Brasil Ano 2000
Direção: Walter Lima Jr.
Brasil, 1969.
Por Daniel Salomão Roque
Brasil Ano 2000 não é uma obra universal, tampouco faz questão de ser. Suas elucubrações, os personagens que transitam pelos seus cenários, os anseios e delírios que retrata são elementos dispostos numa conjuntura geográfico-temporal especificada já no título do filme. É bem aqui, no nosso país, num hipotético início de milênio, que uma família de agricultores – mãe e dois filhos – resolvem caminhar em direção ao Norte, sonhando com um pequeno lote de terra. É aqui que se localiza a cidade desconhecida onde eles vão parar depois de pegarem carona com um caminhoneiro. Também aqui, eles são cooptados por um antropólogo picareta, que convence o grupo inteiro a se travestir de índios em troca de comida e moradia. E, nesse mesmo território, o núcleo familiar e as instituições que o rodeiam serão desmascarados por um jornalista (Ênio Gonçalves), talvez o único indivíduo, naquela região, em que o senso crítico e a lucidez se manifestam de forma mais ou menos pronunciada.
É assim que as coisas funcionam, e não poderia ser de outra maneira. Afinal, a fita reivindica para si uma análise de certos problemas tipicamente brasileiros, muito embora não vejamos na tela estes problemas propriamente ditos e tampouco suas causas, mas apenas suas possíveis conseqüências, projetadas num futuro que hoje já é passado. Nesse sentido, Brasil Ano 2000 é, mais do que um filme sobre o século XXI, um olhar sobre a década de 60, que chegava ao fim mergulhada em crises e perspectivas muito próprias.
A grosso modo, o que Walter Lima Jr. oferece ao público é uma distopia tropicalista, com tudo o que os dois termos possuem de mais característico. O filme, que teve Rogério Duprat como diretor musical, se abre com uma dedicatória aos povos desenvolvidos que desapareceram com a Grande Guerra Nuclear de 1989 e é finalizado ao som de Não Identificado, o clássico de Caetano Veloso interpretado por Gal Costa. O cenário pós-apocalíptico, palco da alienação coletiva, é também palanque das estruturas totalitárias de poder, aqui personificadas por um típico general-latino americano, e ponto de convergência entre símbolos que ora evocam um espírito militarista e tecnológico – como o foguete, tão falado no povoado onde se passa o enredo – ora aludem a uma brasilidade supostamente colorida e primitiva – índios, praias, flores, mato, sertão, estradas áridas.
Obra antitética e abertamente guiada por uma estética pré-estabelecida, Brasil Ano 2000 pode ser uma experiência tão encantadora quanto irritante: seus paradoxos, contradições e fraquezas nos atingem em cheio e terminam sempre por nos direcionar ao tédio, à graça e ao sentimento de dúvida.