Dossiê Tony de Souza
Parte 4: Pós-Boca
Fotos de Gabriel Carneiro e Pedro Ribaneto
Tony de Sousa – Primeiro vivi um pouco da atividade sindical. Em 1986 e na virada de década, nós tínhamos uma ligação com o sindicato dos artistas [SATED] e chegamos à conclusão que precisava do sindicato de técnicos. A publicidade ainda estava no auge em São Paulo. Formamos um grupo ligado à publicidade e a longas, o Sindicine, e fiquei à frente disso. Tentei fazer publicidade também, dirigindo. Nessa época, apareceu um edital de curtas da Secretaria de Cultural e com ele fiz O Fazedor de Fitas Inacabadas e alguns anos depois fiz o Mary Jane, no mesmo esquema.
Z – E quando começou a lecionar?
TS – Quando comecei a me dedicar mais ao sindicato, no final dos anos 1980, voltei a estudar, porque não havia sequer concluído o 2º grau. Quando a atividade começou a balançar no início do governo Collor, tive que tomar um rumo na vida, e fui estudar. Terminei o 2º grau e comecei a fazer graduação, no começo dos anos 1990. Fiz quatro anos de um curso de Letras. Depois comecei o mestrado e resolvi encarar uma atividade docente. Dei, por três anos, aula na UFSCar e faz dez anos que dou aula na graduação de Rádio e TV da Anhembi-Morumbi.
Z – Expresso para o Aanhangaba é um projeto dos anos 80 que só foi feito em 2002. Por que essa demora toda?
TS – Esse projeto era o meu projeto de estreia em longa-metragem. Tenho-o desde os anos 1980, época em que várias pessoas da minha geração estavam fazendo seus primeiros longas: o André Klotzel, o Wilson Barros, o Chico Botelho… A gente tinha uma turma de assistentes que queriam ser diretores que esperavam financiamento da Embrafilme. Tinha o Amílcar Monteiro Claro. Faço parte dessa geração. O meu projeto era esse. Só depois do fim da Embrafilme que retomei, quando houve esse edital do Ministério da Cultura. A temática nunca mudou: é um cara que sonha em seguir carreira de diretor, mas se envolve em publicidade e acaba protelando para fazer o filme até que rompe com tudo para filmar. Peguei o Jorge Duran para ajudar e fazer a versão definitiva do roteiro. Várias pessoas ajudaram, inclusive o Francisco Ramalho Jr.
Z – Em 1997, você tentou captar via Lei Rouanet e não conseguiu, e foi então tentar o edital de telefilmes.
TS – Tentei na Lei, com um longa que custava R$ 3 milhões e não consegui nada. Entrei então no edital de Telefilmes, que pagava R$ 290 mil.
Z – Como foi isso? Fazer com 10% do orçamento?
TS – Me atrapalhou muito. Com a idade, complica muito. Não tinha tanto cabelo branco quanto tenho agora, nesse filme que os ganhei. Já estava em outra fase da vida. Minha mulher me questionou muito: vale a pena passar por tanta coisa para fazer um filme? É muito barra pesada. Foi muito dificultoso, muito trabalhoso. Me desestimulou para caramba. Minha mulher até falou: “se você quiser continuar fazendo cinema desse jeito, sofrendo, caio fora”. Porque ela sofria para caramba também, para conseguir cumprir tudo. Tive que reduzir os prazos. Não mudei nada no roteiro, mas foi muito sacrificado. Filmei em digital.
Z – Porque chamou tanta gente da Boca para fazer pontas no filme, como o Máximo Barro e o Adriano Stuart?
TS – Aquele universo da Boca me marcou muito, todo aquele cenário, aquelas figuras que circulavam na época. Vivo tentando me livrar daquilo, mas não consigo. Em todos os filmes que faço, aparece a Boca. Ou visualmente, ou é citada. No Aanhangaba, tem uma cena grande na Boca. Faz parte do meu imaginário. Quis prestar homenagem a algumas pessoas, como o Máximo Barro. E algumas pessoas identifico como parte desse universo, como o Adriano Stuart. Também queria colocar o cenário. Meio uma declaração de amor.
Z – Expresso para o Aanhangaba me parece bem diferente de O Avesso do Avesso, por ser mais um filme de balanço e de memória.
TS – É isso mesmo. Ele mantém algumas características das coisas que faço, que é ser metalinguístico e colocar o universo da Boca de alguma forma. Dentro do metalinguístico, queria muito citar alguns filmes que marcaram e consegui fazer em parte. Acho que se tivesse feito a quantidade de filmes que o Carlão fez teria tido mais possibilidades de citar os filmes que me marcaram. Como fiz filmes com espaçamento de tempo muito grande, aproveitei o Aanhangaba para colocar várias coisas, em especial O Passageiro: Profissão Repórter, do Antonioni, que já aparecia em Mary Jane. Coloquei citação a Tarkovski, ao Carlão Reichenbach. Acho que você enxergou bem, é um filme de balanço, uma declaração de amor às coisas e às pessoas. Coloquei minha mulher, coloquei amigos. Balanço também de como enxergo o cinema e a arte. O que Tarkovski pensa sobre a arte é o que eu penso.
Z – Você acha que ter sido feito com tão pouco dinheiro prejudicou o resultado final do filme?
TS – Não. A única coisa que acho que sempre prejudicou minha atividade – não em sentido de lamentação, porque aceito o que aconteceu comigo – é conseguir fazer com que as pessoas tomem conhecimento de que existe a obra. Não é sucesso, me basta saber que você viu e fez a sua leitura. Não quero que nenhum crítico fale bem. O que faltou nas coisas que fiz foi divulgação. Não tenho talento para isso, tampouco habilidade. Se tivesse dinheiro, talvez tivesse conseguido pagar alguém para fazer isso. Tenho uma avaliação minha sobre os trabalhos que faço que é de não usar estrelas como um gancho para ser divulgado. Isso dificulta o filme aparecer na mídia. No caso específico do Aanhangaba, ele foi feito para passar na televisão, num canal do MinC chamado Cultura e Arte. Como eles extinguiram o canal, fiquei desobrigado dessa coisa com o MinC. Fiquei com o filme e podia fazer o que quisesse. O primeiro caminho que tentei foram as salas de cinemas. Cheguei a falar com André Sturm, para passar no Belas Artes, numa das primeiras salas digitais da cidade. Mas depois parece que não deu certo a sala digital que pretendia. Depois cheguei à conclusão que era mais certo exibir na televisão. Fui conversar no Canal Brasil. Eles ofereceram um valor irrisório, como oferecem a qualquer filme. Mas não era esse o problema, topava até de graça. Eles davam para assinar um contrato leonino – que acho que todo mundo assina -, mas como fui de sindicato, leio o contrato com outro rigor. Achei o contrato um absurdo. Tem uma cláusula que diz que, se qualquer pessoa fizer uma reclamação sobre direitos autorais e direito de imagem, é de inteira responsabilidade da produtora ressarcir o Canal Brasil por eventuais prejuízos. Tenho todos os contratos em ordem, mas acho um absurdo muito grande. Eles jogam toda a responsabilidade sobre o produtor e eximem o exibidor. Ofereci passar o filme de graça, desde que removessem aquela cláusula. Eles disseram que não podiam, porque era o padrão. Talvez tenha até tentado o canal errado, talvez a TV Cultura topasse, mas toda vez que tento e dá errado algumas vezes, desisto no meio do caminho e deixo de lado. Por que vou me matar? A responsabilidade da exibição deveria ser de outra instância. Não tenho competência para certas coisas, como distribuir e procurar exibidores. Por isso desisti de ser produtor, porque sou incompetente em fazer o filme chegar às pessoas. Meus filmes são todos meio inéditos.
Z – Você ainda pensa em dirigir?
TS – Sim, penso. Tenho um projeto de faroeste, que é sobre a invasão da cidade de Mossoró pelo bando do Lampião, chamado Lampião no Oeste, mas é um filme caro, um épico. Só topo fazê-lo se uma produtora me der suporte. Já fui na O2, acharam muito interessante, mas iam produzir não sei que filme e falaram que o meu projeto não era prioridade e que podia procurar outra produtora. Falaram até para voltar. Mas quis dar um tempo. Se não encontrar um produtor, vou continuar escrevendo livro, que é mais tranqüilo e na qual tenho mais competência. Chega um momento na vida que você tem que colocar seus limites. Uma coisa que me deixa incomodado no cinema é que envolve muitas pessoas e isso é complicado. Se você não tem paciência de lidar com muita gente, não é o seu lugar. Você fica com o peso de não fazer o filme aparecer. Agora estou fazendo o esforço de fazer os DVDs, o site e fazer os filmes que fiz aparecerem. São muitas pessoas envolvidas que depois te cobram. Os livros que escrevi têm um pouco essa função de complementar o que queria fazer no cinema e não aconteceu – nunca tive uma resposta efetiva.