Cordélia, Cordélia…

Dossiê de Aniversário: A Musa – Lilian Lemmertz

 

Cordélia, Cordélia…
Direção: Rodolfo Nanni
Brasil, 1971.

Por Adilson Marcelino 

Já nos letreiros Rodolfo Nanni avisa: Cordélia, Cordélia… é inspirado na peça de Antonio Bivar. Ou seja, não procurem muitas semelhanças entre a Cordélia Brasil que fez sucesso nos palcos da época com a protagonista sendo vivida por Norma Bengell, e sua Cordélia personificada por Lilian Lemmertz.

Na trama, Cordélia é uma secretária executiva que aumenta seu olerite com cheques gordos de seu chefe (Pedro Paulo Hatheyer), prostituindo-se com os clientes da empresa a pedido dele para faturar alguns negócios. Casada com um homem (Francisco di Franco) que detesta trabalhar, mas se aventura clandestinamente na subversão política, Cordélia naufraga em melancolia e sentimento de fracasso no seu cotidiano medíocre. Tudo parece mudar quando conhece um jovem vendedor de carros (Miguel de Pietro), que surge como promessa de amor redentor.

Há em Cordélia, Cordélia… uma melancolia latente que é potencializada tanto na interpretação de Lilia Lemmertz quanto na montagem que alterna tempos idos e atuais – sons e imagens formam um caleidoscópio contínuo na tela que rompe qualquer tentativa de assimilação mais fácil e gratuita. Soma-se ainda os diálogos cortantes, como quando Francisco di Franco se enfurece porque ela o lembra que já tem trinta anos: “eu não tenho problemas com a minha idade”, diz ela; no que ele devolve certeiro “o problema não é assumir a idade que se tem, mas sim a idade que aparenta”.

Cordélia, Cordélia… parece ter sido mesmo o filme da vida de Rodolfo Nanni – há duas décadas havia dirigido sua única outra ficção, o pioneiro do cinema infantil O Saci. E para realizá-lo se cercou de ficha técnica cuidadosa, com nomes como Carlos Egberto Silveira na direção de fotografia, Oscar Cabrera na montagem, Maximo Barro na edição, e Rogério Duprat na música.

O mesmo se deu com o elenco, com destaques para a elegância habitual de Pedro Paulo Hatheyer, o carisma de Francisco de Franco, e uma pequena e marcante participação da atriz Célia Helena como uma pregadora religiosa. Há ainda Julia Lemmertz menininha menininha, e, claro, Lilian Lemmertz de ponta a ponta.

Fora a parceria com Walter Hugo Khouri, Cordélia, Cordélia… está ao lado de Lição de Amor (1975), de Eduardo Escorel, e Aleluia Gretchen (1976), de Sylvio Back, na galeria de grandes personagens cinematográficos de Lilian Lemmertz.

Convida por Rodolfo Nanni para personagem pensada para a atriz americana Jean Seberg, Cordélia é a primeira protagonista absoluta de Lilian no cinema. E ela, como demonstraria em sua carreira, agarra a personagem com total entrega e faz de sua interpretação a alma do filme – não à toa recebeu o prêmio Coruja de Ouro de Melhor Atriz.