Máscara da Traição

Especial Futebol no Cinema Brasileiro

Máscara da Traição
Direção: Roberto Pires
Brasil, 1969.

Por Daniel Salomão Roque, especialmente para a Zingu!

É de Roberto Pires o longa-metragem inicial da cinematografia baiana: Redenção, 1959. Envolvido até o pescoço com o cinema local, faria a seguir duas obras-primas: A Grande Feira, em 1961, e Tocaia no Asfalto, em 1962. Filmes que colocavam uma linguagem essencialmente popular a serviço da investigação política/social, alinhando-se, de certa forma, ao nascente Cinema Novo – Glauber Rocha, por sinal, foi produtor executivo das duas películas; Pires, em contrapartida, exerceria a mesma função em Barravento.

Nesse contexto, Máscara da Traição (1969) surge, aparentemente, como um contraponto aos filmes anteriores do cineasta, um corpo estranho em sua filmografia. O discurso sociológico desaparece, ao mesmo tempo em que as tonalidades populares se acentuam: o autor deixa o flerte de lado e abraça, carinhosa e descaradamente, o popularesco, narrando em cores quentes uma aventura policial estrelada por Tarcísio Meira e Glória Menezes.

Máscara da Traição está muito mais próximo dos thrillers de Stanley Donen ou de certas fitas dirigidas por Gordon Douglas que, por exemplo, de Rio 40 Graus. A realidade, aqui, não é mais alvo de análises, algo a ser esmiuçado ou alegorizado: antes disso, ela é recriada; constitui não mais que a base de um universo paralelo existente apenas na ficção e que, em nossos impulsos escapistas, parece-nos estranhamente mais palpável que qualquer registro documental.

Estamos, portanto, diante de um pastiche, e essa característica, ao afastar a narrativa de Máscara da Traição daquelas tecidas nos filmes que o diretor rodou na Bahia, acaba por escancarar o que essas obras têm em comum: um evidente prazer no ato de se fazer cinema, uma habilidade instintiva e artesanal a se esconder por trás de cada tomada e, sobretudo, uma melancolia, uma indecisão, uma sensação de deslocamento a pairar em torno dos protagonistas.

César (Cláudio Marzo), o pintor frustrado de Máscara da Traição, não é muito diferente do mercenário interpretado por Agildo Ribeiro em Tocaia no Asfalto: tanto num caso como no outro, o desgosto profissional e as paixões afetivas orientam a ação dos personagens, insatisfeitos com sua condição presente e idealistas com relação a um futuro não muito promissor. Nenhuma das trajetórias termina bem; todavia, elas diferem em suas raízes: se o matador tem na pobreza, no desejo de vingança e nos temores religiosos seu combustível, o personagem de Cláudio Marzo é movido pela desvalorização de suas aptidões artísticas e por uma rotina de humilhações – forçado a trabalhar como contador no Maracanã, sofre com as chacotas diárias dos colegas e os arroubos autoritários do chefe (Tarcísio Meira), com cuja esposa (Glória Menezes) inicia um relacionamento amoroso e planeja um assalto mirabolante à bilheteria do estádio.

É um filme lúdico: se apenas um termo pudesse ser utilizado para defini-lo, este seria o mais adequado. Ciladas, identidades falsas, lances futebolísticos, encontros sexuais fortuitos, perseguições nas redondezas de Copacabana: da abertura, que resume em desenho animado a trama prestes a se desenrolar, ao final-surpresa, tudo em Máscara da Traição parece estar a serviço da imprevisibilidade, da velocidade, da reviravolta, de ostentar a narrativa em si mesma e assumir sem a menor vergonha seu caráter descartável e fantasioso. Uma obra menor? Talvez, mas não por isso menos encantadora.

*Daniel Salomão Roque é fanático por quadrinhos e cinema. Colaborou fixamente com a Zingu! por 15 edições, das quais 12 com a coluna Tesouro dos Quadrinhos.

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