Especial Futebol no Cinema Brasileiro

Perigo Negro, de Rogério Sganzerla: cinema brasileiro falando de futebol
Por Cid Nader, especialmente para a Zingu!*
Parece texto comum falar da displicência com que o cinema nacional trata do assunto de mais importância e relevância aos brasileiros, como regra quase geral: o nosso futebol. Texto comum, pois percebo em conversas com amigos críticos e cinéfilos (principalmente aqueles que não têm vergonha de declarar o quanto apreciam o esporte bretão), cuja toada reclamatória é similar, que, comparando o apreço norte-americano, a elevação deles a diversos status de poderio junto à formação social local e o registro de diversos de seus esportes em suas produções cinematográficas mais introjetadas no modo de ser de lá, o pouco que se faz aqui com a mesma possibilidade de mote e o que nos resta de saldo é um quase ultrajante quase nada.
Texto comum, que pode não ser tão verdadeiro (assumindo essa cara de “comum” por espelhar reclamações que talvez se baseiem na falação geral) quanto imaginamos em nossa indignação ante uma primeira e leviana olhada em nossas produções, que somadas “grosso modo” (somente no mundo dos longas-metragens) superam a casa dos noventa (90) filmes, em que o esporte é elevado ao papel de protagonista principal ou recebe citação minimamente honrosa: fato que, ajuntado a uma quantidade supostamente similar no terreno dos curtas e mais um tanto outro em filmes que não são facilmente perceptíveis em compêndios que enumerem produções com algum teor de oficialidade, pode gerar uma produção estatística de quase três (3) produções anuais (pensando no tempo da existência do cinema por aqui, e lembrando que faço esse cálculo com boa parte de intuição numérica).
Pensando em três produções anuais até que daria para se pensar em jogar no lixo nossas arrogações de descaso. Será? Pensemos na quantidade de filmes realizados no país em todos os tempos – lembrando que o futebol já caminhava lado-a-lado com o cinema desde seus nascimentos -, que deve beirar a casa dos cinco mil títulos (5.000), em longa, e facilmente a barreira dos vinte mil (20.000) curtas (notando que resolvi deixar de lado os “tais filmes sem algum teor de oficialidade”). Por mais que subamos o número de mínimas citações que seja numa película (quem sabe uma bola de futebol – tem de ser de futebol – abandonada num jardim, ou num terreno baldio, ou, ainda, boiando no mar) a cálculos de referências desesperados em favor do nosso cinema, volta-se a perceber (estatisticamente falando, que é um modo frio, impessoal, nada a ver com paixão – qualidade muito mais adequada ao tema) o quanto está relegado ao quase nada, e o quanto voltam a ser plausíveis as indignações causadas, o nosso esporte/vida, pelo nosso paparicado e respeitável cinema.
Muito mais justo lembrar que o Brasil é reconhecido, pelos de fora, por suas belezas naturais, pela música e pelo futebol. Pensando que as belezas naturais são dádivas que causam orgulho, mas que estão lá por que estão, afinal de contas, dá para sentir que os maiores motivos de orgulho pessoal brotam mesmo da nossa capacidade e qualidade como artistas musicais, e da nossa percepção, sensorialidade, ginga, agudeza e naturalidade futebolística. No caso da música, anda havendo uma sincera mobilização em favor do tempo perdido pelo cinema nos últimos tempos – se bem que ela sempre tenha sido muito mais bem observada e utilizada, bastando lembrar que um de nossos “tempos geológicos cinematográficos” recebeu a “denominação científica” de Chanchadas da Atlântida -, com uma pequena avalanche (perceptivelmente constante nos últimos anos) de documentários sobre músicos (mortos ou em atividade) e festivais: bom e justo para essa que é uma de nossas melhores facetas.
No caso do futebol até anda, também, ocorrendo um fenômeno semelhante, que pode ser significativo, mas que vem sustentado, principal (não unicamente) e fortemente como opção marqueteira de alguns grandes clubes de futebol: Corinthians já jogou dois filmes no mercado prometendo mais outros para completar uma saga; Grêmio e Internacional, em sua eterna e ríspida rivalidade, também não deixaram escapar fatos pessoais para fazer documentários épicos. Sem querer comparar estilo de vida, modo de pensar, jeito de encarar – e, agora, nesse exato instante, baseado nessa pequena miscelânea numérica que aprontei aí em cima -, ou, talvez, opção marqueteira, é triste pensar no modo carinhoso e respeitoso com que os ianques encaram a seus esportes (sim, lá soa três preferências nacionais), reproduzindo-os na indústria que mais os joga à observação mundial que é o cinema. Seria justo para nossa auto-estima utilizar o futebol de modo muito mais desavergonhado e amplo – nossa auto-estima, como nação, está fortemente ligada ao “nosso” desempenho dentro de campo. Somos musicais e esportista-bretões.
Ao menos, resta a esperança de essas ações de marketing dos clubes possa servir de incentivo a cineastas que reverenciam algum ídolo, ou a outros que percebam a importância desse esporte no nosso dia-a-dia: mais do que miséria edulcorada, mais do que dramas de famílias classe-média cariocas, mais do que quase qualquer coisa por aqui. Ao menos, resta também o consolo de ver que alguns dos poucos trabalhos relevantes que utilizaram os gramados em sua essência foram assinados por diretores importantes, e representam grandes filmes dentro de nossa história.
Como exemplo, cito: o classiquíssimo Garrincha, a Alegria do Povo (1962) de um importante Joaquim Pedro de Andrade; o interessante (principalmente por utilizar um dos maiores galãs da época, Edson Celulari) Asa Branca, Um Sonho Brasileiro (1980), na estreia de Djalma Limongi Batista; Boleiros – Era Uma Vez o Futebol (1996), filme de alma pra lá de futebolística dirigido pelo então inspirado Ugo Giorgetti; o significantemente político Pra Frente Brasil (1982), de Roberto Farias; O Rei Pelé (1963), do quase desconhecido, mas muito bom, Carlos Hugo Christesnsen, e Isto É Pelé (1974), de Eduardo Escorel e Luiz Carlos Barreto (aliás, vale a pena lembrar que curiosamente, ao menos, Pelé atuou em diversos filmes como ator); ou ainda A Falecida (1965), de Leon Hirszman, e Rio 40 Graus (1955), de Nelson Pereira dos Santos. Pra completar, cito, também, alguns curtas, como: Cartão Vermelho (1994), dessa, que anda bem na moda, Laís Bodanzky; Gaviões (1981) de André Klotzel; Barbosa (1988) dos gaúchos Ana Luiza Azevedo e Jorge Furtado; ou ainda, Perigo Negro (1993), de ninguém, menos que Rogério Sganzerla. A tempo: recentemente vi um grande trabalho que mescla tudo que o futebol representa para nós, com o modo como nos comportamos diante dele, que é o documentário, Esperando Telê (2009), de Rubens Rewald e Tales Ab’Sáber.
Vendo alguns desses grandes títulos que destaquei acima me passa novamente uma incerteza do quanto o cinema realmente está em falta com o nosso futebol – sensação que me assaltou por diversas vezes enquanto escrevia esse texto. Com calma, percebo que há grandes títulos, mas que deveríamos ser mais constantes, mais numerosos em trabalhos. Será que os nossos diretores – no dia-a-dia, no que configuraria a possibilidade da quantidade – ao pensar em falar do Brasil pensam no futebol como algo alienante e de importância menor? Mesmo sob o ditado “alertatório” e vociferador de que “ele é a coisa mais importante dentre as menos importantes”, seria injusto pensar em artistas, esses diretores, gente de alma maleável, dispensando-o de dentro de nosso âmago, não o percebendo como o elemento maior de nossa constituição como povo e raça.
*Cid Nader é jornalista e editor do site Cinequanon.