Dossiê Jair Correia
Parada 88 – O Limite de Alerta
Direção: José de Anchieta
Montagem: Jair Correia
Brasil, 1977.
Por Gabriel Carneiro
Único filme dirigido por José de Anchieta, assumindo-se despudoradamente como ficção científica – coisa tão rara por aqui -, Parada 88 – O Limite de Alerta conta a história de um futuro não muito distante, em que, por conta de vazamentos tóxicos, algumas cidades são enclausuradas numa espécie de cidade-bolha. É o caso de Parada 88. Ninguém pode atravessar seus limites e a vida se torna cada vez pior por conta disso, já que a população aumenta, mas não o trabalho – além disso, o preço do ar cresce. Cientistas trabalham para superar isso. Dias antes de uma suposta solução do problema e fim da estufa humana, um grupo militar avança para o local.
No elenco, Regina Duarte, já queridinha da TV, também no cargo de produtora, Joel Barcellos, Yara Amaral, Cleyde Yáconis, entre outros. Roberto Santos é produtor associado. Chico Botelho é diretor de fotografia e Jair Correia é montador, ambos nomes importantes do cinema paulista dos anos 80, em começo de carreira. Curioso ainda notar o nome de Cristina Amaral como assistente de montagem, ela que se tornaria uma das mais importantes profissionais da área.
Usando muitos clichês do gênero e prejudicado pela falta de tradição nele, Parada 88 sofre com uma falta de atmosfera sufocante e aflitiva, assim como de um maior encadeamento narrativo. A vertente a que se conecta tampouco ajuda. Anchieta busca uma ficção científica verista, com tom quase documental, buscando justamente o alerta a problemas recorrentes dentro da questão ambiental – caso da energia nuclear, por exemplo, mas sem nunca explicitar. O problema é pensar que basta a premissa, deixando o filme não só sem ação, mas com representações cotidianas estapafúrdias, sem se definir quanto à linha que se deve seguir – se é um filme sobre clausura e repressão, se é sobre os malefícios ambientais, etc.
Pensando politicamente, Parada 88 talvez ganhe uma sobrevida ao gênero e justifique interesse ainda hoje. Realizado em 1977, em tempos de começo de abertura política no Regime Militar, o filme é muito forte em mostrar uma interpretação da realidade brasileira, mostrando que ficção científica talvez seja sim o gênero que melhor representa o mundo contemporâneo. Os cidadãos de Parada 88 não vêem a hora de saírem da clausura, de estarem novamente livres para circular, tentar novos ares e novas possibilidades. Dias antes de conseguirem isso, uma tropa militar adentra a cidade, acabando com qualquer manifestação a favor da abertura, invade casas em que o ar não foi pago e ainda estupra suas moradoras, etc. Há ainda o sujeito que, para conseguir cotas de ar, aceita o desafio de ir até a cidade principal descobrir se de fato a abertura vai acontecer – só que, pra isso, ele precisa atravessar a bolha que envolve Parada 88. Tal personagem acaba funcionando quase como uma mistura entre refugiado e exilado, incorporando através da mecânica todos os malefícios da situação. Com seu pulmão queimado, ganha uma prótese mecânica que o transforma numa bestialidade destruída por dentro. Como metáfora de um Brasil ditatorial, Parada 88 consegue ainda um respiro hoje, por mais destrambelhado que seja. O gênero nunca se concretizou no país. Talvez o fracasso comercial de Parada 88, o dito primeiro filme a se assumir como ficção científica, tenha ajudado. É de se entender.