Dossiê Francisco Ramalho Jr.
Besame Mucho
Direção: Francisco Ramalho Jr.
Brasil, 1986.
Por Gabriel Carneiro
Besame Mucho é possivelmente o melhor filme de Francisco Ramalho Jr. Nele, não há os personagens histéricos que tendem a permear boa parte da curta filmografia do diretor-produtor, mas as diferentes histórias da classe média continuam fazendo-se valer. Contado de trás para frente, Besame Mucho narra pouco mais de vinte anos da vida de dois casais amigos, Tuca e Dina, Xico e Olga. São personagens tentando se entender, tentando manter a paixão, sempre ciclicamente – são vidas que começam e terminam nos anos assuntados, inicialmente retornando de três em três anos, para passar de dois em dois.
Há uma beleza tremenda na simplicidade com que a história é contada e mostrada. O recurso temporal utilizado é um acerto: ao invés de buscar o prisma da causa e conseqüência para melhor entender o destino de cada um, opta-se por destrinchar o passado, para melhor entender os personagens. Funciona também no espectro de balanço histórico a que o filme se propõe. Aliás, tal balanço faz dele um típico filme dos anos 80, que, com o término do regime militar, começou a olhar para trás, para tempos e estéticas muitas vezes anteriores a ele, com mais bom humor. Eram tempos de esperança, tentando compreender o que havia ocorrido.
Francisco Ramalho Jr. já havia feito um filme político (Paula, a história de uma subversiva), e em Besame Mucho retoma a linha, mas com muito mais leveza. Seu filme olha para trás, e caminha para trás, mostrando os muitos contextos. A memória que Besame Mucho imprime serve bem aos escritores – o roteiro de Ramalho é baseado na peça de Mário Prata -, contemporânea a eles. Os anos 80 fecham um ciclo e mostram um arrefecimento para os dois casais. Os anos 70 são os anos políticos, especialmente para Xico e Olga, que lutam por um país livre, buscando o fim da ditadura. Os anos 60 são os anos do amadurecimento. Não há nostalgia no olhar de Ramalho para com esses últimos, quando tudo parecia bem. O que vemos, muito mais do que isso, é a ilusão de que eram realmente anos nostálgicos, são anos sem preocupações, quase como se fosse um sonho sendo realizado a cada momento. É quando vem o regime militar que o período anterior ganha o ar de nostalgia: o sonho fora destruído por uma realidade muito mais crua, especialmente quando a vida interiorana dá lugar à megalópole.
Uma das razões de o filme ser tão bem sucedido é não se prender a um partidarismo panfletário. A crença dos personagens parece pouco importar, o encanto está nas idiossincrasias. Em determinado momento, Olga vai à casa de Xico. Eles estão separados, e ele já é um promissor dramaturgo esquerdista, contra o regime dito opressor. Olga não. Ela vai falar com Xico para lhe dizer que está mudando para a França. Conhecera um rapaz, por quem se apaixonara, que precisava se exilar. Xico pergunta se eles já haviam transado. A resposta dela, positiva, deixa-o perturbado. Diz ele que ainda não conseguiu se livrar de todas as crenças de quando vivia na pequena cidade do interior paulista. A aparente contradição é que dá tanto gosto ao filme – ganha, assim, maior liberdade. Pouco importa o que vai acontecer no futuro, a graça está nesses momentos, quando passamos a melhor entender o outro – e, quem sabe, o mundo ao redor.
Estou sempre consultando a revista zingu.Ótimas matérias.