Na Garganta do Diabo

Dossiê de Aniversário: O Autor – Walter Hugo Khouri

 

Na Garganta do Diabo
Direção: Walter Hugo Khouri
Brasil, 1959. 

Por Alfredo Sternheim 

A minha aproximação com Na Garganta do Diabo deu-se primeiro em 1959, assistindo a algumas horas de filmagem nos estúdios da Vera Cruz. Tinha 17 anos e ver como eram feitos cada trecho, consolidou de vez a minha vontade de fazer cinema. No ano seguinte, ao ver o filme, fiquei maravilhado com a direção de Khouri. Já o admirava pelos seus dois longas anteriores, Estranho Encontro e Fronteiras do Inferno. E nesta história ambientada durante a guerra do Paraguai, quando quatro desertores se escondem na casa de um idoso e suas duas filhas, ele confirmou-se como mestre do intimismo. O cineasta não se preocupou em fazer algo com muita ação ou com o viés nacionalista sobre o histórico conflito. Em vez disso, influenciado pela literatura de D. H. Lawrence, empenhou-se em enfatizar os sentimentos interiores e represados da alma e do corpo. Principalmente da mais velha das moças (Odete Lara, fantástica) que até então, vivia confinada, sem oportunidades eróticas. 

Como sempre, Khouri usou a câmera de maneira inteligente, em função do que movia os perturbados personagens. Ele sabia adequar os ângulos às situações e aos intérpretes. E estes, bem conduzidos, se integravam às intenções do realizador, sempre coerente com a sua visão de mundo, não obstante as pressões da esquerda festiva na crítica da época que desqualificava o seu trabalho por não oferecer aquele quadro regional exacerbado e quase sempre falso de muitas criações do Cinema Novo. Voltado para frustrações e condutas algo alienadas do ser humano, o diretor não caiu na tentação de explorar em demasia e de forma turística, as cataratas do Iguaçu. Estas são usadas com parcimônia, como o contraponto da força da natureza atuando sobre os personagens.   

Com brilhante fotografia em preto e branco de mestre Rudolph Icsey, funcional cenografia de Pierino Massenzi e uma inspirada música de Gabriel Migliori, Na Garganta do Diabo é o meu filme preferido de Khouri. E motivou a convencê-lo me aceitar como segundo assistente e continuista em A Ilha, após convite feito durante uma palestra no cine clube do centro  Dom Vital. 

Na Garganta do Diabo tem a ausência da influência e do cerebralismo vindos da obra de Antonioni que se manifestaria a partir de Noite Vazia, onde também fui seu assistente. Por causa desse meu envolvimento, não tenho o distanciamento emocional que me faça apreciar entusiasticamente esse filme que muitos incluem entre os melhores de todos os tempos no cinema brasileiro. Mas fica aqui a minha admiração pela obra de Khouri e minha gratidão pelo aprendizado que tive nos dois longas. 

Alfredo Sternheim é cineasta e jornalista. Paixão na Praia, Anjo Loiro, Pureza Proibida, Mulher Desejada, Corpo Devasso, Violência na Carne e Brisas do Amor são alguns de seus filmes.