Por Edu Jancz
Ponteio, Domingo no Parque, Alegria Alegria, Roda Viva – músicas que marcaram uma geração – em Uma Noite em 67
Vi e vivi os Festivais da Record. Costumo dizer que eles têm, que eles devem ter o status de um “movimento” da MPB – Música Popular Brasileira.
O documentário Uma Noite em 67, de Renato Terra e Ricardo Calil, registra não apenas os últimos momentos do Terceiro Festival de Música da Record. Ele testemunha uma história de qualidade, realidade, alegria, participação popular e magia centrada num país a caminho de uma Ditadura violenta, estúpida e ultrajante – que se diplomou com a assinatura do Ato Institucional número 5, pelo general Arthur da Costa e Silva, em 13 de dezembro de 1968.
Embasado pelas imagens da TV Record – deliciosos documentos – Uma Noite em 67, começa com Edu Lobo e Marília Medalha cantando a música vencedora desse Festival: Ponteio, de Edu Lobo e Capinan:
Era um, era dois, era cem
Era o mundo chegando e ninguém
Que soubesse que eu sou violeiro
Que me desse o amor ou dinheiro…
Era um, era dois, era cem
Vieram pra me perguntar:
“Ô você, de onde vai
de onde vem?
Diga logo o que tem
Pra contar”…
Não era somente Edu Lobo que tinha algo para contar. Gilberto Gil, com Domingo no Parque, segundo lugar do Festival, provou que uma letra social podia ser simples e ter, ao mesmo tempo, um arranjo sofisticado:
O rei da brincadeira
Ê, José!
O rei da confusão
Ê, João!
Um trabalhava na feira
Ê, José!
Outro na construção
Ê, João!…
A semana passada
No fim da semana
João resolveu não brigar
No domingo de tarde
Saiu apressado
E não foi prá Ribeira jogar
Capoeira!
Não foi prá lá
Pra Ribeira, foi namorar…
O jovem Chico Buarque, num ato que parecia premonitório, não foi namorar e cantou os tempos difíceis e de resistência que o povo brasileiro precisaria viver para manter sua dignidadade. A música, Roda Viva:
Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu…
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino pra lá …
Caetano Veloso, desenhando os primeiros passos da Tropicália, retoma a bandeira da esperança e exalta seu mais límpido desejo de Alegria, Alegria:
Caminhando contra o vento
Sem lenço e sem documento
No sol de quase dezembro
Eu vou…
O sol se reparte em crimes
Espaçonaves, guerrilhas
Em cardinales bonitas
Eu vou…
Uma Noite em 67 é um documento exemplar. Nas imagens gravadas pela TV Record, você vai curtir o clima emocionado e participativo nesses Festivais. Como tempos difíceis se aproximavam, boa parte do público encontrou naquele auditório a sua tribuna livre. Torciam fervorosamente pelas músicas prediletas. Vaiavam músicas que “pareciam não pertinentes ao momento político-social”. Como a música Beto Bom de Bola, de Sérgio Ricardo, incidente que culminou com Sérgio “perdendo a cabeça”, aos gritos acusando o público: “Vocês venceram”, quebrando e arremessando o violão na platéia.
O que me emociona em Uma Noite em 67 é perceber o grau de intensidade com que o público ali presente queria se manifestar. Participar! Havia uma disputa mesclada de sinceridade e paixão – com todos os excessos da paixão. Uma efervescência no palco, entre os jurados, no auditório que tinha um grau de festa popular e liberdade de expressão. Que há muito não vejo.
Depoimentos atuais dos principais participantes desta Uma Noite em 67, Solano Ribeiro, Sergio Cabral (o pai), Zuza Homem de Mello, Sérgio Ricardo, Chico Buarque, Caetano Veloso, ampliam a nossa compreensão do que foi aquele momento e de como esses artistas entendem o legado para o século 21.