Entrevista: Luiz Elias – Parte 4

Dossiê Luiz Elias
Parte 4- Outros trabalhos e o futuro

Por Matheus Trunk 

 

Z- Existia uma concorrência entre o senhor e os outros montadores da época? 

LE- Era uma concorrência sadia. Cada um tinha praticamente os seus clientes. O Sylvio trabalhava muito na Boca, o Mauro montava os filmes do Babenco. Eu praticamente fiquei em comerciais e quando tinha um longa eu fazia esse bate-bola. Mas a gente nunca tinha contato, de reunião, estar junto. Cada um tinha o seu setor. 

Z- O senhor acredita que o Roberto Leme era um bom editor? 

LE- Ele trabalhou comigo um tempo. Eu não vi nenhum trabalho dele pra ser sincero. 

Z- O Marginal do Carlos Manga foi ele quem montou. 

LE- Eu não vi esse filme. Não posso opinar. 

Z- Desses da época qual o senhor acredita que eram os grandes montadores? 

LE- O Sylvio eram um dos grandes montadores. Lupe, Máximo, Glauco. Você assiste o São Paulo S.A. e percebe que a montagem do Glauco é excelente. 

Z- O Carlos Coimbra também montava bem? 

LE- Coimbra também, muito bem. Eu fui assistente dele, acho que no Lampião, o Rei do Cangaço. Ele participou do Pelé Eterno fazendo alguma coisa, dando sugestão de texto. 

Z- O Coimbra era uma profissional tranquilo? 

LE- Tranquilo. Mas era ágil na montagem, muito bom montador. 

Z- O Coimbra é uma pessoa que todo mundo fala bem. 

LE- Coimbra… uma simpatia. 

Z- O senhor conheceu o Ugo Giorgetti trabalhando em publicidade? 

LE- Exatamente. Conheci ele trabalhando em publicidade. Eu sempre gostei do jeito despojado dele. Gosto muito da linguagem dele, as figuras que ele trabalha nos filmes são bem fellinianos, tudo escrachado. Eu gosto muito. Fiz com ele o Quebrando a Cara, mas tem aquele negócio… quando ele fez os outros filmes eu estava trabalhando com outras pessoas. 

Z- Mas ele chamou o senhor? 

LE- Chamou. E eu acabei fazendo o trailer do Sábado, senão me engano. Mas ele também já acertou com um montador dele mesmo. 

Z- O senhor freqüentava o Soberano? Os bares da Boca? 

LE- Não. Eu vim uma vez pra tirar fotografia porque o Candeias me encheu o saco e ele queria fazer um documentário sobre a Boca. Então, ele precisava tirar uma fotografia minha na Boca. Vim uma vez para falar com o Civelli, outra falar com o Ary quando ele fez o Águias de Fogo. Raramente eu ia lá. Eu ia e voltava. 

Z- Vamos falar do Mulher Objeto. O senhor teve até um atrito com o diretor? 

LE- Foi numa cena em que a atriz principal… 

Z- A Helena Ramos. 

LE- A Helena Ramos estava um pouco deprimida lá e ela ia tomar comprimidos num copo de água. Numa seqüência ela pegou um comprimido e colocou na boca. Depois corta pra close e tem o close dela bebendo o outro comprimido. Eu não montei os closes. Nisso, o Sílvio me falou: “Tem o close dela bebendo”. Eu falei pra ele: “Mas isso é muito óbvio. Ela vai fazer uma ação você corta pra cá, vai fazer outra ação você corta pra lá”. Ele me respondeu: “Mas eu não dirijo o óbvio”, e eu falei: “Eu não monto óbvio”. Mas também foi uma relação muito legal, foi só isso. Mas ele era uma pessoa que me entregava material e vinha até depois assistir a seqüência. Também não tive problema nenhum. Foi um problema de ego da parte dele ou talvez da minha também. 

Z- O senhor fez dois filmes com o Dionísio Azevedo. Como foi trabalhar no Chão Bruto? 

LE- Nossa, foi muito bom, muito legal. O Dionísio foi uma pessoa que virou amigo da minha família e começou a freqüentar a minha casa. Chegou a ir em aniversário dos meus filhos. Uma pessoa que eu só guardo boas lembranças. 

Z- A Flora Geny, esposa dele, o senhor conheceu também? 

LE- A Flora também. O Chão Bruto aconteceu uma coisa gozada… gozada não, trágica. Eu tinha já montado todos os ruídos de tiroteio… cada tiro você tem que montar um ruído. Eu estava com o filme prontinho pra mixar. Eu tinha montado no Enzo Barone, que ficava na (rua) Treze de Maio. Eu montava comerciais e O Chão Bruto também nas horas vagas. Só que nisso chegou a época do Natal. Só que todo Natal eu ia pro Guarujá. Parava dia 20 e voltava lá pelo dia 10 de janeiro. Sei que eu recebi uma notícia que a firma tinha pegado fogo e destruído todo material, tudo. Morreu o guarda inclusive… só sobrou o cachorro que ele foi indo, indo e chegou no banheiro. Ali era uma estrutura toda de madeira, mesmo a minha sala tinha uma escadinha de madeira. Os andares da parte de cima também eram de madeira. Então não sobrou nada: as latas de filme, o copião, tudo. O laboratório teve de copiar tudo de novo, eu tive de montar o filme todo de novo. Mas trabalhar com o Dionísio foi um prazer imenso.

Z- Ele sentava na mesa de montagem com o senhor? 
 

LE- Não, ele não era muito de ficar ali não. Ele era mais ou menos igual ao Khouri e o Babenco. Chegava, assistia o material, a gente discutia e eles voltavam depois de uma semana. Eu detesto, não gosto de diretor do lado porque só atrapalha. Diretor igual eu te falei: se apaixona por determinada cena ou determinada atriz e ás vezes quer que você defenda aquilo. Mas você acha que pro filme como ritmo e ação pode ser cortado.

 Z- O senhor trabalhou com Antônio Meliande? 

LE- Não, fiz um filme na Boca com o Sílvio de Abreu. 

Z- Mas está aqui na lista do senhor: Os Indecentes do Antônio Meliande. O senhor se lembra de ter montado este filme? 

LE- Os Indecentes…não me lembro. Os Indecentes não é do Meliande, é do Clery Cunha, né? 

Z- Do Clery o senhor fez Os Desclassificados. Como foi trabalhar com ele? 

LE- O Clery coitado… ele também estava começando na época. Ele era da trupe do Mojica e acho que tinha feito pouca coisa, não entendia muito. Até há um ano, dois, eu encontrei com ele aqui e ele me agradeceu: “Valeu pelas listas que você dava pra eu refilmar”. Mas foi legal também. Nessa época eu já tinha um pouco mais de experiência de montagem, conhecia bem o ritmo e fazia uma lista de coisas pra refilmar. O Clery foi uma pessoa legal que deixava a montagem caminhar. 

Z- Do Dionísio, o senhor montou dois longas? 

LE- Isso. A Virgem e Chão Bruto. 

Z- O senhor acha que os técnicos no cinema brasileiro são pouco lembrados? 

LE- Eu acho que sim. Porque sempre estão fazendo livros, catálogos sobre diretores e montadores. Mas nunca sobre um assistente de câmera, fotógrafo, eletricista, contra-regra, os caras de som. Mas essas funções são importantes também né? É como um time de futebol, desde o roupeiro até o técnico todos têm o seu valor. 

Z- O senhor também montou o Pelé Eterno. Esse filme foi feito em digital e depois em película? 

LE- Sim. Depois de editado ele foi pra película. Esse filme foi feito tudo com material de arquivo. Pouquíssima coisa foi gravada com alguns depoentes como amigos, pessoas da família, ex-jogadores, amigos de infância. O resto foi tudo material de estoque e foi meio complicado. 

Z- Foi difícil de montar? 

LE- Foi. Uma coisa é você ter um jogo de futebol e muitas vezes você não consegue transmitir a emoção do jogo. Porque aquilo foi filmado daquela forma, alguns jogos antigos foram feitos por uma câmera de cordinha. Os caras filmavam um pouquinho e a câmera abaixava. Então, você não tem lances inteiros de uma jogada que vem até o gol pra criar um pouco de emoção. Então é complicado. Você tem que colocar um torcedor vibrando e participando de tudo. 

Z- O Aníbal é um cara tranquilo pra se trabalhar? 

LE- Tranquilo. Desde que você tenha o Pelé sempre na tela (risos). 

Z- Tem algum trabalho que o senhor gostou mais de ter trabalhado? 

LE- Do Khouri. Os com o Babenco, Mojica… dos primeiros O Vigilante. São filmes que deram prazer de fazer. Mesmo o Pelé, eu gosto dessas coisas complicadas. 

Z- O senhor trabalharia com cineastas mais novos? 

LE- Eu estou fazendo o Pelé Eterno há doze anos. Pretende pendurar a chuteira depois de terminar esse trabalho. 

Z- O senhor não pretende continuar na área de montagem depois? 

LE- Ah não, eu já estou de saco cheio disso. Estou nisso… porra, desde 55. São 55 anos. Chega. 

Z- É muito diferente montar na moviola ou no computador? 

LE- Muito, totalmente. O computador é dinâmico. Você não tem durex nas pernas, faz cortes e muda na hora. Você inverte e faz fusão, acelera, faz um speed. Na moviola é tudo imaginável, né? Fusão você faz um risco imaginando que a cena vai ser de uma maneira. Com o computador se não der certo você pode diminuir, aumentar. 

Z- Na moviola é mais difícil? 

LE- Muito mais complicado. Eu prefiro mil vezes o computador. Apesar dele ter tirado o emprego de muitos montadores. Eu tive o privilégio, porque logo me convidaram pra fazer um teste com esse equipamento novo e eu fui pegando a manha. Nessa parte eletrônica eu só conheço o básico. 

Z- O que o senhor acha do cinema brasileiro hoje? O que o senhor acha do Tropa de Elite? 

LE- O Tropa de Elite eu vi. Eu acho a linguagem do diretor excelente. Acho que a gente está chegando lá como sempre chegou. Só que muitas vezes a gente não tinha técnica. O nosso áudio sempre foi muito prejudicado no sistema de gravação de celulóide. Então, todo aquele som bonito que você tinha no magnético não correspondia no áudio. Você ia numa sala de cinema e tinha uma decepção. Hoje, nós temos digital, equipamentos de primeiro time. Temos bons filmes, bons diretores. Acredito que estamos bem encaminhamos. 

Z- Hoje o circuito do cinema está mais concentrado em shoppings. Isso incomoda o senhor? 

LE- Isso pra mim isso não tem problema. 

Z- O senhor via os filmes que montava? 

LE- Não. Em alguma estreia eu ia. Mas normalmente eu nunca acompanhei muito. O filme estava entregue certo? Então, ele podia receber a carteira de maior e sair pra vida. 

Z- O senhor tem alguma mágoa na profissão? Acha que devia ter mais reconhecimento pelo seu trabalho? 

LE- Não. Primeiro porque eu nunca fui de freqüentar panelinhas, dar entrevista também que eu não gosto. Não tenho mágoa nenhuma não. Sou feliz. 

Z- Pra gente fechar: o que o senhor acha que fica do senhor e dos outros montadores pra posteridade? 

LE- Acho que fica alguma coisa. Não sei… acho que plantei, criei alguns técnicos como o Robertinho, o Gilbertinho, Hélio Pedroso. Aquela assistente do Mojica (Nilcemar Leyart). Fica alguma coisa pra quem participou e acompanhou os meus filmes.

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