O Palácio dos Anjos

Dossiê de Aniversário: O Autor e a Musa – Walter Hugo Khouri e Lilian Lemmertz

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O Palácio dos Anjos
Direção: Walter Hugo Khouri
Brasil, 1970.

Por Gabriel Carneiro

Não é de se espantar que os relatos, em geral, das atrizes que trabalharam com Walter Hugo Khouri sejam tão apaixonados. Era um diretor que tinha a mulher em mais alta conta, um verdadeiro adorador do gênero feminino, respeitoso e admirador, ainda que (ou por causa disso) grande conquistador. Essa paixão pelas mulheres é evidente em seus filmes: mesmo que não protagonistas em todos os longas, estão sempre no primeiro plano e são a força motriz de qualquer trabalho do diretor. O Palácio dos Anjos, outra grande obra-prima de Khouri, talvez seja sua maior ode.

palacio1-300x225Nele, três mulheres estudadas que trabalham como secretárias numa grande empresa financeira, ganhando mal e ainda sendo assediadas pelo patrão, resolvem sair da condição subalterna e assumir o protagonismo da cena, ao se tornarem requisitadas prostituas de luxo. A princípio, pode não parecer elogioso que mulheres, para conseguir uma boa renda, precisem vender o corpo. Mas O Palácio dos Anjos não é isso. A personagem da atriz francesa Geneviève Grad – dublada para o português por Lilian Lemmertz – simplesmente se cansou das condições de sua vida e resolveu tomar a dianteira, pelo caminho mais fácil para ela. A profissão aqui pouco importa. A questão é a legitimação da mulher enquanto profissional qualificada e o poder que ela pode alcançar. Em tempos libertários, a mulher coloca-se acima por uma ferramenta a qual foi sempre subjugada, o sexo. É um filme sobre a revolução sexual, passar do objeto passivo para o domínio da situação; é a saída do estigma da mulher sem sujeito, cuja função única de existência é o casamento e a maternidade.

Khouri já vinha trabalhando essa questão, da mulher como objeto social, mais profundamente, desde Noite Vazia – e é muito curioso observar a evolução de sua carreira de acordo com o contexto histórico, em que ela sai da condição de moça de família insatisfeita para absoluto controle de sua vida. O Palácio dos Anjos é um empreendimento. Elas não têm chefes, são as próprias cafetinas. Transformam um apartamento num requintado espaço, em que, finalmente, a personagem de Geneviève pode extravasar sua formação em artes, para receber as mais diversas personalidades.

Para trabalhar a transformação das três protagonistas – além de Geneviève, Adriana Prieto e Rossana Ghessa -, Khouri cria uma atmosfera progressivamente agônica, baseada em closes fechados nos rostos de suas damas e, a partir da segunda metade, no uso tão bem aplicado do zoom. E aqui cabe um parênteses. O zoom geralmente é associado a mãos irrequietas, que não se decidem quanto ao plano, e, nos dias de hoje, ao modelo documental ou reality. Pois bem, Khouri é um diretor que soube como poucos utilizar esse recurso de forma primorosa, cuja funcionalidade no longa é reforçar a sensação do espectador frente às suscetíveis angústias do trio. A montagem só vem a enriquecer esse jogo: assim que se afasta de uma pessoa, se aproxima de outra, marcando sempre o freqüente choque de personalidades. Tais artifícios de linguagem convergem num elaborado dinamismo intrigante. É como se nós, espectadores, entrássemos, através da câmera, na alma da personagem, de forma a compreender todo seu panteão de sentimentos.

O quê existencialista dos filmes de Khouri deriva muito desse aspecto imagético e atmosférico. O filme começa com um close no rosto de Geneviève. A câmera se movimenta capturando detalhes, e volta e meia retorna a ele para nos lembrar do papel essencial que é para a construção de seu cinema. A angústia é evidente em seus olhos – e há angústia maior do que encontrar uma razão para sua existência?