Especial Futebol no Cinema Brasileiro
O Corintiano
Direção: Milton Amaral
Brasil, 1966.
Por Filipe Chamy
O Corintiano é um dos filmes mais famosos estrelados pelo célebre Amácio Mazzaropi. Apesar de os motivos para essa perenidade parecerem ser a simples inclinação do brasileiro a tudo que de uma maneira ou de outra diga respeito ao futebol, a graça do filme (não nos esqueçamos, é uma comédia) não se esgota apenas em seu interesse para os admiradores do esporte número um da nação tupiniquim. O corintiano é um filme que discute a obsessão de uma maneira tão singela que não parece ofensivo aos que de fato fazem do esporte uma religião (com altar e tudo), a exemplo do protagonista do filme, e nem parece mentiroso aos que não compactuam da paixão pela bola e relacionados.
A história, todos sabem, é a pacata vida de um barbeiro do interior (vivido pelo próprio Mazzaropi) que preza o Corinthians acima de tudo, mais até que sua família, seus filhos e sua esposa (interpretada afetuosamente por Lúcia Lambertini, a primeira Emília televisiva). A cotidiana vida desse cidadão tem temperos de desenho animado, ou talvez de uma história em quadrinhos, como os clássicos embates entre o Pato Donald e seu vizinho Silva — isso porque o barbeiro tem o azar de morar ao lado de um palmeirense fanático, pior dos crimes e pecados! A rixa sai do campo e é exteriorizada direta ou indiretamente em todos os campos de suas existências. Por exemplo, o palmeirense tem um filho que quer se profissionalizar como jogador de futebol, e o filho do barbeiro quer ser médico — Palmeiras 1 x 0 Corinthians —; mas o filho do palmeirense não quer saber de entrar para o Palmeiras, por ele qualquer time está ótimo, para enorme desgosto do pai — Palmeiras 1 X Corinthians 1. Outro exemplo: após uma conturbada partida entre os dois famosos clubes, o Corinthians perde — Palmeiras 2 x 1 Corinthians —, só que o esperto Mazzaropi compra todos os jornais do vilarejo para que a lembrança da derrota de seu time não seja divulgada ou perpetuada — Palmeiras 2 x 2 Corinthians.
Nessas pequenas disputas, os homens do pequeno município vão vivendo e convivendo. E entre os personagens as vidas se desenvolvem, plenas ou não, com tudo a que se tem direito: problemas, alegrias, conquistas, a necessidade de se conformar a tudo, um grito de revolta que só pode ser expressado pelo futebol, porque, na vida, o jogo dessas pessoas humildes está sempre perdido, nunca há prorrogação. Então não parece absurdo constatar como o barbeiro gerencia seu negócio com certa displicência — ele não cobra o corte de quem apresenta a carteira de membro ou sócio do Corinthians, por exemplo —, rejeita carinho dos filhos — pois eles querem seguir carreiras “erradas” —, ignora a mulher — que não entende seu apego ao clube paulista —, etc. Essa é a maneira de o sujeito esquecer os reveses de sua insignificante existência, pois nos gramados a sorte é lançada de acordo com a força dos times, e lá qualquer um pode sagrar-se vendedor, seja pobre, feio, analfabeto, ignorante ou o que seja. Só o futebol é justo, só lá é possível viver.
Por apresentar todas essas questões sem parecer ofensivo e nem sem perder o “espírito de porco” que caracteriza esse tipo de escracho na comédia, O corintiano resistiu ao tempo e ainda hoje, apesar do conservadorismo da direção de Milton Amaral, do som pobre e da precariedade da produção, continua fazendo rir com sua caricatura algo antropológica desse tipo tão comum no Brasil, que prefere acampar na frente do estádio para conseguir bons ingressos tão logo abram as bilheterias na final do campeonato do que fazer um programa em família (pois sua família são os colegas de arquibancada e sofrimento), esse homem que, assim como o barbeiro que Mazzaropi faz no filme, diria, ao ser incentivado a deixar seu filho estudar e virar doutor: “Melhor um pé na bola que uma cabeça na escola”.