Dossiê Inácio Araújo
Entrevista com Inácio Araújo
Parte 3: França e a carreira de roteirista
Por Gabriel Carneiro
Fotos: Pedro Ribaneto
Zingu! – Em 1976, você foi para a França.
IA – Acabei o filme do Sylvio Back e fui para lá. Não fiz nem o trailer. Quem fez foi o Éder [Mazini], meu assistente na época. Tinha uma namorada que disse que ia pra lá. Ela foi, conseguiu uma bolsa lá, e me disse que era um chance de ir: agora ou nunca. Resolvi que ia. Ela me deu um pé na bunda, quando cheguei lá, porque fui uns tempos depois e ela já estava arranjada. Fiquei, porque era muito bom. Estudava, fazia uns cursos, mas, basicamente, via filmes, lia sobre cinema, ia na biblioteca, conversava sobre filmes.
Z – E você já tinha contato com a revista Cahiers du Cinéma?
IA – Já tinha, mesmo porque esse momento do Cahiers já não acho tão interessante. Claro, aproveitei para aprofundar a parte anterior, da fase amarela. Havia um ambiente muito bom. As aulas do Jean Douchet eram espetaculares. Tinha um amigo que era muito próximo do Douchet, chamado Velso Ribas, que ouvi dizer que morreu e eu espero que seja boato, porque era uma pessoa muito legal. Ele, que estudava no IDHEC, me levou um dia para assistir uma aula do Serge Daney, bem interessante, mas não se comparavam às aulas dadas pelo Douchet em Paris 6. Era uma coisa de louco.
Z – Você ficou três anos e meio, certo?
IA – Isso, até 1980. Já tinha feito o que tinha a fazer por lá. Você não pode morar muito tempo fora do teu país, porque não faz muito sentido, faz sentido provisório, você está aprendendo alguma coisa. Se você é exilado ou tem algum problema aqui, você faz a sua vida lá. Há pessoas que fazem isso, tenho um amigo, Laerte, que se estabeleceu lá, é psicólogo. Nunca pensei em ficar morando lá, sempre soube que voltaria. Não fazia sentido, não tinha a menor atração. Era uma outra vida, num outro continente, com outras preocupações. De maneira nenhuma isso me interessava. Então voltei.
Z – Quando você voltou, deixou a montagem de lado e foi ser roteirista.
IA – De certa maneira, me preparava para dirigir. Na montagem, já havia feito o que podia fazer. Tinha montado em vários estilos, em várias experiências. Fui ser então mais assistente de direção, mais roteirista, que acho me encaminhavam mais para a direção. Tinha a experiência do set, de estar presente. E tinha a questão da escrita, que me fascinavam naquele momento.
Z – Nos primeiros roteiros, você escrevia buscando dirigir ou quando surgia a demanda?
IA – Escrevia a medida que surgia a demanda. Trabalhei basicamente naquele filme do Cláudio [Cunha, Gosto do Pecado], com o Jean e com o Carlão.
Z – E nesses casos você acompanhava a filmagem?
IA – Só as do Cláudio. Mas foi um sofrimento tão grande. Porque ele fez de outro jeito completamente diferente do que havia imaginado. Eu era também assistente de direção, não podia chegar e dizer: ‘escuta, desculpa, mas o que você está fazendo é uma merda completa’. Nem era, mas para o que imaginava, era. Não assistia. Montei um filme do Jean [Tchau Amor], mas porque ele estava sem montador e eu estava sem emprego e tal.
Z – Como era trabalhar com o Jean?
IA – Ótimo, adorava. Ótima pessoa, muito talentoso. Muito diferente de mim. Talvez tenha sido melhor para mim do que para ele. O Jean gostava dos mistérios, dos tons altos, dos momentos fortes, climáticos. Eu não, gosto de trabalhar num tom mais baixo, escrevia assim. Por exemplo, O Fotógrafo talvez pudesse ter sido um filme melhor, mas ele quis fazer tal qual escrevi. Muito bacana, por um certo lado, mas o coração dele falta um pouco nesse filme. O roteiro é muito angustiante por isso: se ele faz como você quer, não é tão legal, se ele não faz como você quer, também não é tão legal. Com o Carlão era diferente, porque estava sempre de olho na mise-en-scène, desde o início. Sugeri alguma coisa, mas ele já pensava na imagem, no caso de Amor, Palavra Prostituta. Era a imagem que ele queria, não tinha dúvida.
Z – Como surgiu O Fotógrafo?
IA – Não me lembro. Acho que a idéia era fazer um filme para a Patrícia Scalvi e para o Roberto Miranda. Era um pouco isso: faz na linhagem hollywoodiana, do cara que vai atrás de uma mulher e a mulher da vida dele está embaixo do seu nariz e ele não vê. Não lembro se a ideia da imagem está presente. Era uma forma de colocar mulher pelada, o fotógrafo. Esses filmes às vezes tinham uns problemas, porque variavam de com quem esses caras estavam. Porque se estava namorando fulana, ficava mais fácil fazer com ela. Foi um problema no filme do Cláudio, porque a atriz que ele escolheu para fazer O Gosto do Pecado estava casada com ele na época [Simone Carvalho], mas não tinha nada a ver com a personagem, ela não tinha cara de secretária, tinha outra cara, e mesmo que ela tivesse, que fosse possível fazer isso, não era qualquer secretária, era um erotismo de secretária. Eu falei “isso aqui é um filme de uma transa, mas tem de ser uma puta transa, uma coisa muito legal.”. Ele botou a Alba Valéria lá, fazia um coisa cafajestíssima, uma coisa horrorosa, caipira, boba, dizia “tem que ter isso, tem que ter aquilo”, saiu uma besteirada, uma bobagem o filme. Desperdiçava-se o filme nessas coisas, é uma pena, como na questão dos dois carros, em que o Jean conseguiu fazer a cabeça dele. Também com o Jean, em Tchau Amor, acho que Angelina Muniz não tinha o tipo exato para o filme. Então tinha isso: além de procurar a atriz certa, se ele estava namorando a Angelina Muniz tinha de fazer um filme para a mulher, era uma mistura de vida pessoal e profissional que não dava tão certo, às vezes dava, mas no caso não. Mas também não foi tão ruim, a Angelina era legal, e tinha o Fagundes, que também era legal.
Z – E aí você foi fazer o roteiro com o Carlão, o Amor, Palavra Prostituta, que é de 81, e você foi também assistente de direção nesse filme. Como era o Carlão no set?
IA – Ah, ótimo. Sem problema nenhum. Ele sabe o que filmar. Mas o Carlão tem essa coisa. Ele conversava e dizia “Vou usar um plano japonês, uma teleobjetiva, um plano geral, ou outra coisa”, tinha muita conversa, evidentemente.
Z – E para fazer os roteiros também havia conversa?
IA – Claro, o tempo todo. Para fazer o roteiro a gente se encontrava às oito, nove horas da noite, depois do jantar, e ficava batendo papo até meia-noite, uma hora e aí começava a trabalhar. Era muito divertido. A gente trabalhava até de manhã.
Z – O Filme Demência também foi feito nesse esquema?
IA – O Filme Demência também foi assim, mas era uma história muito dele, íntima, pessoal. Claro que deve haver alguma coisa minha ali. Ele, às vezes, até me lembra “foi você quem pôs isso”, mas não lembro, me desculpa, rolou há um tempo já. Acho que as idéias básicas todas eram dele, o pianista, o demônio com suas várias faces, o espelho quebrado no fim, que era uma idéia fixa dele desde o início, tudo isso. Nesse filme, o que mais fiz foi tirar coisas, havia muito excesso no tratamento original dele e acho que funcionei mais limpando do que outra coisa.