Dossiê Astolfo Araújo
Fora das Grades
Direção: Astolfo Araújo
Brasil, 1971.
Por Filipe Chamy
O cinema brasileiro, como qualquer arte que visa a expressar um povo, tem em boa parte da sua produção um nicho dedicado aos derrotados. Sejam os excluídos sociais das favelas, sejam os fracassados amorosos das pornochanchadas, temos vasta gama — sobretudo, talvez, no chamado “cinema popular” — de fracassados. Gente que deu errado, que não funcionou. Estamos aqui com mais uma figurinha desse álbum: Fora das grades é, como o título indica, uma história de prisão.
Na verdade, uma história pós-prisão. O que acontece quando a liberdade é restituída a alguém que por anos ficou encarcerado? A ideia de liberdade é sempre muito discutida por filósofos e pensadores, e aqui temos mais um exemplo do clássico: “a pior prisão é a da nossa cabeça”. No Brasil, após alguns anos todo mundo sai da cadeia. Mas o que isso significa? É possível esquecer ou apagar tudo que se passou entre as quatro grades?
Quase sempre teremos um quadro de fatalismo. No aspecto moral, o crime “viciou” o praticante e já não há mais remédio para ele: roubará, matará e estuprará novamente, pois é um fruto podre; no aspecto narrativo, o caráter noir se insinua por meio de um destino inescapável, a sociedade não dará mais chance ao marginal e ele só se degradará cada vez mais, até o inevitável, doloroso e amargo fim.
Não que Fora das grades não sofra desse “pacote fechado”, essa sina anterior à própria obra. Sofre, sim; mas é nisso que está o mote, acompanharmos a jornada do tal cidadão (saiu da prisão, virou cidadão) e nos indagarmos: “ele terá sucesso? O que ele fará? Voltará ao crime, por certo”.
Contrariar as expectativas do espectador ou ir ao encontro delas é a tarefa aqui de Astolfo Araújo. É um iter meio maçante, verificar o “acerto” ou o “erro”. No final a coisa vai dar problema, sabemos, afinal o drama pulsa com o sentido de uma maldição, seria hipócrita e deslocado trazer para as personagens uma felicidade forçada, pois não é o próprio filme que se nutre desse sentido de fatalidade?
Ainda que Astolfo Araújo pinte um pouco cenas de ação, num sentido que imediatamente relacionamos a violência urbana, Fora das grades é mais uma fita psicológica que policial. Por isso um anticlímax no arco final da história, o que não significaria nada caso os olhos do público não estivessem voltados a um falso sentido do superficial que abarcou como sendo a essência do relato. Isso nada diz sobre as intenções ou o resultado da película, mas é uma marca do distanciamento que marca um pouco a recepção aparentemente fria que ela recebeu.
Mas nisso o filme acaba ganhando força, pois ilustra metaforicamente o grande dilema de seu protagonista (feito por Luigi Picchi, espécie de Warren Oates tupiniquim): escapar das amarras é apenas o primeiro passo. E a aceitação?