Dossiê de Aniversário: A Musa – Lilian Lemmertz
Janete
Direção: Chico Botelho
Brasil, 1983.
Por Gabriel Carneiro
Primeiro longa-metragem de Chico Botelho, Janete foi um dos primeiros filmes realizados pela chamada turma da Vila Madalena, composta por um grupo de jovens formados em cinema que se instalaram no bairro, à época, meio deserto. E se parte dos filmes do grupo foram marcados pela raiz geográfica ou pela necessidade de mostrar a terra – São Paulo, por exemplo, ganhou incríveis contornos com Cidade Oculta, do próprio Botelho, e Anjos da Noite, do Wilson Barros; o interior virou fabular em A Marvada Carne, de André Klotzel, etc -, Janete vai na contramão, algo quase como um processo evolutivo. Pois, para expor as raízes, é preciso, primeiramente, criá-las. É justamente a busca por encontrar seu lugar que move Janete (Nice Marinelli) no filme homônimo.
Janete é uma jovem que precisa se encontrar. Nessa jornada pela qual embrenha – e que, em vários momentos, lembra a de Lilian M., no filme de Carlos Reichenbach, mas sem a mesma qualidade -, Janete passa de golpista, para presidiária e para prostituta desejando sempre outra coisa: participar de um circo ambulante. Na perseguição pelos palhaços e trapezistas, Janete se vê nas mais diversas situações.
Esse norte seguido pela personagem do filme é quase uma alegoria do país da época. Em término de ditadura, todos estavam buscando seu lugar, em especial os marginalizados pelo regime, sejam os presos (exilados, fugidos, encarcerados, etc), sejam os vendidos. É importante frisar que essa prostituição, em nenhum momento, se refere ao governo, mas às condições em que as pessoas tiveram que se submeter por conta da ditadura. Isso é explícito em Janete: quando um oficial à paisana tenta levar Janete à cama, ela recusa. Pouco depois, o mesmo, por vingança, a aprende e a achaca na prisão.
É também um filme da geração coca-cola, em que as preocupações explícitas com a ditadura são deixadas de lado. A relação feita com o regime militar aqui exposta mostra isso. A questão é muito mais existencial do que política. Sendo tudo sempre visto por uma ótica bem-humorada. Talvez disso derive o principal ponto baixo do filme: para Janete, tudo é muito fácil. A prisão é moleza: todas estão soltas para fazerem o que quiserem, conseguem até uma visita ao circo. Janete ainda conta com os favores da responsável pelas meninas, interpretada por Lilian Lemmertz em seu penúltimo filme, em troca do carinho corpóreo. Na viagem, todos são de uma incrível generosidade. Até a futura cafetina a garante eterno serviço. É quase como se o único obstáculo na vida de Janete é ela mesma. Mas, de novo, o otimismo esteve (quase) sempre presente nessa geração de cineastas.