Dossiê Ênio Gonçalves
O Menino e o Vento
Direção: Carlos Hugo Christensen
Brasil, 1967.
Por Adilson Marcelino
Há todo um grupo de cineastas que deveria ser mais elencado quando se fala nos grandes diretores do cinema brasileiro, como Jean Garret, Claudio Cunha, Aurélio Teixeira, Paulo Porto, Alberto Salvá, Denoy de Oliveira, Xavier de Oliveira. E de ponta a ponta entre esses injustiçados está Carlos Hugo Christensen. Cineasta argentino que desenvolveu sua carreira em alguns países da América Latina – Argentina. Chile, Peru e Venezuela -, fez no Brasil uma obra arrebatadora, desde que se radicou aqui em 1954.
Um dos filmes realizados em solo brasileiro é esse estupendo O Menino e o Vento, que adaptou da obra de Aníbal Machado – O Iniciado do Vento. Aliás, Christensen revelou-se um mestre apaixonado pela literatura, que sempre serviu de base para seus grandes filmes que dirigiu no país: Aníbal Machado – Viagem aos Seios de Duília (1964) e O Menino e o Vento; Carlos Drummond de Andrade – Enigma para Demônios (1974); Jorge Luis Borges – A Intrusa (1979).
O Menino e o Vento começa com a maria fumaça trazendo Enio Gonçalves de volta para a cidade mineira de Bela Vista, onde correu um processo à sua revelia e onde terá seu julgamento final. A acusação? o desaparecimento do adolescente Zeca da Curva – Luiz Fernando Ianelli, com quem manteve relacionamento estreito quando passou 28 dias em férias no local. Os moradores acusam-no de abuso sexual e assassinato, suspeita de crime homossexual reforçada e alimentada por Wilma Henriques, a dona do hotel que se apaixona pelo engenheiro, sem ser correspondida.
Carlos Hugo Christensen produziu, dirigiu e também assinou o roteiro junto com Millôr Fernandes, que trouxe seu talento de gênio para os diálogos do filme. Diálogos aliás decifrados e produzidos por ótimo elenco e com um Ênio Gonçalves no auge da beleza e já com o talento que demonstraria em tantos outros filmes dirigidos por cineastas de diferentes linhagens.
Há na figura e na persona de Ênio toda uma carga sutil de misterioso encanto que cabe como uma luva ao seu personagem, todo ele cheio de revelações íntimas e profundas que são encandeadas no encontro com o menino. O ator faz dobradinha perfeita com o garoto Ianelli, que viria a atuar em outros filmes do cineasta, também surpreendente como o amante do vento, elemento capaz de confortar e libertar suas descobertas do corpo e da sexualidade.
No elenco de apoio, Wilma Henriques, a Grande Dama do Teatro Mineiro, também acerta no tom da dona de hotel que tem o desejo desperto e sedento por reciprocidade a qualquer custo.
Em O Menino e o Vento – assim como em A Ostra e o Vento (1997), que o cineasta Walter Lima Jr faria 30 anos depois -, os personagens são açoitados pelo vento, que se revelará para eles e para a cidade (ou para uma ilha) como força libertária ou como força de punição. Destaque para a fotografia de Antônio Gonçalves, com closes que invadem rostos e revelam o que se quer esconder como se atravessasem almas.
O Menino e o Vento é momento luminoso na cinematografia nacional e um dos grandes da década de 1960. Afinal, não é todo dia que a sexualidade é retratada em nossas telas com tamanho vigor, poesia, complexidade e beleza.