O Príncipe

Dossiê Ewerton de Castro

 

O Príncipe
Direção: Ugo Giorgetti
Brasil, 2002.
 

Por Vlademir Lazo

 

O Príncipe é um título que automaticamente remete ao livro clássico de Maquiavel, porém o filme de Ugo Giorgetti poderia muito bem ser chamado de O Estrangeiro. O Príncipe é um filme de retorno. De retorno e memória. Um auto-exilado (Eduardo Tornaghi) que de regresso ao Brasil após mais de vinte anos se desloca por São Paulo e se sente estranho no próprio lugar de onde saiu para o mundo. Tem diversos encontros com personagens de sua juventude, porém mal reconhece a realidade que encara em oposição às suas lembranças do passado. 

Se alguns dos filmes anteriores mais famosos de Giorgetti (Festa, Sábado) ficaram conhecidos como comédias amargas em torno do desajuste de relações humanas e sociais, O Príncipe representou não uma virada completa, mas certa inversão no cinema do realizador: um filme amargo e desencantado com passagens cômicas. No fundo, o cinema dele não mudou, somente avançou em seu retrato de transformação do tempo. Giorgetti só quer filmar o século XXI em seu começo do ponto de vista dos representantes de sua geração, dos que se adaptaram e dos que ficaram para trás, mutilados pelos golpes da vida (o jornalista alcoólatra de cadeira de rodas encarnado por Otávio Augusto), ou o literato que renunciou a tudo para ajudar os pobres (Elias Andreato). Ou então o sobrinho professor (Ricardo Blat) tomado louco que propõe que a História do país deve ser reescrita e reinventada. 

O protagonista, Gustavo (Tornaghi) permanece quase sempre como um fantasma, uma presença rarefeita. Giorgetti mal o desenvolve, parecendo tê-lo concebido, sobretudo, como ponto de partida para a criação dos demais personagens com que vai entrando em contato, alguns dos quais bem melhor esboçados. Certas figuras propiciam atuações bem performáticas de seus intérpretes, como os citados jornalista e professor, ou o “escroque cultural” (como é chamado por outro personagem) Marino Esteves (Ewerton de Castro), que coloca Gustavo a par de muitas das mudanças de um país que intelectualmente viu seus suplementos de cultura substituídos pelas colunas sociais. O Príncipe concebe um comentário ácido pela boca do personagem de Ewerton de Castro das transformações dos espaços e veículos culturais e da própria cultura em si como um nicho comercial a ser largamente explorado hoje em dia, proporcionando e rendendo grandes valores econômicos tendo como fim somente amalhear capital. Não é um discurso crítico e provocador do personagem ou do próprio Giorgetti, somente algumas observações sobre como cultura e erudição costumam ser tratadas atualmente na “renascença” (como o personagem de Ewerton define) cultural que a era da informação em massa e mega-espaços proporcionam. 

Um dos problemas de O Príncipe é que muitas das questões levantadas são feitas mais pela boca dos personagens do que propriamente aplicadas na narrativa sem que os personagens vivenciem de fato situações que nos fizessem ver as tais questões. O filme adquire também uma estrutura quase episódica, com o reencontro do protagonista com cada amigo representando um segmento diferente (raramente os amigos antigos de Gustavo são vistos juntos, como a sugerir que cada um seguiu um rumo separado dos demais). Depois de um certo tempo, a motivação de Gustavo parece ser reencontrar a mulher que amou e deixou de lado para seguir à Europa, mas também ela teve sua trajetória fatalmente reconstruída pelo tempo: de belas pernas socialistas e poeta frustrada, passou pelo esoterismo para depois se tornar uma arrivista de um grupo multinacional (Bruna Lombardi). Ao final, nos fica claro que o protagonista voltara tão somente para testemunhar um funeral em torno das idéias de seu tempo, do projeto de uma geração que mudou, da constatação de um fracasso total e necessidade de adaptação aos novos tempos. Nesse sentido, o grande personagem depois de Gustavo é o de seu sobrinho internado, cuja presença permanece estranhamente incômoda durante todo o filme. Sem ele e sem a mulher por quem fora apaixonado, não resta a Gustavo outro sentimento se não o de que já não pertence mais ao tempo e nem ao lugar para onde regressa.