Entrevista: Toni Cardi – Parte 2

Dossiê Toni Cardi
Parte 2- Os trabalhos na Boca do Lixo

Toni Cardi em Cena de A Noiva da Noite (1973)

  

Z- Depois do primeiro trabalho com o Mazza, o seu segundo longa foi com o Mojica? 

TC- Sim, foi com o Zé do Caixão. A ideia original era uma trilogia cujo nosso capítulo se chamava O Fabricante de Bonecas. O elenco era eu, Rosalvo Caçador, Mário Lima e o Luiz Sérgio Person. Esse, um outro grande cara. Depois, eu fiz Panca de Valente com ele também. O Person foi um grande amigo e eu senti muito quando ele morreu. Morreu cedo… 

Z- Como surgiu essa oportunidade de você trabalhar com o Mojica? 

TC- Foi na Boca. O próprio Mojica me chamou um dia, ele estava com o Mário Lima, inclusive. A gente foi tomar um café no bar Soberano, onde só dava artista. Lá misturava tudo: era puta, cafetão, artista de cinema, o caralho. Era um grande fuzuê (risos). Ele e o Mário Lima num canto com um grupinho, quatro ou cinco. O Mário me chamou de lado: “Toni, o Mojica vai fazer um longa e está querendo você”. Nós conversamos e eu me interessei pelo trabalho. Eles me passaram o roteiro e o Mojica me falou: “Aparece amanhã na sinagoga. A gente conversa e quem sabe a gente se acerta”. Era porque os estúdios do Mojica eram numa sinagoga que ficava no Brás. Foi uma experiência boa até. 

Z- Era um papel pequeno. 

TC- Sim. Num filme de uma hora e meia, cada episódio tem trinta minutos. Eu, Rosalvo Caçador, Mário Lima e Person estávamos em uma boate. Encontrávamos umas meninas, aí vamos para a casa delas. Quando entra no quarto, no bem bom um velho mata os quatro. Aí depois tira os olhos… também outro troço sacrificante você ficar quatro horas cego ali. 

Z- Essa cena foi difícil de ser feita? 

TC- Sim. Eles colocaram na gente uma maquiagem fudida. Foram quatro horas e meia de maquiagem pra trabalhar. Você fica praticamente cego. Mas foi uma experiência muito boa. O Mojica é muito doidão, é tudo na doidice, né? Mas valeu, valeu. É bom… você tem que conhecer de tudo. 

Z- Depois, você só voltou a trabalhar com ele no A Virgem e o Machão. 

TC- A Virgem e o Machão? Acho que foi direção dele. 

Z- Foi uma produção do Cervantes. 

TC- Augusto Cervantes. Fiz mesmo. Foi mais uma participação especial pequena. Eu contracenava com aquela Nadir Fernandes. Linda, não sei onde ela anda. Não vi mais ela. Tenho até fotos dela comigo. Ela fazia uma Maria Sorvete, não é isso? (risos). 

Z- Isso. Um negócio assim. 

TC- Eu sou o único galã que não leva sorvete pra ela. Dou uma de bom, aquela coisa toda (risos). 

Z- Você conheceu o Person fazendo esse filme do Mojica? 

TC- Não, eu conheci o Person na Boca. Isso foi logo depois que ele fez São Paulo SA. Admirei o trabalho dele, tanto que eu fui ver o filme dele no cinema. Nos tornamos amigos e coincidiu da gente fazer esse trabalho. Nessa época, o Person já estava com o roteiro pronto do Panca de Valente. Ele chegou em mim: “Poxa Toni, você topa fazer esse filme comigo em Itu? Você monta bem em cavalo?”. Nós fomos pra Itu fazer essa fita. 

Z- Foi um trabalho legal? 

TC- Sim. Uma pena que esse trabalho não tenha dado dinheiro. 

Z- Parece que ele perdeu uma grana com esse filme. 

TC- Sim, isso aconteceu. Aquela história: cinema é ilusão, cinema é fogo. O Person sempre teve esse lado artístico e profissional muito forte. Naquele momento, a ideia dele era fazer essa chanchada. Inclusive, o Átila Iório está nesta película, trabalhamos juntos no Panca. Era uma turma grande nesse filme. 

Z- Nesse filme, inclusive, o senhor trabalhou com o Tony Vieira? 

TC- Ele faz um mocinho, senão me engano. É um papel pequeno, mas ele fez. Acho que ele era o amigo da mocinha. Ele, o Tuca que trabalhou no Vigilante Rodoviário com o Carlos Miranda. Eu e o Tony Vieira trabalhamos juntos em muitos filmes. 

Z- Como foi a relação de vocês? Tinha algum atrito por usarem o mesmo nome? 

TC- Nunca. Pelo contrário, éramos grandes amigos. Eu, ele e o Gaiotti formamos um trio que eu vou te contar (risos). Era um trio que eu vou te contar. Nossa, eu trabalhei muito com o Tony, conheci muito a Claudete, que foi companheirona dele. Eu trabalhei muito com ele, chegamos a escrever coisas juntos pra tentar fazer algo melhor juntos. Nós dois éramos como dois irmãos. O Gaiotti também estava nessa. Ele e o Gaiotti eram como unha e carne. 

Z- O Índio também estava nessa? 

TC- O Índio sempre ficava meio de fora. Estava sempre por ali, fazendo as ondas dele. Mas ficava um pouco fora. 

Z- Mas você conheceu o Tony Vieira nesse filme? 

TC- Não, muito antes. Ele trabalhou no Mazza… 

Z- E na TV Excelsior também. 

TC- Sim. Inclusive, ele foi apresentador de luta livre na Excelsior. Ele me apresentou como lutador nessa emissora. Na realidade, era o Bolinha quem fazia esse programa. Mas depois saiu o Bolinha e o Tony assumiu essa função. Eu fiz luta livre durante um ano e meio na televisão. Primeiro o nosso programa era na Record, depois pegou fogo na emissora. Nisso, nós fomos para a Excelsior… depois voltei para a Record. Parei e depois voltou. 

Z- Não sabia disso… 

TC- A turma em começo de carreira meu faz tudo. Você chuta bola, bate escanteio e corre pra cabecear. Faz tudo. 

Z- Muita gente acha que a luta livre dessa época era combinado. Era mesmo? 

TC- Não. Era uma luta artística né? Você usa o que sabe, o outro também. Mas nada de querer machucar ninguém, querer degolar o outro. É mostrar o que pode fazer e o que é possível fazer. Você mostra a arte. 

Z- É o telecatch. 

TC- Isso. O chamado telecatch, né? 

Z- Então, o senhor lutou contra o Ted Boy Marino, Índio Paraguaio… 

TC- Lutei contra o Ted, Índio Paraguaio, Tigre Paraguaio, Índio Saltense, Bombeleio, Hércules, Silva, Espanholito. Mas eu conheci essa raça toda. Nós viajamos juntos. A Broto Cubano… eu e a Broto Cubano saímos fazendo luta livre por esse Brasil afora. O Tonico e Tinoco apresentava a gente no sábado, porque eles faziam o show nesse dia. A gente lutava no domingo e depois ia embora. Nós nos apresentamos também com o circo Irmãos Almeida. Viajamos esse Brasil inteiro, poxa eu já fiz cada coisa. Era loucura total (risos). 

Z- O senhor deve ter muitas histórias dessa época do telecatch 

TC- Bom, muita coisa (risos). 

Z- E os caras às vezes queriam desafiar vocês? 

TC- Não. Ás vezes, a gente mesmo lançava o desafio. A gente falava: “Tem algum lutador desta cidade que queira”, porque eu não era marmeleiro. Eu era judoca poxa, entendeu? Era faixa preta, tinha os meus recursos. Conhecia bem a arte marcial. Mas a Broto Cubano era uma menina muito linda e era discípula da Olga Zumbano, que foi uma das maiores lutadoras do Brasil. 

Z- Sim, tia do Eder Jofre. 

TC- Exatamente. Tia do Eder. Ela foi uma das maiores lutadores do Brasil. Essa Broto Cubano era muito linda e lutava muito. Então, a gente formou um pessoal do telecatch que viajava junto promovendo lutas pelo interior. Era eu, o Escorpião, e tinha também um espanholzinho que viajava com a gente. Quando a Broto subia no palco, ela desafiava o pessoal na cidade para fazer uma luta. Só que depois ela subia nos caras e falava: “Olha meu, vamos maneirar. É arte. Ninguém vai matar ninguém”. Isso é um caso em que aconteceu um troço inusitado. Levantou um puta de um alemãozão e falou: “Eu quero lutar contra a moça”. Ele subiu no palco e o cara era dono de uma academia, muito forte. A luta foi marcada para o domingo. Na véspera, no hotel ela falou comigo: “Toni, eu acho que vou complicar com esse cara. Eu vou dar uma de doente e você encara ele, porque eu não vou. Ele é muito forte, dono de academia”. Eu aceitei, iria assumir a parada. Quando era dez horas da manhã, o cara ligou no hotel. Queria conversar com a Broto, combinar a luta. Ele era dono de academia, mas não lutava. Nós fomos na academia dele, fizemos um treinozinho e marcamos uma luta dela com o cara. Sabe? São uns troços gozados que acontecem na vida da gente que marcam. 

Z- O senhor lutou telecatch durante quanto tempo? 

TC- O programa durou muitos anos. Eu fiquei um ano e meio ligado a esse segmento. 

Z- Lutador ganhava muito? 

TC- Olha, eu me lembro que na época a gente ganhava 80 mil cruzeiros, cada luta. Uma porcaria. Mais a janta, luta, passagem, viagem. Mas não era aquele negócio. Mas para o ator que está começando e está duro num meio de semana, não tem o que fazer. Normalmente, as lutas eram numa quinta ou no sábado. Então, eu ia e fazia duas lutas. Lutava em São Paulo, pegava, por exemplo, Vila das Mercês, bairros assim. Montava o palco em portas de igreja, sindicato. 

Z- Fazia muito sucesso? 

TC- Lotava. Hoje, eu não sei como essa área está. Mas na Argentina, Paraguai, Uruguai dá público como trinta anos atrás. 

Z- Eu não sabia dessa faceta do senhor. 

TC- Eu fiz muita coisa nessa vida. Foram dezoito anos de academia cara. Só que dentro do cinema eu tava duro. Entre um filme e outro não tinha o que fazer. Então, eu vendia bebida na rua ou ia lutar telecatch, que dava um cachêzinho bom (rindo). A gente vivia e pagava as contas assim. 

Z- Qual foi o seu primeiro trabalho com o Ary Fernandes? 

TC- Com o Ary Fernandes… se eu não me engano foi o Águias de Fogo. O Águias Em Patrulha foi feito depois, uns dois anos depois. Também trabalhei num dos filmes do Mazza que ele dirigiu chamado Uma Pistola Para Djeca

Z- Muito tempo depois você trabalhou nessa refilmagem do Vigilante com o Antônio Fonzar. 

TC- Sim. Isso foi no Vigilante, realizado em 1978, que foi lançado somente agora, em dezembro de 2010. Isso só feito por causa dos filhos do Ary, a Vânia e o Fernando, que conseguiram lançar o filme. Até outro dia falei com ela, que eles querem refilmar qualquer coisa do Vigilante outra vez. Estão estudando. 

Z- Com o Ary, você teve uma vivência grande? 

TC- Poxa, foi uma grande história porque ele foi outro irmão meu. Ele era o homem dos cachorros, ele adorava cachorros. O Ary é um cara que eu senti a morte dele. Um grande irmão, um cara muito bacana. Tanto que mantenho a amizade com os filhos dele até hoje. 

Z- Ele é uma pessoa muito querida e uma personalidade muito importante na história da televisão brasileira. 

TC- Com certeza. Principalmente pelos dois seriados que ele fez: o Vigilante e o Águias de Fogo, que eu participei como ator. 

Z- Fala um pouco sobre o Águias, que era um seriado bastante audacioso.  

TC- Olha, aquela produção tinha de tudo. Tinham os pilotos da Força Aérea que davam cobertura pra nós. Os personagens principais eram o Dirceu Conte, que é irmão do Hélio Souto, o próprio Ary Fernandes, Roberto Bolant e um outro rapaz chamado Lima. A gente filmava em Cumbica, tinha uma parceria forte com a Força Aérea Brasileira. Então, a gente usava os aviões, né? E muitos pilotos assessoravam a gente. Muitas filmagens eram feitas no mato afora. Muita história foi feita ali. Eu gostei muito de trabalhar com o Ary. Esse seriado também tinha tudo pra estourar. Infelizmente, isso não aconteceu. A Força Aérea Brasileira tem muita história pra contar. 

Z- Qual era o seu papel na série? 

TC- Eu era um contrabandista. Outro bandido, porque os mocinhos eram os quatro, né? 

Z- Você fez vários episódios? 

TC- Fiz uns três episódios. Mas sempre como bandido. Um foi sobre tráfico de ouro, outro sobre roubo de carro, e o último sobre contrabando de jóias. Tinha muita luta. Porque o Ary sabia que eu lutava muito, então, ele sempre me usava quando precisava de alguém neste tipo de coisa. Eu fiz outro filme com ele chamado Até o Último Mercenário, com direção do Ary Fernandes e do Penna Filho. Esse trabalho foi feito com o próprio Carlos Miranda fazendo o principal. No elenco feminino, trabalhou a Marlene França e a Elaine Cristina. Eram duas atrizes maravilhosas e a gente teve uma convivência muito bacana. Quem ensaiava as lutas do filme era eu, todas as lutas. O Ary adorava trabalhar junto com os atores. O Fonzar era um cagão em cena que nunca deu soco, nunca tomou um soco, nunca viu uma academia, um tatame. No meu livro tem uma passagem que eu conto que o cara deu uma canseira na gente pra fazer uma cena. Ele deveria tomar uma cabeçada minha e cair. Botou colchão, depois não caia em cima de colchão. Tinha medo de cair. Um cara que dava trabalho mesmo, sabe? 

Z- Ele não era ator, certo? 

TC- Ele era modelo. Na época, ele tinha sido eleito o homem mais bonito no (programa) Sílvio Santos. Nós fizemos esse filme lá em Atibaia. Só que quem dava autógrafo era eu e não ele. Coincidentemente, eu era o bandido e ele era o mocinho. Mas quem dava autógrafo era eu (risos). O Ary morria de rir com isso: “Pô, mais que galã que eu fui arrumar! O bandido que dá autógrafo e o galã não”. Porque o Carlos Miranda, o povão tem um fascínio por ele até hoje. Onde o Carlinhos aparecer as pessoas querem conhecê-lo. O Fonzar não conseguiu transmitir isso, sabe? Então, nasceu ali e morreu ali a carreira dele. 

Z- Você também fez televisão e teatro. Mas o que você mais gostava era cinema? 

TC- O meu forte é cinema. Quando você está fazendo um longa, você tem mais liberdade. Então, você anda a cavalo, você briga, pula de cima da casa. Se você pula no lago, você pode brigar dentro do lago. Televisão é tudo condicionado e o teatro é só em cima do palco. Você não sai dali. Mas no teatro você interpreta e é a maior escola de interpretação. Mas liberdade pra você trabalhar gostoso mesmo e se abrir é cinema, não tem como. Você trabalha aberto no campo de filmagem. Por exemplo, o ator pega uma fazenda e fica ali 40, 50 dias numa fazenda, você deita e rola. 

Z- Era uma época diferente, em que a produção cinematográfica era grande, diferente de hoje. 

TC- Bem diferente. Tanto que o cinema está meio morto, né? Tem uma garotada como você fazendo academia, um filminho aqui, outro filminho ali. Mas a produção como seqüência não tem mais. Porque o cinema é indústria, pô. Acabou, não tem mais. 

Z- O senhor freqüenta cinema hoje aqui no interior? 

TC- Não. Os cinemas viraram tudo igreja evangélica. Todas as salas de cinema no interior viraram igrejas evangélicas. 

Z- Ou estacionamento. 

TC- Ou estacionamento (rindo). É uma desgraça, cara. 

Z- Alguns viraram cinemas pornôs. Mas acredito que muitos poucos. 

TC- Alguns. Mas hoje muito pouco. Cinema pornô também… depois que entrou a internet. A pornografia os caras vêem no computador. 

Z- Esses cinemas de shopping, o senhor freqüenta? 

TC- Muito difícil. Eu estive há pouco tempo num shopping em Presidente Prudente, porque eu tenho casa lá. Eu assisti um filme sobre um barbeiro, uma comédia maravilhosa que eu não me lembro o título. Não vou mais e não dá tempo também. Eu viajo muito. 

Z- Quando você era mais novo, você via mais? 

TC- Sim, era mais barato e valia a pena. Tinha muito… era diversificado. Você tinha bastante opção. Eu chegava a assistir dois, três filmes num dia. Saia de uma sala e corria pra ir pra outra. Eu era fanático por cinema. 

Z- Você fez um grande filme aqui: Meu Nome É Tonho, com o Candeias. 

TC- Ah, Ozualdo (Candeias), outro grande nome. Esse eu tiro o chapéu. Cara, o Candeias era amigo diuturno nosso. Ele vivia de sandália havaiana o dia inteiro ali no (bar) Soberano, pra cima e pra baixo. Ficava contando história, trocando figurinha o dia todo. Um dia, ele chegou e falou desse filme: “Toni, quero que você venha fazer um personagem comigo. Nós vamos lá para Vargem Grande do Sul”. Respondi pra ele: “Candeias, com você até o inferno” (risos). Isso pela amizade, inclusive. Inclusive. ele pagou pouco pra burro, uma produção pobre que era do Augusto Cervantes. Ali estava o Valter Portela, aquela turma toda. O Candeias falou pra mim: “Eu quero que você faça um gaúcho”. Fiz um gaúcho nesse filme, ficou uma beleza. Tinham acabado de fazer Um Certo Capitão Rodrigo com o Chico de Franco. Era pra eu fazer esse filme, mas nós não combinamos no cachê. O Anselmo dava muito disso… pelo amor de Deus. Sabe você assinar um contrato por X e receber Y? Eu falei: “Não, não vou entrar nessa”. O Anselmo me garantindo: “Olha, o Francisco di Franco vai”. Ele me apresentou pra muita gente falando: “Esse aqui é o meu capitão Rodrigo. Esse aqui é o meu capitão Rodrigo”. Isso durou mais de um mês. Mas na hora do bem bom, não combinamos. E o Chico foi pelo negócio que ele tinha oferecido, sabe? 

Z- Ele aceitava isso?  

TC- O Chico ia mesmo. Ele não estava nem aí. Ele queria aparecer e não ligava muito pra dinheiro. Tanto que acabou na merda, né? O Chico acabou na merda, infelizmente. É o tal negócio: trabalhar de graça é uma merda. Eu acabei não fazendo Um Certo Capitão Rodrigo. Nessa época, veio o Jorge Karan fazer o gaúcho cigano no Meu Nome É Tonho, como personagem principal. Nós fizemos o filme inteirinho debaixo de chuva, cara. Ganhou prêmio de fotografia, um longa em preto e branco filmado debaixo de chuva. Esse trabalho ganhou vários prêmios, passou em vários países europeus e teve repercussão. Aqui no Brasil não fez sucesso. É uma merda, né? (risos), um filme feito debaixo de chuva inteirinho. Uma verdadeira loucura. 

Z- Dos filmes faroeste que você fez, esse foi um dos melhores. 

TC- Olha, na realidade, faroeste que eu fiz mesmo foi Pedro Canhoto. Depois, tem um com a Lenita Perroy, chamava-se Noiva da Noite, que era meio bangue-bangue. Era um misto de aventura com bangue-bangue, eu gostei muito de ter participado desse filme. Aliás, o Rodrigo (Pereira) acredita que essa foi a melhor interpretação minha. Acontece que ele não viu o A Última Bala, do Luigi Picchi, que pra mim é o melhor. Foi o que eu mais gostei. Quem fez foi eu e o Chico de Franco, nós éramos dois irmãos no filme. Eram os dois papéis principais. Tanto que no meio ele morre, eu assumo e fico sozinho. Depois lá no finalzinho, ele volta porque ele não tinha morrido. Ele morreu só de mentirinha. Esse pra mim foi o melhor. 

Z- Foi o trabalho que você mais gostou de fazer? 

TC- Foi um dos que eu mais gostei. Muito bom, muito bom. No Noiva da Noite eu fui, inclusive, indicado pela crítica da Boca maldita como ator revelação. Eu fiz um covarde com essa minha cara, com esse meu tipo de machão. Tanto que a Lenita Perroy, a diretora, ela não aceitava que eu fizesse o covarde, que se chamava Galante. Quem me chamou pra esse longa foi o (Valter) Portela, que dirigia a produção. Ele me falou: “Olha, tem uma diretora assim, assim. Ela vai fazer um filme e a gente precisava de uns caras bons que montem cavalo, que lutem e briguem bem”. Ela me chamou para conhecê-la. Ela era faixa preta de caratê, a mulher maluca, maluca de tudo. Maluca de tudo (risos). “Então Toni, eu sei que você é faixa preta e briga bem”. Na realidade, a Lenita queria me dar um personagem mais doidão. Eu falei: “Não, você tem o script? Deixa eu dar uma lida?”. Eu topei e sentei na mesa ao lado dela. Fiquei analisando o roteiro e falei: “Olha, eu quero fazer esse covarde aqui”. Ela achou que eu estava brincando: “Com essa cara você quer fazer o covarde?”; “Mas é esse que eu quero fazer”, afirmei. Ela respondeu: “Mas Toni, pelo amor de Deus. A sua fama é de briguento, de machão. Todos os personagens que você faz são machões. Você vai fazer um covarde?”. Falei: “Minha querida,se você pegar um homem baixinho, magrinho, raquítico, automaticamente ele vai se acovardar diante de algumas situações. É o contrário de um personagem com o meu físico. Todo mundo vai me ver como machão e vai estourar, bater. Eu quero fazer um covarde pra te mostrar que eu sou um ator. É o inverso da coisa”. Então, ela me falou: “Estou com medo”. Mas eu fui firme e garanti que só faria aquele filme se eu fizesse o covarde. Ela ainda perguntou se eu botava fé e respondi que sim porque eu era profissional Nisso, nós começamos e foi indo. Depois, ela me falou: “Toni você foi o melhor cara nesse longa”.  Aí tem um monte de história. Um monte de coisas que aconteceram. Mas a própria crítica falou e o Rodrigo (Pereira) comenta que esse filme é a minha melhor interpretação. Realmente, eu gostei muito de fazer esse trabalho. 

Z- Como foi trabalhar com a Rossana Ghessa? 

TC- A Rossana é uma grande profissional. A experiência foi muito boa. Só que ela tinha um namorado, um dentista que não largava o pé dela nem matando (risos). O cara tinha um ciúme! (risos). Estou com ela no Orkut e fiquei sabendo que ela está no Rio com uma produtora. 

Z- Voltando um pouco, eu tinha te perguntado sobre aquele filme do Candeias. Foi uma produção difícil? 

TC- Difícil, difícil. Na realidade, foi uma produção pobre. Tanto que esse trabalho foi realizando em preto e branco, quando a maioria dos filmes já eram lançados em colorido. Se eu não me engano, isso foi em 68, 69. 

Z- Foi o seu quinto filme. Você estava começando. O Candeias já tinha um nome na Boca? 

TC- Opa, ele já tinha feito A Margem. Já tinha estourado com esse filme. Eu assisti umas quatro vezes A Margem. Me lembro que o Bentinho deu um show de interpretação nesse filme com aquela rosa na mão. Então, eu respeitava o Candeias demais. Por isso eu falei pra ele: “Eu vou com você onde você quiser”. Foi uma produção pobre, dura, complicada. 

Z- Você percebia que ele conhecia aquele gênero do faroeste? 

TC- O Candeias era um camarada extrovertido. Ele ia de A a Z. Tanto que eu falei numa entrevista que se dessem chance, dessem dinheiro nas mãos do Candeias, ele ia estourar. Porque ele tinha cabeça, sabia, entendia e sabia fazer. Ele ia buscar lá no inferno e dava o recado dele. Isso era o importante dele. Então, ele podia fazer um bangue-bangue, um drama, uma comédia. O Candeias fazia de tudo e ele gostava muito de mexer com o submundo. Ele buscava lá no fundo realmente. Eu gostava muito dele porque ele era uma pessoa versátil. 

Z- Como era a direção de atores dele? Porque diziam que ele era meio grosso ás vezes. 

TC- Grossão, duro. Ele era o seguinte: o Candeias te dava uma ordem. Então, por exemplo: “Eu quero você mancando com a perna esquerda e que você caia. Mas eu quero uma cara de choro”. Só que ele não sabia transmitir isso. Ele dava as palavras, mas sem transmitir. Como diretor, ele não dava muita chance pra ensaio. O Candeias não tinha muito tempo porque as fitas dele não tinham dinheiro. Sempre as produções dele foram pobres. Então, era um ensaio e na segunda o filme era rodado. Muitas vezes ele pegava pesado com os caras. Tinha gente que se cagava em trabalhar com ele. Montar cavalo então: “Vamos lá. Todo mundo no cavalo, pô”. Eu logo ficava pronto esperando o resto do pessoal. Tinha uns caras que tinha que botar banquinho, encostar num canto no barranco. Sabe aqueles camaradas que são cavaleiros somente porque estão montados? Com a mão na cela e pá. Tem muito disso, né? Então, eu levava vantagem nisso. Então, esses caras que montavam mal ou que tinham medo do cavalo, meu irmão, ele cagava em cima desses caras. Ele dava um esporro filha da puta. Então, esses caras não gostavam muito dele (risos). 

Z- Mas o seu relacionamento com ele foi tranqüilo? 

TC- Ótimo, ótimo. Tanto que eu trouxe ele uma vez aqui em Laranjal Paulista, porque a gente ia rodar um filme aqui. A gente ia rodar numa fazenda centenária onde nós tomamos o melhor café da nossa vida. A dona da fazenda tinha mandado um menino de onze anos passar um café pra gente. Ele foi lá, torrou, moeu, fez e trouxe na mesa pra nós. Foi o café mais gostoso que eu tomei na minha vida até hoje. O Candeias ficou doido. Então, a amizade nossa foi muito grande. A gente viajou por esse Brasil, procurando, fazendo coisas, foi bacana. Ficávamos horas e horas naquela Boca batendo papo. A gente ia junto pro Largo do Arouche, onde eu morava na época. Ficávamos horas conversando. Ele tinha muita coisa pra falar, muita coisa pra fazer e tinha muita vontade de fazer cinema, sabe? 

Z- Ele tinha muita paixão por cinema? 

TC- Ele era apaixonado por cinema. E eu era outro. Então, nós dois combinávamos muito. 

Z- Porque dinheiro ele nunca ganhou com cinema… 

TC- Dinheiro ele nunca ganhou. Sempre fudido. 

Z- Ele sempre andava meio esculachado? 

TC- Esculachadão. Não usava paletó, nunca usava uma gravata, sapato então… Ele foi em um coquetel de lançamento de filme de sandália havaiana cara (risos). Se não me engano, isso foi no Cine Olido. Ele ainda me falou: “Que merda. Ninguém vai olhar o meu pé”. Ele era foda. Mas um puta de um camarada bacana. Tinha uma luz do cacete. Um cara bom. Eu conheci uns caras bons na época. 

Z- Por quê vocês não fizeram mais filmes juntos? 

TC- Foi falta de oportunidades. Na época, eu estava em outras produções. Ele não ia parar e ficar me esperando. Nunca nos filmes dele teve um personagem escrito para mim. Ele ia fazer um bangue-bangue com o Nelson Teixeira Mendes, um filme de caubói no estilo spaghetti. Eu ia trabalhar com um chicote. Ele chegou a fazer esse roteiro. Eram três pistoleiros, um usava a canhota e eu usava o chicote. Eu tenho esse chicote até hoje, mas o filme acabou não saindo. 

Z- Acredito que ele é um cara que merecia um maior reconhecimento. Apesar desse lado duro, ele era tido por muitas pessoas como um cara doce. 

TC- Na realidade, o Candeias era muito simples. Só não se dava bem com ele quem não queria. Tinha uns caras que ele era meio arrogante, porque ele era meio fechadão. O Candeias era o seguinte: ele foi motorista de caminhão, um cara grosso. Não tinha aquela cultura, não era aquele cara de academia. Ele era um autodidata por causa da cabeça dele. 

Z- Mas ele conhecia muito cinema. 

TC- Conhecia demais. Ele dava aula pra qualquer um. Era algo impressionante. Não sei onde ele ia buscar isso. 

Z- Ele era um tipo caboclo? Porque ele era do interior de São Paulo. 

TC- Bem caboclão. Bem grossão mesmo, tal, bermudão, sandália havaiana. Camisa aberta no peito, barba por fazer. O cara não tava nem aí. Tranquilo. Com dinheiro ou sem dinheiro, ele era sempre o mesmo. Eu gostava dele por causa disso, um homem muito simples. 

Z- Um outro filme que você fez na Boca: Fora das Grades, do Astolfo Araújo. 

TC- Fora das Grades foi uma participação especial só. Foi algo pequeno. Era um negócio de fuga de cadeia, uns fugitivos brigando e quebrando pau no meio do palco. Quem era? Eu, Luigi Picchi, um outro baixinho. Foi pequena, mas que marcou bastante também. Valeu. 

Z- Você fez um filme com um diretor interessante: Flávio Ribeiro Nogueira. O longa se chama Nua e Atrevida. 

TC- Nossa… nesse filme trabalhou eu, Tony Vieira, Edgar Franco. Essa fita foi uma loucura. Nesse trabalho, se eu não me engano, ele fazia um topógrafo. Eu era o motorista particular de um ricaço e transava com a mulher dele. Puta… uma menina bonita, linda. Não consigo me lembrar o nome dela. 

Z- Ela era famosa? 

TC- Era famosa sim. Qual era o nome dela, rapaz? O personagem era um motorista malandrão com gravatinha, luva na mão, tranquilo. Ficava só observando o povão nas festinhas, levando a patroa pra cima e pra baixo. Transando com a patroa (risos), foi um troço até gostoso. Não tinha muita interpretação, mas foi um personagem que marcou. Foi um filme também que não deu dinheiro. 

Z- Esse Flávio Nogueira era bom diretor? 

TC- Não. O cara não entendia bulhufas de cinema. Ele tinha dinheiro, era dono de uma construtora e concreteira em São Paulo. Era algo que mexia com concreto, sei que ele ganhava muita grana. Adorava cinema e queria ficar no meio da mulherada, aquela coisa toda, e inventou esse filme (risos). Olha rapaz, tem uma cena em que eu estou atirando num cara e ele usou uma expressão: “Levanta o senho. Levanta o senho”. Mas foi uns troços, ele usava uma linguagem que não tinha nada haver com cinema. A gente ria pra caceta. Tem uma luta em que estava eu, Edgar Franco, o Moreiras.  O Moreiras depois foi um grande assistente de câmera, iluminador. Ele foi casado com a maior continuísta do Brasil. 

Z- Sim, com a Silvinha. 

TC- Isso, a Silvinha. Parece que o Moreiras já morreu, certo? 

Z- Sim.  Ele tava nesse filme do Flávio? 

TC- Tava. Eu lembro que a gente ria muito nesse trabalho em relação a esse diretor. Poxa, diretor entre aspas. Ele não dirigiu, ele guiou o filme (risos). 

Z- O Flávio era amigo do Tony? 

TC- Não me lembro disso. Nesse filme, o Tony fazia um papelzinho até bom. Se não me engano, ele fazia um topógrafo que trabalhava com teodolito. 

Z- Vamos falar dos filmes que você fez com o Rafaelle Rossi. Você conheceu ele na Boca? 

TC- Sim, através do Roberto Mauro. Na época, eu mexia bastante com teatro. Foi quando nós iniciamos a produção do O Homem Lobo. Daí a gente embalou, fizemos esse trabalho. Depois de algum tempo, nós voltamos juntos para terminar O Homem Lobo, que levou vários anos para ser terminado. Esse trabalho se iniciou em 67 e terminamos em 71. Depois, fomos fazer Pedro Canhoto logo em seguida. Mas juntos nós tivemos uma distribuidora de filmes de dezesseis milímetros, uma série de coisas. Tive uma sociedade com ele. Fui diretor de produção dos dois longas, além de atuar. Tanto que no Homem Lobo eu levei Chitãozinho e Xororó pra cantarem no filme. Tem a foto deles no cartaz por eles terem participado. 

Z- Eles estavam começando? 

TC- Exatamente. Isso foi feito através do Geraldo Meirelles. 

Z- O “marechal da música sertaneja”. 

TC- Exatamente. Foi através dele que conseguimos os dois. 

Z- O senhor conheceu bastante ele? 

TC- Conheci muito. Ele fez várias apresentações nossas na TV Record. A gente falava em luta livre e ele entrevistava os lutadores. Tive várias passagens com ele.

 Z- Ele está em Casa Branca, cara. Tem programa de rádio e tudo. 

TC- Não sei como ele está hoje. Ele não tem 90 anos, não? 

Z- Não sei. Mais de oitenta com certeza. O Homem Lobo foi rodado em preto-e-branco, certo? 

TC- A gente não tinha dinheiro. Puta merda… comprava uma lata de filme e rodava. Acabava a lata de filme, a gente parava o trabalho. Dois ou três meses depois, a gente juntava um dinheiro e comprava outra lata: “Vamos rodar mais um pouco” (rindo). Rodamos aqui em Piracicaba, em Alterosa em Minas Gerais, em São Paulo. Foi um saco bicho. Foram vários anos que a gente brigou pra fazer. Passamos fome… puta que pariu. Tem história pra caramba. No meu livro, tem uma puta história do Raffaele e eu, conto muita coisa dele. Na realidade, ele é o culpado de eu ter entrado no cinema. Foi ele que me introduziu na arte. 

Z- O Raffaele nunca foi um cara muito bem tido na Boca, certo?  

TC- Ele era um cineasta maldito entre o grupo, entre os colegas. Tanto que eu era mal visto por um grupo lá dentro por ter amizade com o Raffaele. Eu intermediava tudo. Nós íamos alugar equipamento no Primo Carbonari, era tudo alugado. Íamos juntos comprar lata de filme na Kodak… negativo. Pedaço, meia lata. Sabe? A gente fazia cada rolo que você não tem ideia. 

Z- Você nunca trabalhou com o Fauzi Mansur?  

TC- Fauzi Mansur. Esse camarada me deve 300,00 reais até hoje. Eu vendi umas fitas do Raffaele Rossi, sabe? Uns negativos pra ele. O Raffaele se não filmava, vendia pra fazer dinheiro. Fazia aquele puta rolo. O Fauzi um dia falou pra mim: “Traz pra mim que depois eu pago”. Ele não me pagou até hoje (risos). Eu ia fazer um filme com o Fauzi em seguida porque eu era muito amigo do David Cardoso. O David era inclusive diretor de produção nesse filme. Um dia antes da gente viajar, era pra eu receber 20% do contrato, o David me falou: “O Fauzi achou outro cara pra fazer”. Tudo bem e acabei não fazendo esse longa. Eu e o David somos amigos até hoje, grandes amigos. A gente se dá muito bem. Tanto que eu conto no livro que nós éramos três amigos inseparáveis na Boca: eu, Chico de Franco e David Cardoso. Ali, nós apelidamos um e outro. Por exemplo, galã brejeiro, galã rústico e galã aquático. Galã aquático eu coloquei no David Cardoso porque ele passou a fazer filme só no mar, pegava as meninas e descia pro litoral. Ficou galã brejeiro pro Chico de Franco e ele colocou eu como galã rústico. Eu falo isso no meu livro também, sabe? Então, são as histórias que ficaram da nossa amizade gostosa. 

Z- Com o David você nunca trabalhou em longa? 

TC- Nunca. Treinamos juntos. Ele morava na (avenida) São João e ele tinha um apartamento com academia. O David treinava halteres. Na época, eu fazia judô e halteres ao mesmo tempo. Eu treinava com ele de noite nessa academia. Ele só fazia peito e braço, dizia: “Câmera só mostra peito e braço” (risos). “Precisa também fazer perna David”. Eu fazia corpo inteiro. Halterofilismo você precisa fazer corpo inteiro: pé até pescoço, cabeça. Ele só fazia peito e braço. Ele é filha da puta, né? Tanto que ele tinha um físico bonito. Eu conheci o filho dele pequeninho lá com oito, dez anos no máximo. 

Z- O David era uma figura. Vocês juntos aprontavam muito? 

TC- Gente fina. Um pouquinho, pouquinho (rindo). É nós vivemos uma época muito boa. Como eu tava em São Paulo sozinho, ia jantar no Eduardo´s, no Viking. Era aquele grupinho perto da TV Excelsior, no Piolim. O pessoal de teatro saia à meia-noite e ia tudo lá. 

Z- Diversos filmes da Boca se passavam no Eduardo´s.  

TC- Sim. O pessoal que estava com dinheiro ia no Eduardo´s, quem não estava ia no Piolim. Ou então comia coxinha na Boca (risos). 

Z- Só voltando aos trabalhos com o Raffaele: O Homem Lobo deu grana? 

TC- Nada. Só perdemos dinheiro. Deu prejuízo. 

Z- E o Pedro Canhoto? 

TC- O Pedro Canhoto remediou. Esse remediou porque o Cassiano (Esteves), da Marte Filmes, assumiu na época. Foi nesse que ele entrou no cinema porque ele só distribuía, né? A partir daí, ele terminou esse longa, pagamos o pessoal e deu um dinheirinho. Não deu aquele troço, mas abriu caminho pro Raffaele como diretor respeitado na Boca. Passaram a ver ele melhor como amigo. Depois, ele estourou e foi embora. 

Z- Foi um dos seus poucos trabalhos como protagonista. 

TC- Sim. 

Z- É difícil ser protagonista? 

TC- Não é difícil. Eu podia ter sido, por exemplo, no Um Certo Capitão Rodrigo. Acabou não dando certo por causa de dinheiro. Não fiz aquele jogo. Tem muitas histórias e isso envolve muita gente. Eu não gosto de falar nisso. Aquele troço: “O papel é seu. Mas o contrato é tanto. Você assina por isto e leva isto”. Eu não aceito isso cara, sabe? É brincadeira. Sabe aquele negócio… eu vou falar a verdade: a prostituição é uma merda. Ou você dorme com a diretora ou com a produtora, ou você dá pra não sei quem, pra outro. Sabe? É um troca-troca do cacete e eu não aceito isso. Eu tenho a minha personalidade, sou profissional. Faço e pergunto pra pessoa: “Serve pra você? Meu preço é tanto”. Eu fiz filme de graça. Eu trabalhei com o Dedé Santana quando nós fizemos Os Irmãos Sem Coragem de graça. O Dedé é meu amigo, meu irmão até hoje. Onde a gente se encontra é uma festa. Você me entendeu? Eu fiz de graça pra ele. Ele me falou: “Toni não tem dinheiro”, “Sem problema. Vamos embora”. Ele teve em Bauru e deu uma puta de uma entrevista: “O Toni Cardi é meu irmão. Ele trabalhou de graça pra mim, você sabia?”, saiu uma meia-página de jornal. Ele falou: “O Toni é o maior profissional que eu conheci”, sendo que ele mete pau numa turma fudida. Me elogiou porque eu trabalhei de graça como profissional. Por exemplo, o (Carlos) Manga. Eu fui fazer um filme com ele chamado O Marginal, com o Tarcísio Meira. Nisso, eu acabei indo três vezes pra filmar uma noite num bar. Mas não conseguimos filmar. O assistente dele era… 

Z- O Sílvio de Abreu. 

TC- Sílvio de Abreu. Não conseguiam. Eu fui lá, ensaiei, esperamos… três vezes nós fomos. Chegou no dia que eles eliminaram a cena, mudaram tudo. Um dia, o Manga tava andando lá na Boca e disse: “Toni Cardi! Você é o profissional que o cinema precisa. Te devo essa”. Foi a maior festa. Aí chegou o Sílvio e me disse: “No meu próximo trabalho você tá na cabeça”. Depois eu acabei saindo fora e acabei não trabalhando com eles. Cheguei a falar com o Sílvio depois de muito tempo, ele já estava fazendo novelas. Eu tenho certeza que se eu ligar para ele hoje e falar: “Sílvio, me dá um trabalhinho. Quero voltar para a televisão”. Eu tenho certeza que ele me coloca lá porque a gente se entendeu bem. Existe um respeito muito grande entre nós. 

Z- Não aconteceu o trabalho, mas ficou um respeito… 

TC- Exatamente. Ficou um respeito muito grande entre nós três. Melhor isso do que eu ter feito qualquer coisa e nada ter dado certo. 

Z- O senhor acabou sabendo que o Raffaele tinha morrido por mim? 

TC- Sim. Fazia três anos que eu tinha falado com ele e dois que ele tinha morrido. Quando eu falei com a Renata (Candu), eu soube o final dele. Mas a última vez que eu falei com ele, ele estava meio xaropão, com a doença de Alzheimer? 

Z- Sim, uma pena. Mas foi você que chamou o Gaiotti pra fazer esse filme do Pedro Canhoto? 

TC- Isso foi ideia minha. Eu chamei o Gaiotti, o Nivaldo Lima, o Cavagnoli. Como eu fazia a produção, eu acabei chamando todo esse pessoal. Eu e o Gaiotti éramos muito amigos, eu falo com os filhos dele pelo Orkut. Mas não dá tempo. Eu estou com três empreendimentos em Piracicaba agora. Estou a serviço. 

Z- Fala um pouco sobre o Irmãos Sem Coragem, que o senhor fez com o Dedé Santana. 

TC- O Dedé me chamou um dia pra fazer um delegado nesse longa. A gente fez Os Trapalhões antes do Renato Aragão aparecer, inclusive, na Excelsior. Eu trabalhei com eles, fazendo cena de luta. Trabalhou eu, a Vanusa, Wanderley Cardoso. Então, a nossa amizade nasceu ali. Eu fiz teatro também, circo, luta livre em circo. A gente sempre se trombava em circos por aí. O Dino (Santana, irmão do Dedé) é piracicabano, nasceu aqui num circo. Nesse filme, eu lembro do Gibe… 

Z- Esse filme tinha o Gibe, o Bucka. 

TC- Todos eles trabalharam. Nisso, o Dedé chegou em mim: “Eu preciso de um delegado. Você que vai fazer o meu delegado. Mas eu não tenho dinheiro”. Nós filmamos na delegacia de Pinheiros, o delegado saiu da mesa e nós fizemos ali mesmo a cena (risos). 

Z- Foi um papel pequeno? 

TC- Foi uma participação especial. 

Z- E o filme Sob o Domínio do Sexo que você fez com o Tony Vieira? 

TC- Foi um papel bom, bacana. Eu fui indicado como ator revelação nesse trabalho. Foi o meu único filme em que eu apareço nu. Os caras arrancam toda a minha roupa, descem o cacete e eu desço nu procurando. Até que o meu personagem chega num varal e rouba a roupa. Tudo isso sem cair no ridículo, entende? Foi muito criticado e foi um papel muito bem-visto pela crítica na época. 

Z- Esse filme do Tony fez bilheteria? 

TC- Sim, deu dinheiro. Foi se eu não me engano o primeiro longa dele que pegou pra valer na bilheteria. 

Z- E você fez um faroeste com o Luigi Picchi chamado A Última Bala. Como foi esse trabalho? 

TC- O Luigi foi um grande cara. Além de excelente ator, um grande elemento, gente pra xuxu. Uma pena que morreu cedo também, né? Mas um camarada que merece muito o meu respeito, onde ele estiver. 

Z- O filme, infelizmente, a gente não tem cópia. 

TC- Pois é. Eu estou pedindo, inclusive, pra um menino pra trazer onde tem uma cópia. É o dono do cinema em Guaxupé (interior de Minas Gerais), onde foi rodado esse trabalho. Eu já pedi pra ele arrumar umas quatro vezes, pra ele me mandar uma cópia, mas ele não manda. Até fundaram uma comunidade no Orkut do Última Bala. Eu entrei e falo com o pessoal, sabe? Eu estive lá em Guaxupé e procurei o cara. Ele estava viajando. Deixei recado com a secretária dele: “Fala que é o Toni, ator do filme, que quer uma cópia. Vê quanto custa, que não importa pra mim e manda pra mim”. Porque eu fiz grandes amizades lá. Então, de vez em quando, eu fui lotear uma área grande nessa cidade e tive diversas vezes lá. Só que eu não consegui falar com eles e não consegui uma cópia. Mas eu sei que ele tem porque ele andou fazendo umas exibições especiais pro pessoal lá. 

Z- O Luigi Picchi era bom diretor? 

TC- Bom. Eu gostei dele como realizador. Como ator, ele sabia transmitir o que ele queria em cena. Foi um cara muito bom. 

Z- Era uma produção grande, né? 

TC- Grande. Só que a história não foi na realidade o que ele queria filmar. A ideia do Luigi era algo sobre Januário Garcia, o sete orelhas. Esse foi um caso escrito em 1800 e alguma coisa. A ideia dele era contar sobre esse camarada. Mas eu não sei por qual motivo ele teve um caso com uma russa, que era a produtora dele. Ela queria um roteiro meio diferente e ele acabou mudando a história. Foi mais ou menos parecido, mas não tem nada haver com a história do Januário Garcia. Tanto que os nomes dos protagonistas mudaram. O roteiro original desse filme está comigo e nunca foi filmado. 

Z- Por quê o senhor acredita que esse tenha sido o seu melhor papel no cinema? 

TC- Eu gostei pela condução do diretor e o personagem é muito bom. Às vezes não adianta o ator ser bom. Ele tem que ter uma boa direção também, uma boa enquadração. Um ator medíocre com um diretor bom, que saiba enquadrar, dá um texto bom, e você conduz a cena boa. Depois, o público vai falar: “Esse cara é ótimo”. Ao contrário, eles acabam estragando os atores em certas coisas. O Pedro Canhoto pecou muito com isso. Isso aconteceu por duas razões: a maneira dele conduzir os atores, ele sabia enquadrar, mas na direção artística ele pecava muito. Outra coisa que nos prejudicou muito foi o filme começar numa época, parar e depois continuar. Então, a continuidade dele é muito sofrida e deixou muito a desejar. 

Z- Isso prejudicou o resultado final? 

TC- Exatamente. Mas o Noiva da Noite e A Última Bala foram mais bem trabalhados. Foi uma sequencia rápida, boa, bem-feita. Quando a coisa é mais bem conduzida, acaba dando um outro resultado final pro filme. Isso é importantíssimo pra um trabalho audiovisual. 

Z- Como foi feito aquele filme com o Pelé? 

TC- Eu já conhecia o Anselmo (Duarte) naquela época do Capitão. Então, a gente estava sempre trocando figurinha lá na Boca, ele tomando os uísques dele e eu o meu suco de laranja (risos). Às vezes, a gente tomava conhaque junto. Quando ele estava fazendo esse filme, eu estava em Bauru e me lembro que foi durante um carnaval. Na produção, estava o Iragildo Mariano, que depois trabalhou na produção do Beto Carrero. Eu levei ele no Mazzaropi, foi meu assistente e depois prosseguiu na área. Ele estava na produção e eles precisavam de um cara meio galã, que fosse bom de briga. Era o personagem que iria fazer umas cenas de luta com o Pelé. Trocando figurinhas entre eles dois, o Iragildo sugeriu: “E se você trouxesse o Toni?”. Nisso, o Anselmo perguntou: “Mas onde anda o Toni? Ele sumiu”. Aí o Ira falou: “Mas eu tenho o telefone dele”. Ele havia trabalhado comigo no ramo imobiliário e tinha os meus contatos. Me ligou de noite, umas nove horas da noite, dizendo que o Anselmo queria falar comigo. O homem da Palma de Ouro foi firme: “Estamos fazendo um filme com o Pelé. Tem um personagem pra você que é um puxador de carro assim, assim”. Eu perguntei: “É pra bater no negão?”. “Isso, é do jeito que você gosta”. Era pra eu estar de manhã em São Paulo, eles estavam no Hotel Jaraguá. “Quanto vocês vão pagar?”, “São quatro dias de filmagem”. Acertei com o Ira, peguei o carro umas dez horas da noite. Eu tinha um Maverick V8 que voava na estrada (risos), fui de Bauru pra São Paulo rapidinho. Lá eu fiquei uns quatro dias, durante as filmagens desse longa. Quando eu terminei, no último dia apareceu o Ary Fernandes me chamando pra ir fazer O Vigilante. Isso foi no primeiro semestre de 1978, no carnaval de 78. 

Z- Como foi o seu relacionamento com o Pelé? 

TC- Gente finérrima. Ele me surpreendeu… o cara tinha chegado do Cosmos com aquele puta nome. Eu até tinha ensaiado algumas palavras pra conhecer o cara e quando eu cheguei o Anselmo nos apresentou. O Pelé me desmontou: “Pô, você que é o Toni? Te conheço meu, você é foda hein?”, aí não teve mais jeito. Filmamos juntos, foram uns quatro dias juntos e temos algumas histórias bonitas com o Pelé. Algumas passagens com ele. 

Z- Tem alguma que você lembre mais? 

TC- Não dá pra contar aqui. Está alguma coisa no livro… 

Z- Mas não tudo? 

TC- Não, não pode porque senão vira bagunça (risos). Mas o negão é gente fina pra cachorro, educado, um grande companheirão. Eu tinha um apartamento, ele tinha outro, e me chamava pra eu ir na casa dele. Na época, ele tava treinando a canção Cidade Grande. Essa música ele fez nos Estados Unidos e treinou durante as filmagens. Depois, o Jair Rodrigues gravou e nós cantávamos essa música juntos o tempo todo. Nós ficamos amigos e nos telefonávamos durante muito tempo. Ele me deu um relógio de presente e eu dei dois terrenos pra ele de presente em Santa Cruz do Rio Pardo. Eu tinha um loteamento milimetrado lá, vendi metade e não conseguia vender o resto. Falei com ele: “Pelé vou te dar um terreno. Posso colocar o seu nome lá?”. Dei dois lotes, fotografamos, colocamos no jornal e vendi todo o loteamento. Nós só botamos uma placa: “Propriedade de Edson Arantes do Nascimento”, saiu no jornal ele assinado a escritura. Foi uma amizade muito grande, bacana. 

Z- Esse filme dos Trombadinhas deu dinheiro? 

TC- Também não deu dinheiro. Entender o público é algo complicado.

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