Por Rafael Ciccarini
Aparentemente simples, a questão proposta pela Zingu! acaba nos colocando em maus lençóis. O que é cinema brasileiro? De saída, é impressionante como, no Brasil, muitos parecem ter, na ponta da língua, toda sorte de diagnósticos para “salvá-lo”. Como se estivesse sempre doente, cambaleante, como se fosse invariavelmente algo incompleto, deslocado, insuficiente.
Há um prazer especial em se depreciar o cinema brasileiro. Sofisticada, culta e conhecedora do que há de melhor nas cinematografias mundiais, nossa elite cultural é sempre implacável em cravar verdades incontestáveis acerca de nossa óbvia inferioridade cinematográfica. Cinema Novo? Impostor, chato, elitista, excessivamente politizado. Chanchada? Popularesca, formulaica, ingênua, alienada. Cinema Marginal? Mal feito, avacalhado, pretensioso. Mojica, trash. Pornochanchada? Mas o cinema brasileiro não é só putaria? Mas não apenas mostrava favela e sertão? E Candeias? Quem?
Se a Embrafilme era tão e somente uma estatal corrupta e inoperante, tanto pior era a Boca, com filmes tão precários e apelativos, de tanto mau gosto. Desse jeito, nem pensar em Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Se ao menos aprendêssemos com os argentinos… quem sabe não estaríamos jogando tanto dinheiro fora, afinal, esse cinema que está aí é feito com dinheiro do meu bolso, diz nosso ultrajado contribuinte. Quando teremos de fato uma indústria cinematogáfica? Hã? A Vera Cruz? Claro que conheço. Só um segundinho… (e dá-lhe google fervendo).
Como sabemos, não é preciso que sequer se veja os filmes ou se conheça minimamente o cinema brasileiro de ontem ou de hoje para que se possa operar o deleite da mediocridade travestida de sofisticação, da colonização mais tacanha disfarçada de cosmopolitismo. Adianta dizer que não há cinematografia no mundo que não tenha apoio (direto ou indireto) do Estado? Ou que dos cem filmes que fazemos por ano atualmente sequer um terço deles (se muito) tratam de “favela” e “sertão”? É o caso aqui de entrarmos na questão da distribuição e exibição? Creio que não.
Pois então, sem saber me posicionar entre as diversas formas de responder a pergunta proposital e inteligentemente traiçoeira desta distinta publicação, resolvi devolvê-la a nós todos em forma de provocação: não seria mais humilde, mais correto, mais maduro e mais inteligente se assumíssemos nossas dificuldades ao invés de encontrarmos falso repouso na mediocridade? Não é hora de sairmos da posição do que cobra para o que é cobrado? Quem sabe, talvez, atacamos dessa maneira nosso cinema porque, de alguma maneira, ainda não fomos capazes de compreendê-lo? Se não sabemos, afinal, o que é o cinema brasileiro, porque não vamos descobri-lo?
Rafael Ciccarini é professor, crítico de cinema e editor do site Filmes Polvo.