Especial Boca Pornô – 30 anos
Comando explícito
Direção: Alfredo Sternheim
Brasil, 1986.
Por Filipe Chamy
Discordando do colega Matheus Trunk, que há poucos meses comentou este filme na Zingu!, preciso afirmar: Comando explícito é uma horrível experiência.
Seguindo a linha do também tosco Orgia familiar — inclusive com algumas repetições de “técnicos”, “atores” e “locações” —, é um filme reacionário e misógino travestido de livre e sensual: a marca de todos os filmes de sexo explícito de baixa categoria.
A hipocrisia da moral de Comando explícito não é necessariamente um problema. Mas percebendo todos os seus inúmeros outros defeitos, pode-se muito bem adicionar mais essa chaga à pele doentia que reveste o filme.
Como era de se esperar, o sexo vendido aqui é o mais próximo ao desejo bestial. Trata-se de copular, possuir, maltratar o corpo. Não concordo com o amigo Trunk quando diz que este filme tem marcas autorais: filmar closes em vulvas, falos, penetrações, felações e ejaculações não é nada particular de alguém se expressando. Pelo contrário, até: limitar-se a filmar relações sexuais não encenadas com atores não profissionais é um flerte inequívoco com certa tendência que impera hoje em boa parte da mídia do sexo industrializado. Ou seja, nem esse duvidoso mérito pode ser imputado ao filme; ele é igual em infâmia e amadorismo a mil outras produções ruins.
Desde o cartaz, que vende animadamente estupros e assaltos como excitantes, o filme encontra em cada segundo de sua metragem um motivo para ser execrado. Atores tão pavorosamente fracos que chegam a ser risíveis seus lamentáveis esforços em falarem os (ridículos) diálogos de seus personagens; trama esquemática que une rascunhos de crítica social vagabunda (assédio sexual no trabalho, por exemplo) à denúncia estupidificada da segurança deficitária dos centros urbanos.
Porque o mote de tudo são bandidos “marca barbante” que resolvem barbarizar uma casa, seus habitantes e empregados, e para isso servem-se das duas coisas por que aparentemente vivem: violência e sexo. Em doses cavalares (são bestiais até literalmente, portanto). Forçam todas as pessoas da casa a serem violadas ou torturadas, sob ameaça de tiros. Fazem o chefe de família ver o estupro da esposa, defloram a jovem filha adolescente, obrigam mulheres a se masturbarem, o cardápio é vasto. Infelizmente, o cozinheiro (Sternheim) não tem o dom de fazer o prato apetitoso, e o que resta ao espectador são cenas maçantes, mal filmadas, com a sempre patética insistência em colocar música erudita como trilha para as cenas, reiterando o descompasso entre a intenção e o resultado — isso torna o filme mais formulaico e sem graça ainda.
Com o pretexto de “celebrar a diversidade”, vemos um festival de abominações de toda sorte: se os homossexuais não devem ser menosprezados, por que não colocar um estereótipo bem grosseiro de um rapaz gay louco para ser seviciado pela gangue de estupradores? Se as mulheres merecem também receber o orgasmo, por que não colocá-las seguindo à risca a máxima que diz que “se o estupro é inevitável, relaxe e goze”? Se ninguém pensa em se rebelar contra os vilões do filme, que passam mais tempo copulando que ameaçando, por que não simplesmente deixar todo mundo com um boçal marasmo que supostamente significa medo, mas que em realidade significa apenas um mau desenvolvimento da história, do filme e dos personagens?
É difícil reunir nisso tudo a força para resistir, como os “heróis” apresentados (que ao final sagrar-se-ão vencedores em uma apoteose paródica); mas seria preciso ser realmente um herói para fingir ter prazer com algo tão infeliz quanto este filme.