O Prisioneiro do Sexo

Dossiê de Aniversário: O Autor – Walter Hugo Khouri 

O Prisioneiro do Sexo
Direção: Walter Hugo Khouri
Brasil, 1979

Por Heitor Augusto

Até mesmo quando teve de fazer concessões, Walter Hugo Khouri, mestre e autor legítimo, conseguiu ir além, como prova O Prisioneiro do Sexo, produzido dentro dos padrões da Boca do Lixo.

Khouri escreve com a câmera e sua singular caligrafia cinematográfica o colocou como o único no Brasil a conseguir descrever a mulher em duas fontes distintas, mas não conflitantes: sexual e sensual, fogosa e terna. Real e transcendental. Pena que nossa cinematografia não teve um autor/autora capaz de fazer o mesmo com tamanha maestria com a figura masculina.

Em O Prisioneiro do Sexo, porém, as mulheres são personagens rasos comparadas a outras obras de Khouri, tendo como função primordial serem contraponto de um homem perturbado: Marcelo (Roberto Maya, sempre ele), arquétipo do homem khouriano, ou seja, egoísta, vazio, sempre buscando por algum sentido na vida e colocando na pulsão sexual uma expectativa de preencher todas suas mazelas.

Talvez esse seja o grande charme de O Prisioneiro do Sexo e prova capital da força de Khouri como autor: mesmo num filme em que mostrar muitas mulheres nuas e excitar a imaginação do espectador é o principal objetivo para atrair público, existe algo a mais, quase uma subversão: em vez de glamourizado, o sexo neste filme é um passatempo sem sentido. Uma maneira de esperar o tempo correr e, enquanto uma mudança crucial não chega, fazer os dias andarem mais rápido.

O sexo é um paliativo para aliviar o tédio e o desprazer de estar vivo. Claro que no meio do caminho há atraentes fetiches para desviar a atenção. A começar pelo dúbio sentimento incestuoso por Berenice (Nicole Puzzi, cuja bunda é estampada como imagem de fundo nos créditos iniciais do filme). Temos também o desejo pela empregada (Novakosky, Novani), apresentada numa hilária cena ordenhando uma vaca (ah, como era inocente essa pretensa devassidão!).

A vizinha americana e moderninha (Kate Lyra) entra para mudar a moral das mulheres, enquanto uma linda modelo negra (Maria Rosa) se tornará amante. Pronto, Marcelo tem um harém de fetiches! Como cereja do bolo, as curvas de Sandra Bréa, a madame do filme, são valorizadas por vestidos justíssimos.

Indícios de um desconforto

São muitos os artifícios do autor para apontar o desconforto de seu Marcelo com a vida. A repetição cíclica da entrada e saída das mulheres na trajetória do protagonista já é antecipada com um ousado flash forward, que nos faz antever qual será o envolvimento de Marcelo com a linda mulher que será a modelo de um anúncio.

Marcelo sorri, beija, penetra. Parece estar feliz. Mas por que Schubert e as composições de Rogério Duprat indicam o contrário? Por que, enquanto possui uma mulher como faminto à derradeira refeição, seu olhar está absorto? Aos poucos, O Prisioneiro do Sexo responde essas inquietações e nos apresenta quem é esse burguês que bebe uísque e deixa suas mulheres/reféns gastarem várias garrafas de vinho jogando a bebida uma nas outras.

O Prisioneiro do Sexo, com seus zooms de aproximação ou afastamento, revela a alma e a moral, a motivação e o porquê. Khouri é um autêntico autor, mesmo quando tem de conceder.

Trata-se de um filme menor de Khouri, mas jamais pode ser desprezado, pois, mesmo estando alguns degraus abaixo, ainda assim tem lampejos de genialidade. Usando o futebol como comparação: enquanto Noite Vazia é o Ronaldinho Gaúcho de 2004 e 2005, arrebentando no Barcelona, O Prisioneiro do Sexo é o Ronaldinho de 2011 do Flamengo: muito superior à média geral.

No futebol, um craque sempre será um craque. No cinema, um autor não perde sua escrita. O Prisioneiro do Sexo começa com a imagem de uma bunda e termina com um close no rosto de Berenice, linda citação à imagem de Harriet Andersson em Mônica e o Desejo, de Bergman. Por todo filme, Marcelo persegue uma imagem e um sentido: quando a encontra, de fato, o filme acaba, deixando para nós a gostosa tarefa de bolar o que se passará no iminente triângulo que passará a se estabelecer naquela casa.

Encerra-se, na tela, o ciclo que começou com um excerto de Kafka sobre a bunda de Berenice: “Uma gaiola saiu à procura de um pássaro”.

Heitor Augusto é repórter e crítico de cinema. Atualmente, colabora com o Cineclick, no qual faz cobertura dos principais festivais no Brasil, escreve sobre os lançamentos do circuito e mantém a coluna mensal Clássico do DVD. Mantém, desde 2008, o blog Urso de Lata. Colaborou para a Agência Carta Maior e Revista de CINEMA.