa gente e atencioso ao ensinar, Marcelo é o típico cidadão de bem, fanático por arte e pai consciencioso. Atraído – seja-se lá pela magnética personalidade ou pelo corpo bem fornido – por sua aluna, Marcelo se vê tomado, no correr da fita, por instintos primitivos que antes não constavam na tela, como os arroubos de fúria e ciúme.

Na extrema ânsia de se mostrar repleta de atitudes, não tarda para que Verônica comece a ameaçar o casamento de Marcelo, mesmo que o matrimônio do dramaturgo tenha se tornado mais uma convenção que um compromisso. Consequências trágicas, que não se anunciavam no tranquilo início, se seguem às impulsivas ações.

A matéria-prima de À Flor Da Pele é a honestidade. Honestidade essa que impede Verônica de simular um comportamento mais socialmente conveniente, que disfarçaria sua psique atormentada. Ou a honestidade em uma diferente roupagem, a que se apodera de Marcelo, transmutando o inicialmente afável professor em amante colérico, que ele não tenta esconder. A trilha sonora dos mpbistas Eduardo Gudin e Paulo César Pinheiro faz o pano de fundo, seja para os momentos melancólicos (maioria) ou a felicidade (tênue) do casal.

O paulista Francisco Ramalho Jr., diretor do longa, obteve maior sucesso comercial com a filmagem do clássico literário O Cortiço, realizada em 1978. O filme, com Betty Faria e Armando Bógus, superou a marca de dois milhões de espectadores no cinema. Mas foram os 100 minutos de À Flor Da Pele que renderam ao diretor algumas honrarias, como o prêmio de melhor filme no Festival de Gramado, em 1977.