A Máfia Sexual

Especial Boca Pornô – 30 anos

A Máfia Sexual
Direção: Sady Baby e Renato Alves
Brasil, 1986.

Por Leo Pyrata

Existem planos que passam por nossa vida e ficam marcados pra sempre como tatuagem em nossas retinas fustigadas e cansadas de tantas imagens esquecíveis. Ás vezes a coisa vem como que pelo acaso, numa feliz combinação quase astral de signos que se alinham dando mais profundidade para aquilo que é projetado na tela. O ato do público participar e completar um olhar do filme também permite alguns exageros e é a partir desse fato que eu me vejo no direito de cometer meus excessos para compartilhar um pouco sobre as minhas impressões sobre A Máfia Sexual . Filme de Sady Baby e Renalto Alves , em que Galego (Sady Baby) é um diretor de cinema que é preso pela policia federal por uma série de mutretas e na cadeia entra para a Máfia Sexual.

Junto com Pastor Crocodilo(Bim Bim) e um casal de detentos, ele foge para se vingar dos federais. Assim que consegue escapar, Galego obriga um casal de irmãos a consumar o incesto. Vê-se a seguir algumas seqüência de sexo feio harmonizadas com as pepitas da trilha sonora. Depois, o casal de presos deambula em abraços e beijos pelo centro de são Paulo em 86. De um lugar alto e distante, a câmera acompanha o trajeto até o casal ser escorraçado próximo de uma banca por um rapaz indignado armado com o jornal do dia. Impossível não pensar no Terayama jogando os livros e saindo por ai. Em Sady Baby, a transgressão é o próprio oxigênio do filme. A pulsão que pretende captar está sempre submetida aos gestos. Quebrar um ovo na glande de um ator quase é um ritual pra mostrar o sexo caseiro na cozinha.

A representação nesses filmes sempre tem em seu enquadramento o principio informativo. O registro que Sady e Renato fazem sobrevive muito dessa tensão entre o que é posto em cena e como isso é filmado. Quando a personagem de Leik-Du obriga seu amante a satisfazê-la o que existe é a assimilação do ator do que tipos de energia o filme precisa, pois a máfia está em dominar. E como a lógica das coisas nunca persiste por muito tempo nos filmes de Sady, é hora de interromper uma suruba com um revolver e depois com uma tocha e botar fogo no puteiro. Incendiada a cabaninha, é hora do cinema se tornar cachoeira. É nessa locação e com essa citação picareta de Humberto Mauro, que eu finalmente chego na cena que me levou a escrever sobre esse filme agora. Quem não tem Fuller tem Galego, de charuto no beiço e de revolver em punho está no habitat ideal para dar continuidade ao seu plano de vingança. Coloca suas putinhas para fazerem uma busca no local e logo encontra a amante de seu antagonista Tocha (Renalto Alves) que se torna alvo de uma tortura. Galego pega a moça e no meio da cachoeira ameaça matar e queimar o rosto da moça com seu charuto. Num dado momento, ele parece confuso entre queimar ou afogar a moça; depois surge outra seqüência, agora com Galego totalmente seco torturando outra moça e dessa vez ameaçando jogá-la num formigueiro.

Continuidade temporal é coisa para fracos. Por falar nisso, depois tem o caixão vermelho. Sim, um caixão vermelho é outro elemento bacana do filme. Ele surge pela primeira vez nos créditos inicias e volta à cena quando Tocha surge comentando que aquele é um lugar cruel. Tudo culpa da máfia sexual. .Enquanto isso, Galego segue traçando suas mafiosas na cachoeira até elas começarem a brigar por ele. Então é hora do confronto entre Galego e Tocha. Depois de um tiroteio, eles partem pra pancada, Galego leva a pior e é rendido por Tocha. Mas como os filmes precisam de finais felizes, surge alguém e mata o Federal.

Rola um misto de batismo-tortura com mais uma voluntária num tonel de óleo, que também merece nota. Ali tem toda essa força estranha, força-ação de barreiras própria do cinema de Sady Baby. Esse pajé intuitivo de um caos apocalíptico filmado como se Bosch fizesse um institucional do inferno da terra nos anos oitenta. A presença do Pastor Crocodilo pregando e a saturação de falas na banda sonora deixa a cena ainda mais extraordinária, mas o melhor mesmo é que a atriz torturada custa a sacar quando é sua deixa para morrer, o que deixa a cena ainda mais divertida. E a diversão não acaba. Um pouco depois, o pastor dá em cima de uma das mulheres do Galego e como vingança tem o sangue sugado por nosso vampiro Galego. Esse anjo caído de carne e osso sugando cinema de qualquer jugular, esgoto ou lote vago. Príncipe Valente da picaretice genial dos trópicos.