Por Alfredo Sternheim
Uma primeira resposta, talvez vaga, é dizer que cinema brasileiro é aquele que reflete a nossa nação, o nosso modo de ser. Só que, sob esse prisma, pode-se incluir alguns longas estrangeiros como o francês Orfeu do Carnaval e a recente animação americana Rio. O primeiro tem elenco, argumento, músicas e cenários nossos e o segundo, além da música e do cenário, um diretor nascido aqui. Executados financeiramente por empresas do exterior, esses filmes são exceções. Porém, não é necessário enxergar aspectos típicos do país, como o carnaval, as favelas ou a cidade maravilhosa para a brasilidade de um filme ser considerada legítima. Por exemplo, muitas das realizações de um Walter Hugo Khouri, que costumam oferecer questões existenciais existentes em todos os cantos do planeta, são genuinamente nacionais. Esse ponto de vista foi defendido com veemência pelo próprio cineasta em um debate nos anos de 1960 em São Paulo, logo após o lançamento de Cinco Vezes Favela. Naquela época de esquerda festiva, lá estavam Bernardet e outros apontando como alienados os cineastas que não se preocupassem ostensivamente com os elementos de nossa realidade. Caso, na visão deles, de Khouri por causa de sua obra, em especial de Noite Vazia.
Felizmente, hoje em dia são raras essas posturas radicais. Assim, mesmo gostando ou não, deve-se considerar como autênticas produções nacionais tanto aquelas encenações tediosas e pretensiosas de um Julio Bressane, por exemplo, como o movimentado Tropa de Elite, que tem a violência similar a dos produtos americanos, ou a encenação biográfica de Os Filhos de Francisco, as comédias maliciosas na linha de Cilada. Com., os dramas eróticos do porte de Bruna Surfistinha, e documentários de clima cosmopolita como Dzi Croquettes.
Independente disso, o cinema brasileiro é também, desde o seu início, uma sucessão de lutas para se impor. Há anos, alguém disse em um dos muitos congressos cinematográficos, que estamos de carona em nossa própria nação. Muita coisa foi feita para mudar esse quadro e a mais importante foi a lei da reserva de mercado. O modelo, iniciado em São Paulo, garante o espaço aos nossos filmes, não a presença do público. Este compareceu de forma maciça e constante nas comédias da Atlântida, em alguns filmes da Vera Cruz, nos longas com Mazzaropi, com os Trapalhões, com Xuxa, nas criações da Boca do Lixo e em outros longas. Mas, ultimamente, está ausente na maioria dos lançamentos. De quase cem ocorridos em 2011, menos de dez foram vistos por mais de um milhão de pessoas. Fracasso comercial não é vergonha individualmente, mas preocupa quando se torna freqüente. Principalmente nessa fase de tanto dinheiro para as produções (algumas com orçamentos imensos e incompatíveis com as respostas do mercado), dinheiro esse obtido pelo mecanismo burocrático das leis do mecenato oficial no Brasil. Justamente, em uma época que se tornou mais fácil filmar graças a evolução da tecnologia do digital que aposentou o negativo virgem.
É verdade que o diálogo com o público é outra questão, assim como a administração racional dos recursos disponíveis na criação e no marketing dos filmes. Porém, são alguns dos problemas que cercam o cinema brasileiro, uma grande paixão, uma arte-indústria que ainda está perdida em várias frentes para se consolidar de vez em nossa nação. A esperança que isso ocorra de forma definitiva anima os envolvidos (realizadores, técnicos, críticos, estudiosos, etc), e os espectadores que apreciam, sem preconceitos, o nosso cinema.
Alfredo Sternheim é cineasta e crítico de cinema. Entre os filmes que dirigiu estão Anjo Loiro, Pureza Proibida, Mulher Desejada, Corpo Devasso e Brisas do Amor.