Senhora

Dossiê Gerardo Vietri

Senhora
Direção: Geraldo Vietri
Brasil, 1976.

Por Vlademir Lazo Correa

Uma das críticas mais duras que se faz ao cinema brasileiro mais recente é a influência da televisão na confecção de alguns filmes, a assimilação de uma estética das novelas de TV no estilo do que é visto nas telas do cinema. A prática, entretanto, não é nova. Nos anos setenta, com a explosão das telenovelas da Globo entre o grande público, muitas de nossas realizações cinematográficas se refugiavam a um teor menos ou mais excessivamente televisivo. O Descarte (1974), de Anselmo Duarte, e produzido pelo casal Tarcisio Meira e Glória Menezes, ainda que com lampejos do talento cinematográfico do diretor, parecia bem mais uma novela das oito. Já Senhora tem cara de novela das seis da tarde.

Nada contra se voltar para um público popular no mercado das salas de cinema, porém o filme de Geraldo Vietri é pouco feliz porque o seu problema parece ser anterior mesmo à questão acima levantada, ao adaptar o romance de José de Alencar para as telas. Um autor há muito fora de moda, mas sempre de presença constante e obrigatória nos currículos escolares, e cujas diversas versões cinematográficas jamais se elevaram acima do pouco interesse das platéias contemporâneas por suas obras (não apenas Senhora, mas também Iracema, O Guarani duas vezes, Guerra dos Mascates e O Tronco do Ipê foram levados para tela grande, sempre com pouco ou nenhum êxito).

Na tentativa de conquistar um vasto público habituado a folhetins, o filme de Vietri é o encontro do folhetim literário de um século anterior com a estética dos folhetins televisivos de sua época. Compila fragmentos do romance e cenas da narrativa costurados pela narração em off da personagem central, encarregada de orientar o espectador naquilo que a imagem nem sempre dá conta. O aparecimento do avô de Aurélia e a revelação da falsa viuvez de sua mãe é muito mais verbalizado pelas palavras da protagonista do que visto na tela. Daí que ficamos sabendo que Aurélia foi reconhecida pelo avô paterno e com a sua morte herda a fortuna que lhe deixou, deixando de ser uma moça pobre e sem berço.

Senhora, o livro e o filme, mostra casamentos e relacionamentos amorosos como parte de jogos de interesse financeiros e transações econômicas. Aurélia pede ao seu tutor que a ajude a desmanchar o compromisso de casamento de uma outra moça, Adelaide, com um recém-chegado ao Rio de Janeiro, Fernando Seixas, um caça-dotes de boas relações no Império, mas de origem simples, com quem Aurélia deseja se reencontrar. Vietri também utiliza na estrutura de seu filme alguns dos flashbacks do romance de Alencar, da mesma forma que por vezes sobrepõe a história de Aurélia com a de Adelaide, por vezes dividindo a atenção entre ambas as personagens.

Em todo o caso, Vietri tenta fazer cinema em meio a profundidade de papelão dos personagens e sua narrativa folhetinesco-televisiva, com alguns movimentos de câmera bem insinuantes, como se procurasse um refúgio de eventuais acusações de que o que estivesse fazendo era mesmo televisão. Há um plano de uma carruagem por uma estrada sob o céu vermelho de uma noite escura que parece tirado diretamente de alguma sequência de E o Vento Levou, e aqui e ali é possível se impressionar com alguma de suas tomadas. Ainda assim, é pouco, muito pouco, e o resultado final não foi suficiente para marcar época.