Dossiê Ênio Gonçalves
Força Estranha – Estranhos Prazeres de Uma Mulher Casada
Direção: Pedro Mawashe
Brasil, 1980.
Por Leo Pyrata
Força Estranha – Estranhos Prazeres de Uma Mulher Casada é uma deliciosa picaretagem nonsense que só o glorioso período do cinema brasileiro em sua forma mais lasciva poderia produzir. Começa com a jornalista Meg, interpretada por Aldine Müller, sendo pautada para fazer uma matéria em Paris. e daí rolam os créditos com ela passeando pela Cidade Luz. A seqüência em si está no filme de uma forma meio gratuita, ainda que possa existir a justificativa que a Cidade Luz serviria para aflorar as inquietações dessa mulher casada (ops outro filme) a partir da viagem. Rola merchandise da finada Varig e meu chute é que a viagem deve ter sido um “diferencial” para a starlet entrar no projeto. Mas isso, sou apenas eu divagando sem chegar a lugar algum.
Enfim, depois de inserir alguns cartões postais na produção e ter uma conversa sobre fidelidade com um amigo residente em Paris, a jornalista retorna ao Brasil e é recebida pelo marido, interpretado por Ênio Gonçalves, no aeroporto. O detalhe engraçado é que ele se encontra com ela e já do saguão do aeroporto ruma para outro compromisso alegando estar atrasado. Em seguida Meg se torna alvo dos olhares dos machos de plantão. Entra num rolls royce ciceroneada por um chofer de quepe trajando uma elegante camiseta havaiana, óculos escuros e bigode. O carro conduz nossa heroína até um casarão.
Chegando lá e sem perguntar nada, ela adentra a porta de um dos cômodos e fica impossível para quem conhece um pouco da era de ouro do porno não se lembrar do Behind the Green Door, dos irmãos Mitchell. Rola um cenário kitch futurista, onde Meg é pintada num esquema surrealista do naipe Hans Donner, numa espécie de suruba cerimonial com ballet e bolero de Ravel, que lembra um pouco o começo de Sucubbus (necronomicon) do Jesus Franco. Daí pra frente, torna-se recorrente as incursões da moça em alucinações que vêm compensar sua insatisfação em sua vida de casada. Tá lembrando de Mulher Objeto?… pois é. Daí pra frente, o que temos é um cardápio bem variado de fantasias envolvendo até um sadomasoquismo bizarro com direito a um anão, um gigante e um outro cara com um chicote.
Só que ela se sente culpada com tais acontecimentos e, por ficar em dúvida e confusa sobre os eventos serem reais ou não, acaba procurando um analista pra tentar entender o que está acontecendo. Desnecessário dizer que o profissional traça a paciente e ainda diz que nunca tinha feito isso antes, afinal existe limites éticos. Mas deitar no divã ajuda Meg a avançar em sua jornada e ela decide procurar o casarão onde seus devaneios acontecem para tentar montar de uma vez aquele quebra-cabeça erótico.
Auxiliada por Silvia, uma amiga marido interpretada por Selma Egrei, que desenha pra ela a fachada dão casarão, ela segue sua busca até encontrar nas coisas do marido uma foto do casarão. Putz, eu estou contando o filme quase todo, mas vou parar por aqui, até porque o final é tão maluco que dá vontade de conhecer o roteirista só pra saber de onde ele tirou essas ideias.
Pode parecer mais uma vez que eu não gosto do filme e que o estou tratando de forma rude, sem levar em conta o contexto da época. Longe disso. Existe até um certo rigor na fotografia e Aldine Müller preenche a tela com seu carisma e seu corpo maravilhoso, mas a direção de atores inexiste. Ênio Gonçalves está bem, mesmo não tendo muito espaço no filme. A atuação do analista é bisonha e nossa querida Aldine Müller se excede um pouco nos momentos em que se enfurece, mas ainda sim a experiência de assistir um filme como Força Estranha é impar. É um banquete pra quem curte as delicias de um drama exploitation da boca e é uma aula de misticismo pra essa leva de filmes espíritas chapa branca recentes.
Leo Pyrata é estudante de cinema, ator do curta Contagem – Prêmio de Melhor Direção para Gabriel Martins e Maurílio Martins no Festival de Brasília -, diretor do curta Retrato em Vão, co-diretor do longa Estado de Sítio, e vocalista da banda Grupo Porco de Grindcore Interpretativo.