O Analista de Taras Deliciosas

Especial Boca Pornô – 30 anos

O analista de taras deliciosas
Direção: Izuaf Rusnam (Fauzi Mansur)
Brasil, 1984.

Por Filipe Chamy

O analista de taras deliciosas não é um bom filme. Mas aparentemente poderia ser bem pior. Fauzi Mansur (ou Izuaf Rusnam, seu nome ao contrário, que adota como pseudônimo aqui) ao menos não tentou dar uma roupagem “sensual” ou “excitante” a algo que em essência é pastelão vagabundo com sexo explícito.

A coisa toda é uma paródia do célebre seriado Ilha da fantasia, com um homem vestido de branco e seu parceiro anão (o mítico Chumbinho) satisfazendo os desejos dos visitantes de seu refúgio. Não é difícil imaginar que tipos de desejos são esses, sendo o filme uma produção XXX realizada no ocaso da Boca do Lixo.

Na verdade, o filme é uma colagem de referências: de vampiros a faroeste spaghetti (Sartana “participa” de uma passagem, junto a Billy the Kid), de Elizabeth Taylor a nunexploitations, O analista de taras deliciosas é um amontoado de citações bizarras e realmente não muito engraçadas. O tratamento como sátira é interessante, mas o roteiro pedestre e a direção mambembe fazem a graça de tudo se esvair em seu conceito. Então é divertido e curioso saber essas “homenagens”, mas vê-las sendo desenvolvidas é um exercício desabonador e até meio agoniante.

E dá-lhe a “facilidade” de empregar músicas de 8 ½ e My fair lady, ou brincar de iconoclastia, deboche, sátira ou o que seja, quando o fato é que todo esse esqueleto só serve ao propósito de, mais uma vez, mostrar mil esquematizações sexuais e empobrecer qualquer tentativa de narrativa com “forçadas” tão absurdas e ridículas que é constrangedor presenciá-las. Um exemplo: uma das fantasias de um certo indivíduo era fazer sexo com Elizabeth Taylor. O homem diz que viu todos os seus filmes, a adora e venera; mas aparentemente isso não bastou para ele identificar uma sósia tão falsa quanto nota de meio dólar. Não se aplica aqui a lógica “irreal” da fábula ou da comédia, é nítido que isso é feito num espírito “vale tudo”, assumindo que o público do filme irá engolir qualquer coisa (e vejam a ironia da expressão), o que talvez seja verdade mas não dignifica os esforços de tosquice de Fauzi Mansur e toda sua equipe. E aí poder-se-ia acreditar que isso é uma crítica justamente ao falho caráter humano, pois todos acabam se contentando com mentiras, engodos, representações, apontando talvez para o interessante ponto de vista que escancara a futilidade das metas pessoais: no final das contas as pessoas se contentam com suas próprias fantasias, por mais risíveis e, não é tão redundante dizer, fantasiosas. Mas acreditar que esse comentário é mérito do filme é ter as coisas numa boa vontade assombrosa: é claro que qualquer achado nesse sentido é acaso da interpretação — O analista das taras deliciosas não tem qualquer pretensão em ser levado a sério e não gasta energias em transparecer um trabalho nesse sentido.

O que dizer de um filme que tem em seu elenco o Anão Chumbinho sendo “agraciado” com os favores de uma alegada enfermeira enquanto o “respeitável” médico elenca o rol de pacientes recém-chegados? Se é difícil encontrar forças para sorrir ante esse lamentável feito, dá para imaginar que o restante da obra não é muito melhor. E todas essas encenações, brincadeiras e farsas não são cômicas e nem criativas, pelo contrário, tomam carona em mil sucessos anteriores acreditando na certeza infelizmente quase sempre comprovada que um filme que zomba e referencia coisas famosas ou na moda deva merecer só por isso atenção e uma certa condescendência. Como se se acovardassem ante a própria fraqueza do trabalho e dissessem: “só damos o que o povo quer, o que o povo conhece”. É muito fácil se esconder por trás de desculpas que dizem respeito a uma situação social ou à estrutura do cinema no país. Difícil é fazer mesmo um bom filme. Só um bom filme.