A Noite do Desejo

Dossiê Ewerton de Castro

 

A Noite do Desejo
Direção: Fauzi Mansur
Brasil, 1973.
 

Por Sérgio Andrade 

O histórico de A Noite do Desejo é tão acidentado que daria um outro filme. Inicialmente interditado pela censura, sofreu tantos cortes para ser liberado que o diretor se viu obrigado a criar uma trama paralela à principal. Lançado no final de 1973, ficou três semanas em cartaz até ser novamente interditado, só voltando a ser exibido em agosto de 1981, com o afrouxamento da censura. 

A falta de concessões, o relato duro da realidade do proletariado e das profissionais da noite deve ter ardido demais nos olhos dos censores. 

Toninho (Ney Latorraca) e Giba (Roberto Bolant) são amigos na periferia e trabalham na mesma empresa. Depois de mais de um mês sem comerem ninguém, fazem hora extra no sábado de manhã para juntarem o dinheiro ao mirrado salário afim de tirarem o atraso com alguma puta barata da Boca do Lixo, à noite. 

Na trama paralela criada por Fauzi Mansur, acompanhamos Pedrinho (Ewerton de Castro), rapaz vindo da cidade de Laranjeiras à procura de sua ex-noiva Selma (Selma Egrei), na mesma Boca. A ligação entre as duas histórias se dá numa cena em que os dois amigos encontram a garota num bar e acertam um programa, mas quando ela levanta para chamar uma amiga e eles percebem a barriga de grávida, dão um jeito de cair fora. 

Durante essa noite, Toninho e Giba farão todo possível para satisfazerem seus desejos carnais, enquanto Pedrinho tentará realizar seu desejo mais casto de levar Selma de volta com ele. 

Depois de muito percorrerem os inferninhos da Boca, muitas vezes sendo expulsos por não consumirem nada, os amigos encontram duas garotas dispostas a ficarem com eles, Marcela (Marlene França) e Ivete (Betina Viany), mas levarão horas para conseguirem um hotel, até encontrar um de quinta categoria, de quartos sujos e roupas de cama encardidas. 

Nesse ambiente degradante, os quatro, mais do que sexo, encontrarão motivos para por pra fora seus ressentimentos, recalques, revoltas e decepções, num embate verbal dos mais agressivos, sem rebuços, virulento. 

Pedrinho, por outro lado, terá que enfrentar o cafetão da amada (Pedro Stepanenko), antes que ela decida que rumo tomará na vida. 

A essas duas histórias somam-se mais duas: a do gay (Francisco Curcio) que se interessa por Giba e passa a segui-lo, e da polícia que persegue um ladrão (Caçador Guerreiro), todas convertendo para o gran finale no hotel. 

Dito assim tudo pode parecer caótico demais, confuso, mas surpreendentemente não é o que acontece já que a montagem (a cargo de Inácio Araújo) consegue unir todas as pontas de modo bem claro e relacionando uma trama com a outra (como no caso dos dois violentos enfrentamentos do final). 

Aliás, como observou muito bem o colega de redação Vlademir Lazo em sua crítica na edição dedicada ao Inácio, um dos fatores que tornam o resultado final desse filme tão interessante é a união entre nomes vindos do Cinema Marginal (o citado Inácio, Jairo Ferreira na seleção musical, Ozualdo Candeias na fotografia) com outros da própria Boca (roteiro do Fauzi com Luiz Castellini, outra parte da fotografia de Antonio Meliande). 

Além disso, Fauzi reuniu um elenco soberbo, com todos muito bem em seus papéis – além dos já citados temos também Carlos Bucka (como o seboso porteiro do hotel), Gracinda Fernandes, Walter Portella, José Julio Spiewack e Ary Fernandes. 

Ewerton de Castro, como o ingênuo Pedrinho, na maior parte do tempo só precisa parecer apaixonado por Selma, tendo sua tarefa bastante facilitada por sua colega de cena. Mesmo o maior dos canastrões não teria dificuldade de demonstrar paixão diante da beleza assombrosa de Selma Egrei. 

Muitos comparam A Noite do Desejo com Noite Vazia, do Walter Hugo Khouri, porém talvez se pareça mais com um filme inglês dos anos 60, durante o Free Cinema, dirigido por Karel Reisz, Saturday Night and Sunday Morning (no Brasil, Tudo Começou no Sábado), mas não sabemos se Fauzi o assistiu. 

Seja como for, está mais do que na hora deste filme, que passou por tantos problemas, ser reconhecido como um dos melhores já realizados por aqui.