Mary Jane

Dossiê Tony de Souza

Mary Jane
Direção: Tony de Sousa
Brasil, 1997

Por Daniel Salomão Roque

A princípio, Mary Jane evoca Perfume de Gardênia, o filme dirigido por Guilherme de Almeida Prado onde Christiane Torloni interpreta uma ex-atriz da Boca do Lixo às voltas com seu passado. O curta de Tony de Sousa, feito cinco anos depois, se debruça sobre esse mesmo universo e, uma vez dentro dele, mira toda sua atenção numa única figura: a personagem-título, estrela decadente de fitas eróticas que é exposta a constrangimentos e levada a atitudes extremas em decorrência de sua dificuldade em lidar com a fama minguante. As semelhanças, contudo, não vão além disso. Se a comparação entre ambos os filmes serve para comprovar alguma coisa, trata-se da encantadora polivalência do cinema popular paulista: é difícil encontrar duas obras tão próximas na temática e ao mesmo tempo tão distantes em termos narrativos.

O retrato que Perfume de Gardênia faz da Boca em muitos aspectos lembra a Hollywood que Billy Wilder desnuda em Crepúsculo dos Deuses, com tudo o que isso pode carregar em termos de cinismo, violência e, pasmem, afetuosidade. Mary Jane, por sua vez, caminha na direção da caricatura, da comédia de costumes, e esteticamente se assemelha a um comercial datado de televisão – e é exatamente nesse ponto que reside sua ambigüidade. As desventuras da protagonista começam num programa de auditório, e nele também se encerram: tudo o que se passa entre esses dois momentos é polarizado pela presença da TV. Mary Jane recebe a contragosto o estigma de atriz pornô, tem sua integridade questionada, planeja um atentado que é amplamente divulgado pelos telejornais e alcança a redenção nos palcos de um talk-show.

Seria o filme uma homenagem à pornochanchada ou uma crônica sobre a superficialidade e o sensacionalismo televisivos? Difícil saber. Tal como a personagem que retrata, o curta dirigido por Tony de Sousa parece duvidoso, desleixado e um pouco raso, mas contém em si mesmo uma certa graça, e esta lhe concede o benefício da dúvida.