O Jeca e a Freira

Dossiê Ewerton de Castro

O Jeca e a Freira
Direção: Amácio Mazzaropi
Brasil, 1968.
 

Por Daniel Salomão Roque
 

Há algo de mágico no trabalho de Mazzaropi, um encanto que não se explica em termos racionais e que transcende algumas das críticas mais recorrentes à sua obra – muitas delas razoavelmente pertinentes, diga-se de passagem. É verdade que seus filmes são repetitivos e muitas vezes dirigidos com evidente desleixo, mas nada disso parece nos incomodar diante da assombrosa espontaneidade de sua presença nas telas. Mazzaropi nunca foi aquilo que se costuma chamar de “grande ator”, mas suas inquestionáveis limitações jamais constituíram empecilho para que ele se imortalizasse como o arquétipo do caipira ingênuo e representasse tal papel com uma verossimilhança de fazer inveja aos seus colegas mais prestigiados. 

O termo “representação”, aliás, nos soa de certa forma inadequado, pois a impressão que se tem é a de que Mazzaropi simplesmente se deixava filmar da maneira como de fato era na intimidade, e talvez seja essa a força motriz de seu cinema – um cinema que, por detrás de uma aparência tosca, mambembe e descartável, esconde um monstruoso potencial criativo, perceptível no teor peculiar e atemporal de suas fitas. 

Aqui, tais atributos se cristalizam na figura de Sigismundo, agricultor submetido a uma rotina de misérias e privado do convívio com sua caçula Celeste, tomada ainda pequena pelo Coronel Pedro e por ele criada como filha. Jamais tendo cumprido com a promessa de devolvê-la aos pais e tampouco revelado a ela suas verdadeiras origens, o Coronel passa a ter seus planos dificultados quando a garota retorna do colégio interno na companhia de uma freira, que se sensibiliza com o sofrimento do Jeca e se esforça para reconstituir sua família, contando, para tanto, com a preciosa ajuda de Cláudio (Ewerton de Castro), jovem pertencente a uma família rica e abertamente apaixonado por Celeste. 

O Jeca e a Freira se passa em meados do século XIX, mas, exceto pelas roupas dos fazendeiros e a presença de escravos africanos, poderia muito bem transcorrer em 1950, em 1968 ou 2011: Mazzaropi é Mazzaropi em qualquer época, embora seja uma personalidade impensável em qualquer outro lugar que não o Brasil.