O Pornógrafo

Especial Liana Duval

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O Pornógrafo
Direção: João Callegaro
Brasil, 1970.

Por Gabriel Carneiro

Único longa dirigido por João Callegaro, O Pornógrafo é um dos grandes filmes do chamado Cinema Marginal e da Boca do Lixo, aliando todos os elementos que o local proporcionou de melhor ao cinema: erotismo, mulheres bonitas nuas, deboche, comédia maliciosa, etc. É também um impressionante trabalho de construção de personagem a partir de referenciais metacinemáticos, como poucos souberam fazer no cinema brasileiro.

Miguel Metralha (um invejável Stênio Garcia) não é como um gangster norte-americano, mas é nele que se espelha, ao menos na sua postura de macho inabalável. E não é o gangster de fato, mas sim a imagem que os filmes passam deles – é o que Callegaro nos propõe imageticamente. Mas, Metralha, não passa de um jornalista fadado a uma vida de pobreza, mesmo que conserve a máscara de malandro: comedor, entendido de sexo e de mulheres, acima de todos, pronto para passar por cima de qualquer um e apenas curtir a vida. Ele é a encarnação do deboche marginal, que quer apenas avacalhar com o status quo. As revistinhas de sacanagem, à la Catecismos (de Carlos Zéfiro), são exemplo disso. Não aceita seu emprego de jornalista numa redação enfadonha, como outra qualquer. Quando lhe dão a dica, Metralha entra no escritório clandestino, onde as revistas são produzidas, pedindo um emprego e garantindo retorno financeiro. Não quer o emprego só pela relação com a putaria, mas por achar que aquilo precisa ser sacolejado e arejado, que coisas novas precisam entrar: mais sexo, mais mulheres, em diferentes formas de prazer.

Sua construção enquanto deboche rivaliza com a do bandido da luz vermelha, do filme de Sganzerla – se não for maior. Porque o deboche de Metralha não é verbal, é construído a partir de ações. O deboche, claro, também está presente na sujeira do filme, que Callegaro faz questão de preservar, deixando clara a presença da câmera quando possível. Exemplo disso é quando, na festa, a câmera acompanha Metralha à sala do chefe (feito pelo sempre ótimo Sérgio Hingst), toda cheia de serpentinas à frente da lente, que se movem junto com o maquinário.

Saber trabalhar com a sujeira é o principal trunfo do filme, usando a noção de estar fazendo um produto barato – boa parte dos cenários são as ruas da Boca do Lixo; o escritório das revistinhas era o do Galante, produtor do filme – para transformá-lo num produto artístico livre e multireferencial.

É também um filme que conversa muito com o mundo contemporâneo, ao retratar a hipocrisia do mundo. Esse aspecto é perfeitamente exemplificado pela personagem de Liana Duval, uma grã-fina, socialite, que apóia e dá proteção à editora. Para ela, aquilo é um verdadeiro serviço à humanidade, levar a pornografia a diferentes pessoas. Em determinado momento do filme, preocupado com as vendas, Metralha resolve tentar outra coisa: o mercado gay, então crescente. Ao invés de revistinhas, de revistas com mulheres nuas e mesmo filmes eróticos heteros, tudo é na base do homem com homem. Ao invés de mulheres nuas, homens nus. Quando apresenta a ideia à socialite, esta refuta na hora, dizendo que é um atentado à moral. Mesmo sabendo que o lucro alcançado é muito maior, ela alega que a sociedade precisa manter um mínimo de decência.