Entrevista: Ewerton de Castro – Parte 3

Dossiê Ewerton de Castro
Parte 3: Anos 80 – cinema cada vez menos

DSC045961

Por Gabriel Carneiro
Fotos: Adriana Câmara e Pedro Ribaneto

Zingu! – Nos anos 80, teve a explosão do cinema de sexo explícito no Brasil inteiro e o seu número de papéis no cinema diminuiu, quase se extinguiu. Como foi para você? Você encarou bem? 

EC – Dei adeus à coisa justamente em Os Rapazes da Difícil Vida Fácil, em que havia dito que não faria mais cena nenhuma e no final tive de fazer, o que me deixou bem chateado. Fiz mesmo porque o cara falou: “Pelo amor de Deus, pelas minhas filhas”. Daí fiz. Mas é chato, né? Porque já tinha me programado para isso. Já tinha dito: “Não, não e acabou”. Mas é que sempre a gente pensa que o cara vai ficar mal. Enfim. Mas a partir daí não fiz mais nenhuma pornochanchada.

Z – Foi prejudicial para você em termos de trabalho?

EC – É. Faz-se menos cinema, mas pelo menos não se cai nessas armadilhas, o que é bom.

DSC046341-225x300Z – Nos anos 80, vocês fez alguns filmes, sendo os de maior repercussão Patriamada, da Tizuka Yamazaki, que tem toda uma questão política, das Diretas Já, e o Kuarup, uma megaprodução do Ruy Guerra, que você fala que teve muitos problemas na filmagem. Você pode falar um pouco dessas duas produções?

EC – Me queixo muito no Patriamada de não ter tido um aprofundamento de pesquisa em relação aos personagens. Foi tudo muito sem ensaio. Tá ok, tá bom, a gente está acostumado com isso. Mas tratava-se de um filme político, que falava de coisas importantes. Ninguém nunca sentou para dizer: “Olha, estou querendo isso, eu estou querendo aquilo”. Essa é uma coisa de que me queixo muito no cinema nacional: a improvisação. Nesse filme me senti muito perdido.

Z – Isso porque a Tizuka não te dava direcionamento ou era algo que já vinha do roteiro?

EC – A Tizuka não dava direcionamento nenhum. A gente foi rodando. É claro que para Débora [Bloch], pro Walmor [Chagas], deve ter havido um direcionamento. Fazia o filho do Walmor. Acho que foi tudo muito jogado. Quanto ao Kuarup, ficamos uma semana fazendo laboratórios no Xingu por conta de uma grua alemã que não chegava. Aproveitamos o tempo para discutir o roteiro inteiro, chegamos a conclusões fantásticas, foi realmente muito proveitoso. Quando começou a filmagem, o Ruy esqueceu essa semana, como se não tivesse havido. Só que, na discussão, os atores chegaram a conclusões também e, na hora de filmar, essa conclusão não era levada em conta. Estranhei muito também o fato de o Ruy ser mais de estética do que de conteúdo. Ele montava os planos-seqüências esteticamente: o que seria bonito em termos de movimentação dos atores, etc., e depois ele ia ver o que os atores tinham para falar, o que a cena tinha em termos de conteúdo. Acho isso um erro fundamental. Porque você tem que sempre partir do conteúdo, não da estética. Ele começou um filme com mais de 3 horas. Quando estávamos no meio da filmagem, chegou a ele a ordem de que queriam o filme com no máximo 2h30. Mas tirar de onde, se era tudo plano sequência? E mais: chegou lá a Cláudia Raia e ele enlouqueceu, com razão. A Cláudia é maravilhosa. Colocou a Cláudia nua naquele rio e enlouqueceu. Filmou ela de todos os ângulos, até do ponto de vista do peixe. Foram muito problemas, a partir da concepção. Imagina, se meu filmezinho já estava todo planejado, o dele já deveria estar milimetricamente planejado, mas as coisas foram tirando ele do caminho.

Z – Você fez mais alguns poucos filmes depois, com mais destaque para O Príncipe, do Ugo Giorgetti.

EC – Adorei trabalhar com o Ugo, super tranqüilo. O mundo estava caindo e ele estava zen. Passa uma paz, uma segurança, muito bom trabalhar comDSC04618-225x300 ele. Infelizmente, meu grande momento do filme não foi possível de fazer. Eu descia, falando, de uma escada, e a câmera me acompanhava. Mas teve que dividir a cena em vários planos. O personagem é uma crápula. Maravilhoso. O esquema de produção era o mesmo do passado, mas o Ugo tem uma presença incrível e se impõe no set. O roteiro de O Príncipe é fantástico: o olhar estrangeiro sobre nossa cidade hoje. Esse espanto é impressionante. Lendo o roteiro já sei como é a personagem. Ele não precisou dizer muito mais. É claro que conversamos, mas mais para saber se estávamos afinados.

Z – Em 2003, além de O Príncipe, você fez Maria, a Mãe do filho de Deus.

EC – Que é outro esquema. Parece televisão, é gozado (risos). Planos-sequências, vídeo, cenário. Mas gostei, achei bem feito. A fotografia é linda, e é vídeo. A celulóide está com seus dias contados.

Z – Você tem algum outro projeto pra cinema? Tem vontade de fazer mais coisas na área?

EC – Não, por enquanto. Mas, sabe, estou quase pendurando as chuteiras. Tô meio desgostoso, meio desesperançado. Essa coisa de ficar sem trabalhar… sou contratado da Record, mas não é sempre que atuo. Teatro está cada vez mais difícil de fazer. As pessoas fazem uma peça pra poder jantar no fim do espetáculo, é triste. Teatro sem grande produção está fadado a público reduzidíssimo. Estou tentando construir um futuro na Flórida, onde minha filha e netas moram. Vamos ver.

Parte 2 / Início