Dossiê Júlio Calasso
O Longo Caminho da Morte
Direção: Julio Calasso Jr.
Brasil, 1971.
Por Gabriel Carneiro
Único longa de ficção para cinema dirigido por Julio Calasso Júnior, O Longo Caminho da Morte é costumeiramente associado ao chamado Cinema Marginal, muito por conta de seu experimentalismo narrativo e pela aproximação com o pessoal da marginalia. Curiosamente, ainda que o movimento tenha sido resgatado nos últimos anos e alçado ao status de cult, O Longo Caminho da Morte parece ter permanecido no limbo.
Dá para se entender, afinal. Calasso opta por falar de um período que ninguém se interessa em retratar no cinema brasileiro, ainda mais em tempos de irreverência e contracultura: a decadência da oligarquia rural paulista – e sem tanta irreverência, no sentido de buscar raízes na ironia, no deboche ou no excessivo. Fora que é um filme todo irregular, com momentos de muita força, e outros que acabam passando por batido. Mais: seu olhar para o rural não é para o marginalizado e sim para a nobreza, mostrada quase sem os reflexos no povo. Claro, é uma nobreza decadente, antiquada, que, aos poucos, é substituída pela indústria, pela urbe, etc., mas, ainda assim, são os afortunados.
Mas é talvez daí que resida a força da narrativa. O longa retrata gerações de Orestes, o coronel das terras, entre desesperos, lástimas, alucinações e devaneios, numa história um tanto intrincada. A questão é que Calasso opta por pintar essa oligarquia como fantasmas, pessoas que não estão lá (ou sequer estiveram), apenas passeiam pelos espaços cênicos, tal qual um A Invenção de Morel da decadência coronelista do sudeste brasileiro. Othon Bastos faz esse Orestes que nunca morre, ainda que apareça morto, velado e enterrado. É um personagem sempre a espreita, mas sem poder algum, como se fosse invisível. Sua tentativa de compra de votos, de subida ao poder, assim como as súplicas de suas três diferentes esposas (que alternam entre a libido e o moralismo religioso arquetípico), não é nem um pouco relevante nesse cenário em que as cidades grandes e as indústrias começam a aparecer. É como se a modernidade deixasse apenas fantasmas pra trás, justamente aqueles que se recusaram a se atualizarem.
A cena mais emblemática quanto a isso talvez seja o velório logo no início. Um longo plano panorâmico mostra pedaços de pessoas sentadas, vestidas de negro. Várias pessoas, todas pairando por ali, sem quase movimentos. Até que, após um tempo, vemos o morto. Ao fundo, o som de pá cavando a terra. Ali Calasso já parece instaurar sua quase tragédia: no velório, quem menos interessa é o morto, o fantasma, já que todos assumiram essa condição de almas penadas, provas vivas do antigo. Quem irão enterrar, mais do que o morto que não morre, é aquele passado – aquilo sim morreu, o resto é apenas assombração. Vale ainda destacar o uso da sonoplastia: o discurso sobre a morte sobrepondo imagens de um galpão escuro quase abandonado ganha tons de poesia, uma teatralidade fundamentada basicamente pela imagem do negro.