Por Filipe Chamy
A “indústria” dos filmes brasileiros
Em meados do ano passado eu comecei a escrever um pequeno romance, que terminei lá pelo finzinho de dezembro. Então começou a fase de releitura, revisão e “acabamento”. Após um tempo comecei a mandá-lo a editoras, sendo que até o momento desta coluna não havia recebido nenhum sinal verde.
Eis que cerca de um mês atrás uma conhecida me envia um edital para a publicação de obras inéditas em São Paulo. Não, não estou tergiversando. Essa introdução serve bem ao que vou falar.
O edital é muito complicado. Impõe várias condições e deixa o proponente ao deus-dará, só se preocupando em “ressarci-lo” das despesas, se elas estiverem devidamente orçamentadas dentro de normas específicas. Eu, sem contatos e experiência, estou passando maus momentos. E numa de minhas queixas, uma amiga me disse: “e você já viu como são os editais de cinema? Esses sim, infernais”. E ela tem toda a razão.
Arte no Brasil é um assunto de levantar os cabelos. Mercados fechados, falta de investimento, dificuldades várias no lidar com o público e com o retorno dos projetos financiados com dinheiro público, por exemplo. Os editais de cinema são misteriosíssimos, repletos de critérios inconvenientes e desabonadores.
Mas a bem da verdade, não é o único problema que se enfrenta no Brasil. Se você não tem um nome, a coisa é ciclicamente desesperadora. Não é incomum ver num filme brasileiro uma tela repleta de brasões e logomarcas com os patrocínios que fizeram o filme vir à luz. Mas já se parou para pensar no caminho até ali? Em quanto tempo e esforço foram gastos até essa fase? E a demora do processo?
Recentemente, os cinemas brasileiros exibiram Natimorto, filme baseado em livro de Lourenço Mutarelli, e, aliás, protagonizado por esse autor. Além do público errante e irrisório (e não que Natimorto seja um ótimo filme, não é o que discuto), a falta de apoios materiais para estabilizar o projeto fez com que o filme só fosse veiculado dois anos após sua feitura. Sim! Dois anos. Dois longos anos! E é um filme com o respeitado Mutarelli, a conhecida Simone Spoladore. E também já está saindo de cartaz.
Quantos mil projetos cinematográficos não são engavetados todos os dias? Quantos realizadores independentes ou neófitos têm sua chance negada pela obscuridade de sua recepção? Quantos filmes o Brasil não deixou de realizar por causa dessa estúpida máquina burocrática que condena um filme a ser exibido dois anos depois de sua produção?
O caso de Natimorto não é incomum. É corriqueiro filmes brasileiros chegarem ao mercado anos após sua finalização ou exibição em mostras e festivais. Não há apoio para o cinema brasileiro, a não ser que ele venha com o auxílio da Rede Globo e suas virulentas estratégias de marketing e divulgação. Ou há dúvidas do dedo dessa senhora por trás de sucessos “midiáticos” como Chico Xavier, Bruna Surfistinha e De pernas pro ar?
Reclamo muito, em várias críticas, de certas tendências do cinema brasileiro, em especial das pornochanchadas, que considero pavorosas em muitos aspectos. Mas será que o caminho não é esse? Filmes artesanais, de custo minúsculo, para muitos espectadores, sem dinheiro público, sem depender de editais ou da boa vontade das instituições que de nada servem ao cinema? Porque que país é este em que a arte já chega ao público com defasagem de anos?
Não é possível ou moral concordar com essa situação. Um cinema capengando na mão de burocratas, bancos e órgãos de cinema que não representam qualquer arte ou artista. É preciso que o Brasil acorde e vá fazer cinema. A sério. E pra valer.