Entrevista: Ênio Gonçalves – Parte 4

Dossiê Ênio Gonçalves

Entrevista com Ênio Gonçalves
Parte 4: Boca do Lixo
 

Enio6A

Por Gabriel Carneiro
Fotos: Pedro Ribaneto

Z – Foi nessa época que você começou a frequentar a Boca do Lixo?

EG – No Belas e Corrompidas, tive a sorte e o prazer de conhecer – e de matar a pauladas – o Carlão Reichenbach. Não conhecia também o Fauzi. Minha mulher na época foi fazer o filme com ele, fui levá-la e ele me reconheceu e me ofereceu um papel. Aí conheci o pessoal da Boca. Sou cinéfilo também e comecei a trocar ideia com o Carlão. Um tempo depois ele disse que tinha um filme que queria fazer comigo, o Filme Demência. Fiz vários filmes na Boca com o Carlão fotografando, como Doce Delírio, do Manoel Paiva. Comecei a cruzar com o Carlão em filmagens. Ele é uma pessoa maravilhosa, de uma humanidade incrível.

Z – Você gostava de trabalhar na Boca?

EG – Gostava, era uma aventura. Adoro minha profissão: atuar, dirigir, dar aula… Cinema então, é uma paixão. Pode ser um curta-metragem. Tenho feito um monte com estudante de cinema. Faço com uma paixão. O pessoal fica meio espantado com minha dedicação, porque adoro essa porcaria de ser ator (risos). Acho fantástico fazer isso. Fazia os filmes da Boca com o maior prazer. Até prefiro conviver com pessoas menos intelectualizadas e mais simples do que com pessoas pretensiosas. Detesto pretensão. Acho que a gentileza é tudo. E conheci gente maravilhosa na Boca, com quem era sempre um prazer trabalhar. Mulheres bonitas também, interessante isso.

Z – Como era a atmosfera da Boca?

EG – Para mim era engraçado, era uma aventura, conheci ali pessoas fantásticas, personalidades fantásticas. Aquele cara que era o ideólogo da Boca do Lixo, que morreu escrevendo um roteiro. Conta-se essa história, que ele estava escrevendo um roteiro na Boca, e teve uma síncope, um acesso de sangue, não sei se é lenda, mas caiu, esparramou o sangue todo e morreu em cima da maquina de escrever. O Ody Fraga. Tem um filme que fiz com dois episódios, no episodio que fiz com ele faço o violinista que mata a mãe no final, estrangula a mãe em praça pública. Dirigido também pelo Cláudio Portioli, outra figura maravilhosa. Ele fotografou e dirigiu um dos episódios de A Noite das Taras II. Era uma convivência maravilhosa. Conheci superficialmente, nunca fiquei amigo, nem conversei muito com ele, mas conheci rapidamente o Candeias. Acho um filme dele maravilhoso, um que não me canso de ver: A Margem. Pra mim é o melhor filme brasileiro. Adoro esse filme.

Enio16A-225x300Z – Você fez muitos filmes com o Fauzi. Como era trabalhar com ele?

EG – Me dava bem com o Fauzi. Ele era bom demais, nunca tive problema. Acho que fiz cinco, seis filmes com ele. Nunca briguei com diretor nenhum, na verdade. Nunca tive nenhum problema com o Fauzi, pelo contrário. Ele era divertido. Sempre tento fazer o que diretor pede. Às vezes tive trabalhos até ruins em teatro porque sou muito disciplinado, às vezes não faço aquilo que quero, tento satisfazer o que o que o cara quer. Tentava fazer sempre o que o Fauzi queria. Acho que ele tem uma noção de cinema, da cena, da edição, ele sabe exatamente o que ele quer, ele tem uma visão. E do ator também, ele pede aquilo, ele tenta pedir pro ator fazer. Sempre me dei muito bem com ele. Nunca tive nenhum problema.

Z – Os filmes da Boca tinham menos tempo de filmagens?

EG – Havia nos filmes da Boca muita economia. Rodava uma vez, duas. Não podia gastar muito negativo. Era um jogo rápido.

Z – Você se adaptou fácil a esse esquema?

EG – É, me adaptava. Aliás, no cinema, desde O Menino e o Vento, também se rodava duas, três vezes. Mesmo o Brasil Ano 2000, que foi muito ensaiado. O Walter Lima Jr., que tinha uma elaboração maior, não fez durar muito tempo a filmagem, e ele ensaiava bastante, não tinha pressa. Era de uma calma incrível, tava indo o sol embora e ele: “não, vamos conversar”. Coisa que na Boca não tinha, era “vamos lá, pô”. O Walter não, ele se estendeu na filmagem durante uns três meses. E faltou dinheiro, o Glauber Rocha mandou dinheiro. Ele era um dos coprodutores, era da Mapa Filmes. Havia ali um clima de elaboração, de “vamos pensar”. Mas aqui na Boca não, na Boca era “pau no burro”. Ensaiava uma vez, e “tá bom?”. Se não foi bom, vamos lá uma segunda, e “ah, tá bom”.

Z – Mas você chegava a conversar com os diretores antes da produção, ou só quando estava começando a produção, nos ensaios?

EG – Não, não, na filmagem. Por exemplo, pra você ter uma idéia: o filme que eu fiz com o [José] Miziara, As Intimidades de Analu e Fernanda. Conhecia de cinema e de vista, nunca tinha conversado com ela, só via de longe, a Helena Ramos, que era a rainha da Boca, mas com quem nunca tinha filmado. Não me a apresentaram, nem foi ensaiado. O Miziara também era um diretor de atores experimentado em televisão, e ele me jogou no set. Quando fui filmar a primeira sequência, quando entrei no estúdio, ela, acho, estava pelada debaixo dos lençóis, me jogaram na cama com ela, e nem me apresentaram. E tinha que dar uns abraços e uns amassos nela. Na cama. Não fui nem apresentado, não troquei uma palavra com ela, como não tinha falas. “Entra lá e faz a cena, pega por aqui, abraça aqui”. Cara, senti que ela se sentiu constrangida, porque ela não me conhecia. Conhecia de vista, achava aquela mulher lindíssima. Mas nunca tinha conversado com ela, ela não sabia quem eu era, acho. E eu sabia quem era ela. Mas foi um constrangimento só, senti que ela fez a cena toda com medo de que tirasse casquinha dela. Porque acho que muito ator fazia isso. Eu nunca fiz, sempre respeitei muito meus colegas, e as mulheres com quem filmei. O respeito que tenho pelas pessoas é porque gosto que me respeitem também. Então sempre respeito muito. E percebi que ela ficou nos primeiros dias de filmagem achando que eu era um cafajeste da Boca do Lixo, que queria aproveitar pra dar umas encoxadas nela. Nunca fiz isso, e não fiz com ela. Depois de um tempo de filmagem, quando a gente foi filmar numa praia, que ela percebeu que eu não era um cafajeste a ponto de querer me aproveitar. Daí ficamos amigos. Mas inicialmente foi muito difícil, porque foi assim: “entra ai e faz, pô”. Claro que fiz pra valer a cena, mas não tinha nenhuma intenção. Percebi que ela ficou meio puta da vida, porque a Helena é uma pessoa cheia de pudor. Convivendo com elas, as mulheres que fizeram pornochanchada, que diziam que eram isso ou aquilo, pelo contrário. Tiveram algumas que fizeram e não eram prostitutas ou promíscuas. Helena é uma pessoa supercomportada, tímida até.

Z – Tirando isso, como era o Miziara dirigindo?

EG – O Miziara também era aquele cara que conhecia o metier, homem de televisão. Ele tinha um conhecimento, era um cara formado na televisão. E também foi um relacionamento legal. Ele também é aquele cara que te instrui, procurava e te dizia “teu personagem é assim e assado”, “essa cena a marcação é esta”, ele tinha um cuidado. O cara filmava com cuidado.

Z – Nessa época, você filmou também com o Ewerton de Castro como diretor, o Viúvas Precisam de Consolo. A experiência que ele tinha como ator facilitou o seu trabalho?

EG – Facilitou, o Ewerton também é um ator de formação. Grande ator de teatro, fez cinema também. Um ótimo ator. Também tinha essa direção, te estimulava. Me dei muito bem com ele, sou amigo dele até hoje. Já o conhecia, também era aquele cara com quem era confortável trabalhar. Aliás, tive uma única experiência ruim em cinema, mas não gosto de dizer, “as amargas não”, como diz o Mario Quintana. Não vou citar o nome, não vou dizer, mas tive um filme que me desentendi com o diretor, foi um desastre.

Z – Nessa época da Boca?

EG – Não, mais pra cá. Não cheguei a brigar porque não brigo. Mas me arrependo de ter feito, mas não vou dizer qual é o filme, é um em que fiz pequena participação.

Z – Como era o clima dessas produções, todas tinham o clima da Boca do Lixo mesmo?

EG – É, havia a preocupação em não gastar, de fazer rápido, não gastar negativo, em fazer de prima, ou de segunda, no máximo.

Z – Mas isso chegava a criar uma tensão dentro dos sets?

EG – Não, porque eram equipes em que todo mundo se conhecia, era o chamado pessoal da pesada. Por que pesada? Porque o material era sempre muito pesado, as câmeras eram pesadas, os refletores. Tinham que ser uns caras fortes para carregar. Hoje em dia tem meninas fazendo essa parte, mas naquele tempo era tudo muito pesado, a câmera, a bateria era um troço daquele tamanho, precisava de dois caras para carregar (hoje em dia dá para colocá-la no bolso). E eram os mesmos caras sempre, o Miro Reis, por exemplo. Uma turma da pesada, da equipe, que vivia ali, tava sempre achando trabalho, ali naqueles bares, o Soberano e outros bares da Boca, ficavam esperando porque sempre tinha trabalho. Todo mundo se conhecia, era tudo amigo. O medo era nas folgas, na hora de acabar a filmagem, ir aos os botequins encher os cornos e no outro dia estar de ressaca, porque muita gente bebia. O diretor ficava preocupado com o pessoal ir pro botequim encher os cornos e no outro dia estar de ressaca. Havia essa preocupação de vigiar o pessoal, porque poderia acontecer algum problema. Eu, ingenuamente, na primeira vez que filmei com esse pessoal, quando acabou a filmagem numa praia, falei: “vou pagar umas cervejas pra vocês”. Tinha uma meia dúzia de caras da pesada, da produção, veteranos da Boca. E paguei a cervejada, bebi a cerveja e fui embora, eles ficaram. Quando voltei, o cara me deu um esporro: “putz, você é louco, pô! não leva esses caras no botequim, pelo amor de Deus, vão tomar um porre, vão encher os cornos. Vão chegar de madrugada em casa, vão acordar todo mundo, vão todos criar confusão”.

Z – Depois você fez O Olho Mágico do Amor.

EG – Sim, outra experiência maravilhosa. O Ícaro Martins e o José Antônio Garcia tinham acabado de se formar em cinema, na ECA. E eles tinham algum contato com um produtor da Boca, o Adone Fragano e falaram: “começamos a fazer um filme barato, rápido”. O Adone comprou a ideia deles, chamou o Antonio Meliande para fotografar, que era um puta diretor, um cara experiente, e foram. “Entra aqui, faz aqui, vamos ensaiar uma vez só, tá ótimo, vamos filmar, pá!” E o Meliande também era rápido, esses fotógrafos todos eram rápidos, todos os fotógrafos ali, uma rapidez incrível. Meliande, o outro que citei, o italiano, Cláudio Portioli, também, rapidez incrível. E gente boa pra caramba, gentil. Gente sem pretensão; tinha nada que “autorizar”. E os meninos filmaram muito rápido.

Z – Eles dividiam, um cuidava mais dos atores e o outro cuidava mais da parte chamada técnica, ou não?

EG – Eles trocavam idéias. Os dois trabalhavam juntos, formavam uma dupla, os dois se entendiam muito bem, davam palpite, não sei se combinavam antes, mas na hora de ensaiar e fazer… Era muito simples, “não, senta aqui, caiu aqui, procura debaixo da mesa, encontra a filha lá embaixo”. Era muito simples, muito leve. Tem diretor que, às vezes, é muito pesado, o cara quer: “não, quero isso, faça aquilo”. Os dois tinham essa leveza. É muito patente nos filmes deles, nesses outros filmes que eles fizeram em dupla.

Z – Mas era muito diferente do cinema da Boca?

EG – Não, como o da Boca. Toda equipe era da Boca, os atores é que não eram. Tinha aquele bailarino, que hoje está na Alemanha, Ismael Ivo. Tinha uns fetiches, essas pessoas tinham uma paixão pelo Caetano Veloso, Carla Camurati, eles tinham uma sofisticação intelectual que não era da Boca, mas a equipe era da Boca.

Z – A forma de preparação também era similar à da Boca ou eles conversavam mais?

EG – Conversavam na hora, não se ensaiou antes. Essa coisa de ensaiar atores é coisa recente, isso de se reunir antes, discutir, fazer leituras antes. Em Filme demência, não houve leitura antes. Eu e o Carlão falávamos muito do personagem, em botequim e tal, mas não houve indicações mais concretas, na hora de filmar é que íamos fazer. Discutia-se muito os personagens, mas não tinha leitura antes. Outro filme do Carlão que fiz, Anjos do arrabalde, não houve preparação, não ensaiei antes. Já o mais recente que eu fiz com ele, Garotas do ABC, ensaiamos antes, nos reunimos, fizemos leitura de mesa antes das filmagens, uma semana antes, eu e o menino com que contracenei muito, o Dionísio Neto, e mais a menina, que estava na mesa. Ensaiamos, lemos muito, discutimos muito a cena, nos reunimos antes de gravar.

Z – Você falou muito do Meliande e você também fez um filme que ele dirigiu, o Tudo na cama. Ele era diferenteEnio5A1-300x225 como fotógrafo e como diretor, ou era o mesmo clima?

EG – Mesmo clima. Sempre legal, gentil. Também não ensaiou antes, o personagem era aquilo: um cara em despedida de solteiro, que vai casar e resolve estabelecer no último dia um contato com todas as amantes anteriores. Aí aparece o pai, que era o Walter Forster, e um bando de mulheres da Boca do Lixo, atrizes muito bonitas e interessantes. Aí ele se envolve, cada uma com uma história diferente, não era novo, mas era interessante. Era uma comédia bem feita, porque o Meliande era um grande fotógrafo, um colorido interessante.

Z – Você fez dois filmes com o Luiz Castellini, Instinto devasso e Elite devassa. Como era trabalhar com ele?

EG – Fiz um terceiro, que nunca foi exibido comercialmente. O Instinto devasso foi exibido duas semanas em Curitiba. No Festival do Rio e alguns meses depois ficou duas semanas em Curitiba. Pelo que sei, ele nunca foi exibido comercialmente em São Paulo e em mais lugar nenhum. Um filme curioso pra caramba, nunca vi um filme tão falado, é praticamente eu e a atriz. Eu faço um cara psicopata que fala o tempo todo. O que tive que decorar de texto… Quando o filme era mostrado, ninguém agüentava, porque falo do início ao fim. O personagem era inspirado no Jack Nicholson em O iluminado, aquele cara meio louco que fica atormentando a namorada, e fica falando. Só que o Castellini, que é um cara muito inteligente e preparado, chamou um amigo dele, um psicólogo, e foi escrever o roteiro. O personagem tem uma diarréia mental, fala do início ao fim do filme. Foi o papel mais difícil que fiz na minha vida. Pena que esse filme não foi pra exibição, porque não era comercial. Foi todo filmado no interior de São Paulo, num sitiozinho. Tinha uns milionários de São Paulo, resolveram bancar o filme. Um dos produtores era a Aurora Duarte, uma mulher que para mim era um mito! Ela tinha sido a mocinha de O Canto do mar, do Cavalcanti, que filmou lá no Nordeste, ele era uma figura famosa no mundo inteiro, foi lá pro Ceará e fez esse filme. É uma versão do filme En rade, um filme europeu, que ele tinha feito. Vi O Canto do Mar quando era garoto, em Porto Alegre. Como cinéfilo, fiquei com o filme na cabeça. E a Aurora fazia a heroína, a mocinha do filme. Depois ela foi pra São Paulo e fez filmes de cangaceiros, alguns [outros] filmes, e acho que ela conseguiu dinheiro para o Castellini fazer esse filme, que é bem cuidado.

Z – Você lembra qual foi o outro filme que você fez com o Castellini? Esse filme foi antes ou depois?

EG – Foi antes desses dois. Depois fiz um outro com ele, que nunca foi exibido. Depois do Elite. Tinha um ator aqui em São Paulo — os nomes estão me escapando —, já falecido, ele era marchand de tableau, e conseguiu dinheiro para fazer um filme, barato, em locações, e fomos filmar, acho que em Ubatuba também. Fomos todos para Ubatuba. E o Castellini escreveu um filme para ele. Imara Reis e eu filmamos lá. Só que a penúria era tão grande, que ele usou restos de latas de filmes. E o filme era uma versão do Holandês Voador, aquela lenda, adaptada para o Brasil. O filme ficou pronto. O Castellini me chamou para ver uma exibição na cabine de uma produtora. E fiquei espantado com a má qualidade da fotografia. Como usaram negativos já muito velhos, ficou tudo escuro, tudo ruim.

Z -Você se lembra quem fotografou?

EG – O fotógrafo era um cara que tinha sido assistente do Meliande, não me lembro o nome dele agora. Não sei se tinha sido a primeira direção de fotografia dele, não era um cara que fosse conhecido como diretor, ele tinha sido assistente antes. Nessa época, uma meia dúzia de caras da Boca fundou uma produtora: o Carlão, o Meliande, o Castellini. O primeiro filme foi Instinto Devasso, nessa empresa nova, mas esse já não era pela Embrapi, era uma produção do ator, desse rapaz que trabalhava com quadros, Igor, já falecido. Ele não tinha muito dinheiro. Então botou pouco dinheiro, o Castellini arranjou restos de negativo. O resultado foi muito ruim. Eu só vi essa cópia, não sei se tem outra, acho que tem só essa cópia. Esse filme nunca foi exibido comercialmente. Não sei o que houve, se foi um problema de distribuição, ou se o produtor, que era também o ator principal, não sabia lidar com essa coisa de distribuição. O fato é que o filme nunca foi exibido.

Z – Acho que você não chegou a trabalhar com os diretores que faziam filmes com menos dinheiro, menos recursos.

EG – Os filmes que fiz tinham um certo recurso. O filme que fiz com menos recurso, que era paupérrimo mesmo, foi um do Fauzi, Gaiola da morte. Era do Kopesky. O Fauzi me ligou, tinha acabado de fazer uma novela na Globo, tinha chegado do Rio naquele dia. O Fauzi falou: “quer fazer um filme? Tem um filme aí que vou fazer, e tal, quer fazer?”, eu disse: “quero, qualquer coisa que você me chamar eu faço!”. A gente foi filmar, dali a três dias, numa academia, de um cara que era campeão mundial de luta livre, um cara famoso. Ele tinha uma academia na Zona Leste, ou sei lá onde que era, [talvez] no Brás. Ele me falou: “vamos filmar, você vai lá fazer um policial”, e disse que estava bom, achei que a direção era dele. Não que tivesse algo contra o Kopesky, que era um cara típico da Boca do Lixo: escrevia seus roteiros, vivia em dificuldade mas calminho, sabia escrever, de certa forma um cara muito intelectualizado. E também um cara super gentil, simpático, era amigo dele. Mas achei que o filme era do Fauzi, não dele. Aí chego lá e falei: cadê o Fauzi? “Não, o Fauzi não pôde vir hoje, porque não sei o quê…”, e perguntei quem ia dirigir naquele dia, aí me falaram que era o Kopesky, que escreveu e ia dirigir. E achei que era só naquele dia, mas foi o Kopesky que dirigiu o filme inteiro. Não tinha condição, não tinha nada. Me recordo da menina que fazia a mocinha, ela diante do espelho da academia — que era uma academia simples, de certa forma, com um rinque fechado —,nem conhecia essa menina que era a mocinha do filme, e ela sozinha lá se maquiando na frente do espelho. A coisa estava preta mesmo, não tinha maquiador! Aí trouxeram pra mim um paletó que não me servia, era maior que eu. Não tinha muita iluminação. Confesso a você que nem vi esse filme, quando ele passou não estava aqui em São Paulo. Todos os filmes que faço, eu vejo, ao menos uma vez; meio escondido, que não gosto de me ver (risos). Talvez esse filme tenha sido o único assim pobre do jeito que você disse, sem recursos, abaixo das minhas expectativas. O ator era muito simpático, esse lutador de boxe, outro dia alguém que conheço me mandou um cartão e um abraço dele, um cara muito gentil. Hoje ele é comentarista, um cara alto, forte, muito simpático. Acho que ele que produziu, se não me engano. O filme teve pouca distribuição, acho.

Z – E o outro que você fez com o Fauzi, de terror, o Atração satânica?

EG – Esse era uma produção cara!

Z – Tinha acabado a Embrafilme, então esses filmes foram feitos pensando muito no mercado externo, para os EUA, onde tem um mercado muito grande de vídeo, pro cinema de gênero, como o policial, de terror.

EG – Foi uma produção cara, o Atração satânica, do Fauzi. Ele trouxe da Argentina uma atriz muito conhecida. Era uma estrela, tinha feito Tango, filme famoso rodado na França, com a Marie de la Forêt. Eu fazia um casal romântico com ela, um militar, de uniforme da marinha, que investigava os crimes de uma cidade praieira. Tudo filmado na praia. Era uma produção cara, tinha mais outra atriz argentina. E um elenco brasileiro interessante. Também foi legal, uma produção bem cuidada, demorada, ficamos hospedados num belo hotel na praia, em Ubatuba!

Z – Foi muito diferente para você fazer filme de terror?

EG – Não, era mais investigativo. Tinha umas cenas de terror, mas fazia um cara que estava investigando um crime, um militar que se envolve com a atriz argentina, que foi dublada. Era uma radialista, e os crimes tinham algo a ver com o programa de rádio dela. E eu ficava investigando. Esse filme foi exibido fora do Brasil. E participou de festival de horror não sei onde.

Z – Como foi para você a entrada do sexo explícito no cinema? Foi um baque ou era algo que você já esperava?

EG – É, acabou fechando um mercado, o sexo explícito acabou com a pornochanchada. Mas não foi um baque, porque ator está acostumado com isso. Você trabalha, fica desempregado alguns meses, depois volta e faz dois serviços ao mesmo tempo. A Boca parou, mas tinha outras opções, estava ocupado com outras coisas. Não senti nada. Para mim, foi normal que tivesse acabado. Ruim mesmo foi para os caras que viviam só daquilo, os técnicos principalmente, que de repente não trabalharam mais, né? Muitos foram para a publicidade, mas os mais velhos ficaram meio abandonados. Aqueles velhos homens da pesada sentiram muito. Os mais novos foram para a publicidade, ou então para a televisão. O Meliande foi para a Globo.

                                                                                                                Parte 5