Entrevista: Luiz Elias – Parte 3

Dossiê Luiz Elias
Parte 3- Vigilante Rodoviário e os trabalhos com Khouri 

 

Por Matheus Trunk

 

Z- Como o senhor conheceu o Ary Fernandes? 

LE- Eu conheci o Ary na Maristela. Ele fazia produção e quando terminou a produtora, ele e o Palácios não tinham muito o que fazer. Eles começaram a fazer alguns comerciais e eu editava pra eles. Aí eles tiveram uma ideia que eu não sei se foi do Ary, do Palácios ou do Carlinhos (risos). Cada um diz que é sua. A ideia era de um seriado brasileiro chamado Vigilante Rodoviário. Nisso, foi feito um primeiro piloto que eu também acompanhei ajudando em alguma coisa. O Ary tinha uma certa experiência por ter trabalhado na Maristela. O Palácios conhecia de cinema também. Então foi feito o primeiro episódio. O Ary era muito dinâmico, pé de morto pra trabalhar… 

Z- Muito dedicado. 

LE- Muito dedicado à coisa. Ele sabia dirigir né? Mas era assim: ele estava dirigindo, o material vinha e eu ia montando. Sempre que faltava alguma coisa eu sempre pedia algo e no dia seguinte ele resolvia. Ele também teve um puta de um suporte que foi o “Carcaça”, Osvaldo de Oliveira. Puta crânio, conhecia cinema e tinha uma boa escola da Maristela. Então, ele estava bem calçado. É isso… não dava tempo de interferir em nada porque ele dirigia, o material vinha e eu montava. Depois, o material ia pra Vera Cruz e o pessoal dublava. Eu já escolhia os tapes, as músicas, os ruídos, montava, mixava, tirava a cópia e já via a cópia pronta. Ele, o Palácios, o Petraglia também acompanhavam tudo. Foi um trabalho bonito. 

Z- A ideia era fazer um seriado brasileiro. Quando começou o senhor pensou que fosse dar certo? Não ficou um pouco desconfiado? 

LE- A gente achava que não ia dar nada. Pensávamos: “É um piloto”, era mais um piloto. 

Z- Fez um sucesso gigante. 

LE- Muito, muito. Hoje está em DVD toda a série. Eu fiz umas cópias pra alguns amigos que moram no interior e muitos falam: “Nossa, eu não perdia um”. Isso o pessoal da minha idade mais ou menos, 60, 70 anos. Pena que depois invés dele insistir nisso, ele quis fazer o Águias de Fogo que é uma merda, muito ruim. 

Z- O senhor não gosta do Águias de Fogo? 

LE- Não. 

Z- O Vigilante foi feito sem estrutura? Vocês faziam quase tudo, certo? 

LE- A gente tinha um galpão na rua dos Lavapés, no Cambuci, e ali a gente fazia comida em latas de filme. Juntava dinheiro eu, o Osvaldo Leonel, o Ary mesmo, o Palácios, Carcaça. Todo mundo dava um dinheiro e a gente fazia macarronada. Fazia macarronada porque era mais barato, pegava molho pronto e era uma estrutura em que todo mundo fazia tudo. Eu montava, acompanhava a dublagem, fazia sonoplastia quando o sonoplasta não podia. Quando o José Moura não podia fazer contra-regra eu fazia. O Ary dirigia e fazia a produção, o Carlinhos fazia a produção, o Damiani que era motorista fazia tudo que precisava. Era uma equipe pequena, mas útil. 

Z- O pessoal se dedicava bastante? 

LE- Se dedicava muito. E tinha que se dedicar porque a televisão estava em cima. Era um episódio por semana e ás vezes demorava 10, 12 dias se você pegasse uma temporada de chuva. Ás vezes tinha que parar um filme e começar outro dentro daquele clima. Era pauleira. 

Z- Como era a relação do Ary com o Palácios? Era de bastante confiança? 

LE- Sim, porque eles sempre foram vizinhos. Os dois vinham da Maristela. Eu não participava desse lado muito. Eu conhecia os dois, me dava com os dois. Mas era de pura confiança. O Palácios fazia o roteiro e falava pro Ary: “Boa viagem”.  

Z- O senhor acha que o Ary, como profissional de cinema e TV no Brasil, deveria ser mais reconhecido? 

LE- Principalmente por esse trabalho. Deveria ser muito reconhecido. Ele foi um pioneiro e abriu um campo muito importante. 

Z- A TV brasileira não era nada, certo? 

LE- Não, não. Na época tinha um seriadinho chamado Chips que era de moto. Mas o Vigilante fez um puta sucesso. Teve uma grande repercussão. 

Z- É verdade que o senhor dormia ás vezes nos estúdios do Cambuci? 

LE- Dormia eu e o (eletricista) Osvaldo Leonel, conhecido pelo apelido de Mazza. O Osvaldo Leonel praticamente não tinha casa, ele dormia no estúdio lá. Eu saia de casa no Jaçanã na segunda-feira e voltava no domingo. Era direto né? Eu tinha duas e três assistentes que iam pra casa de tarde e voltavam no dia seguinte. Era pauleira. 

Z- O Ary acompanhava a montagem do seriado? 

LE- Não. Uma que não dava tempo porque ele tava filmando e o material vinha pra mim no dia seguinte. Nisso, eu já ia montando. Somente antes de mixar tudo eu passava o seriado pra ele, pro Palácios e pro Petraglia por uma questão formal de hierarquia. Mas muitas vezes era aquilo mesmo. Não dava tempo pra você falar: “Vamos remontar. Vamos refilmar”. Nem pensar. 

Z- E o cachorro? 

LE- Era muito bom o cachorro, o Lobo. Ele era muito treinado. O Ary também cuidava muito dele, levava ele pra casa. O dono dele se chamava Luiz… 

Z- Parece que ele tinha uns problemas com álcool. 

LE- Tinha (rindo). Ele era meio alcoólatra e o Ary era quem cuidava dele. Mas era um bicho muito inteligente. Basta você ver os episódios. É óbvio que tem montagem nisso. Mas muita coisa é o cachorro mesmo que faz. Depois, o Lobo ficou doente e eles botaram um dublê lá, mas o dublê não deu certo. 

Z- O senhor não trabalhou muito em longas-metragens com o Ary. Por quê isso? 

LE- Igual eu te falei: eu não frequentava a Boca do Lixo. Eles faziam os filmes aqui. Eu fiz O Jeca e o Bode com o Ary. 

Z- Com o Chico Fumaça… 

LE- Chico Fumaça. Fiz dois ou três longas do Vigilante, mas era só juntar cinco ou seis capítulos. Na época, eu trabalhava muito na Odil no Sumaré. Os longas que eu pegava, eu montava tudo lá. Eu não frequentava a Boca. 

Z- O pessoal de publicidade da época tinha muito preconceito contra a Boca? 

LE- Olha, inclusive eu. Eu tinha. Achava que vir pra cá, você estava se rebaixando um pouco porque era um cinema meio sujo, meio porco. Era só filme de sacanagem…um quarto, uma cama. 

Z- Só filme erótico. 

LE- Sacanagem mesmo. Um quarto, uma cama e filmava, punha duas, três mulheres. Alguns se salvavam, mas eu tinha preconceito realmente.

 Z- O senhor ainda acha isso? Pro senhor, a pornochanchada foi algo válido? 

LE- Hoje eu acho válido. Como os Estados Unidos teve a época do western, a gente teve aqui a época dos pornô, a época das chanchadas, dos cangaceiros. Acho que tudo é válido. Nessa época, teve muitos profissionais bons que trabalharam nesses filmes.

 Z- Como era pro senhor ver profissionais como o Carcaça ter que fazer este tipo de trabalho? Como era isso? 

LE- Na época, a gente podia achar isso um pouco frustrante. Igual eu te falei: eu realmente não frequentava aqui por causa disso. Eu pensava: “Não vou lá montar filme da Boca”. Eu já tinha montado O Pixote com o Babenco e tinha montado alguns filmes do Khouri. 

Z- Sobre o Ary, ele sempre foi um cara consagrado pelo trabalho no Vigilante. O senhor acredita que ele teve algum receio de fazer pornochanchada? Você acredita que ele fez por que estava precisando? 

LE- Eu acho que sim. Eu não sei o motivo que ele não era bem visto na Boca. Ele tinha um ar meio pedante. Pra mim, era uma simpatia e sempre nos demos muito bem. Mas ele tinha um ar de superioridade por ter feito O Vigilante. Talvez ele tenha evitado fazer pornô, mas chega uma época que o dinheiro fala mais alto. 

Z- Como o senhor iniciou essa parceria com o Khouri? 

LE- O Khouri acho que foi no Eu… 

Z- Mas antes o senhor trabalhou no Eros- O Deus do Amor. 

LE- Ah…foi o Eros o primeiro né? 

Z- Sim. Como o senhor conheceu o Khouri? 

LE- Acho que foi através do Aníbal. Eu já tinha feito alguma coisa pro Aníbal. Mas foi uma satisfação imensa trabalhar com o Khouri, uma pessoa que entende tudo, educado. Ele conhecia timming, direção, sonorização, sonoplastia, tudo de cinema. E sabia filmar muito bem. Ele me dava um material na mão, muito material… em excesso até. Mas era um material em que você podia se esbaldar e criar á vontade. Se você pensasse numa sequencia, você teria a cena pra responder por aquilo. 

Z- O Khouri tinha um jeito calmo, sossegado. O senhor chegou a acompanhar as filmagens dele? 

LE- Só na moviola mesmo. 

Z- O senhor não chegou a acompanhar como era a direção de atrizes dele? 

LE- Não, porque eu não acompanhava as filmagens. Sei que ele se apaixonava pelas atrizes (rindo), pelos closes. Tinha aquela… a Monique Lafond. 

Z- Kate Lyra. 

LE- Kate Lyra. Ele se apaixonava, então era a câmera no close e roda filme. 

Z- Ele conversava com o senhor sobre o enredo do filme? Ele chegava e falava: “Olha, o personagem Marcelo sou eu”. 

LE- Não, você deduzia. Mas ele nunca falou nisso. 

Z- O senhor chegou a ter uma aproximação pessoal do Dionísio, do Mojica. Com o Khouri isso não aconteceu? 

LE- Não, era mais profissional. Mas era uma relação muito amigável. Ele adorava levar um queijinho na montagem né? Era assim. Mas eu gostava dele porque a gente assistia junto dez rolos de material. Depois, ele ia embora e voltava depois de uma semana. Raramente ele pedia uma refração, ele costumava pedir muito alguns fotogramas a mais e algum close. “Aí, aí põe mais um negocinho assim que vai ficar bonito”. Ele pedia dez, você punha um e ele não via. 

Z- Foi o diretor que o senhor mais gostou de trabalhar? 

LE- Foi. Eu gostei muito do Babenco também, que era muito profissional, muito objetivo. Ele também não perturbava na edição, também tinha material. Você não precisava se preocupar em fazer lista pra filmagem porque você tinha material. Foi um dos bons diretores que eu trabalhei. 

Z- Como o senhor conheceu o Babenco? Na época, ele não tinha esse nome que ele tem hoje. 

LE- Não tinha. Ele tinha feito um filme meio musical com tango… 

Z- Com o Paulo José. 

LE- Esse foi o segundo filme. Eu conheci através do Enzo Barone, que eu montava comercial pra ele na Estados Unidos. Foi ele quem me apresentou pro Babenco, a gente acertou e eu conheci ele lá. 

Z- O senhor achou estranho um argentino fazendo cinema no Brasil? 

LE- É… eu tinha um pouco, não gostava muito disso. Mas pagava bem (risos). Não tanto pelo dinheiro, mas pela importância do filme em si. O clima do filme eu gostava muito. 

Z- Os atores mesmo são muito bons. A Marília Pêra está muito bem. 

LE- Sim. É um filme profissional, Marília Pêra é um show, o menininho também. Os meninos que fazem o Dito e a Lilica também são muito bem-dirigidos. E o Babenco tinha uma pessoa que fazia o laboratório com o pessoal. 

Z- É um trabalho que o senhor gosta, esse com o Babenco? 

LE- Gosto muito. 

Z- O senhor tem ideia por que montou somente um filme dele? 

LE- Depois cada um pega um rumo. De repente eu vou pra outro lugar. Na época, ele fez O Beijo da Mulher Aranha e eu cheguei a falar com o Ramalho. Eu estava fazendo algum filme do Khouri, mas depois ele continuou com o Mauro. Acho que foi uma boa escolha. 

Z- Por que As Feras demorou tanto tempo para ficar pronto? 

LE- O Aníbal como produtor nunca interferiu na montagem. As Feras eu montei na Espiral Filmes, onde eu trabalhava com comerciais. Aí a montagem estava pronta e um dia o Aníbal foi lá assistir. Ele meio com um espírito boquense, da Boca, queria que eu aumentasse uma cena de uma sequencia de sexo do Nuno com a Cláudia Liz. Eu botei dois, três segundos, mas era uma coisa que nem cheirava nem fedia. O Khouri me ligou no dia seguinte: “E aí o Aníbal assistiu o filme?”. “Ele gostou”, nisso o Khouri me perguntou se o Aníbal tinha mexido no filme. Eu ao invés de agüentar… mas como eu respeitava e gostava muito do Khouri falei: “A única coisa que ele pediu foi na sequencia de sexo aumentar um segundinho”. Ele me respondeu: “Não, ele não pode fazer isso. Ele não tem esse direito”. Bom, enfim virou o maior rebu, juiz e a coisa parou. Por causa disso. 

Z- Três segundos? 

LE- Três segundos. Uma coisa que podia passar perfeitamente e eu nem precisava ter falado. Mas com respeito… porque essas cenas de sexo o Khouri nem assistia. 

Z- Ele não gostava? 

LE- Não. Ele falava pra mim: “Isso você monta do jeito que você quer. Como você achar melhor. Eu sei que você vai evitar certas coisas”. Ele não tinha nem visto a sequencia que eu tinha montado. Eu só falei por uma questão de respeito e deu esse perereco todo. 

Z- A relação do Khouri e do Aníbal sempre foi próxima? 

LE- Acho que não. Deveria haver algum conflito porque o Aníbal não participava do filme, ele não ia lá assistir. Não sei se fazia parte do contrato só assistir no final. Acho que já devia ter alguma coisa pra acontecer esse tumulto todo por nada. Á partir daí cada um foi pra um lado. 

Z- O senhor ficou muito chateado quando soube da morte do Khouri? 

LE- Muito, muito. Porque depois ele fez outro longa… 

Z- Paixão Perdida. 

LE- Já na montagem desse último filme, ele estava um pouco cansado. Tinha hora que ele dormia do lado quando ele ia lá. 

Z- Estava diferente de antes. 

LE- Estava meio… me disseram que na montagem desse outro filme ele já não estava tão rigoroso quanto antes.

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