Dossiê Ênio Gonçalves
Tudo na Cama
Direção: Antonio Meliande
Brasil, 1983.
Por Filipe Chamy
Com a estreia de Cilada.com (a que não assisti), muitos jornais e revistas veicularam que o filme é uma espécie de retorno às pornochanchadas, um dos “gêneros” do coração do espectador brasileiro. Afirmaram que o público brasileiro no final das contas sempre volta a elas, tem toda uma tradição cultural com esse tipo de humor sexual e de escracho.
Pode bem ser. O que acontece é que a fórmula das pornochanchadas é extremamente vulgar. No sentido de “comum” mesmo (mas o outro também serve). É sempre a mesma ideia, criar desencontros amorosos, insinuar sexo, adicionar humor de bar, piadas rasteiras, rápidas, encharcar a narrativa de estereótipos e diálogos maliciosos, apostar na sensualidade das atrizes.
Isso é bem cansativo. É como se houvesse um filme-base e depois todos os diretores se prestassem a parodiá-lo. Uma série de variações, só mudando elementos superficiais. É difícil, após um tempo, se lembrar de quais as diferenças entre tantos filmes que se esforçavam para serem iguais, provavelmente ansiando a agradar utilizando a máxima que versa que “em time que está ganhando não se mexe”.
Tudo na cama é, claro, formulaico. Se encaixa à perfeição nesse punhado de clichês e não esconde isso a nenhum instante. Mas tem alguns trunfos. Primeiramente, ao contrário do “fundo do poço” que viraria a Boca explícita, aqui temos atrizes realmente bonitas. E isso é bastante importante num filme onde a mulher não é mais que um objeto. Não um objeto cênico, mas carnal: a mulher é um corpo. Então é fundamental pensar na escolha delas, que a todo instante farão o que de melhor podem fazer — na concepção dos realizadores de pornochanchadas, como este Antonio Meliande —: insinuar-se, despir-se, entregar-se aos prazeres da volúpia.
O mote de tudo são mulheres fogosas, tradição do relato popular no cinema brasileiro. Trata-se de um conquistador (Ênio Gonçalves) que está prestes a deixar de vez a boemia e casar-se – com Matilde Mastrangi -, e daí já se pode concluir a respeito do tom do conto “conjugal”. Acontece que o homem é irresistível a seus ex-casos, e também a praticamente toda mulher com que se depara. Apesar da vigília constante de sua governanta (Liana Duval, recentemente homenageada em nossa revista), as chances são sempre favoráveis às “depravações” que fazem o horror e a delícia das conservadoras de plantão, aqui representadas como um grupinho de dondocas alegadamente pudicas, mas que em verdade ficam bem animadinhas com a constatação de que os costumes mudaram.
Ênio Gonçalves, a quem prestamos um justo tributo, é digno intérprete e outro dos trunfos mencionados acima. Pela voz, postura, empresta um ar de segurança que beneficia o aspecto anedótico da trama, ao invés de reforçar seu absurdo, seu ridículo, sua misoginia estapafúrdia. Mesmo assim é preciso ceder ao apelo do filme e seu alvo e ter passagens como a da empregadinha masturbando-se ao não se conter vendo o chefe de sunga (e o consequente e esperado mergulho “sulfuroso” numa piscina que se enche de fumaça, afinal a moça estava pegando fogo); as ex-amantes que pulam como gatas selvagens, completamente nuas, na cama onde o recém-casado quer consumar suas núpcias com sua já consumadíssima esposa; a farsa corriqueira da mãe hipócrita e a filha liberal, as “críticas” pueris à moralização forçada e à religiosidade de fachada.
Noves fora, Tudo na cama acaba se salvando da ruína pelo intérprete carismático e por parte do elenco feminino. E ao menos não vende gato por lebre, pois desde o princípio anuncia-se o filme como uma vitrine de mulheres cujo habitat é entre lençóis.