Entrevista: Inácio Araújo – Parte 1

Dossiê Inácio Araújo

Entrevista com Inácio Araújo
Parte 1: Juventude e início como jornalista

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Por Gabriel Carneiro
Fotos: Pedro Ribaneto

Zingu! – Como foi sua infância?

Inácio Araujo – Nasci no Jardim Paulista. Meu pai era engenheiro do Estado e trabalhava basicamente no IPT, e, depois que se aposentou, trabalhou como consultor da ABNT. Minha infância foi, de certo modo, bastante solitária, porque meus irmãos eram mais velhos – dois, um irmão e uma irmã, respectivamente 9 e 10 anos mais velhos que eu – e mesmo a minha família era mais velha que eu. Não tive essa convivência próxima com irmãos e primos, sou completamente temporão. Isso determina o que sou, um aprendizado de estar só que tenho, e também de muita leitura. Se era de certa forma influência dos meus pais, era o que se tinha para fazer na época. Não tinha game, televisão, essas coisas. Tinha as turmas de rua, jogava bola, mas não era nada demais.

Z – Seu interesse pela área artística se deu primeiro pela literatura?

IA – Meus pais não tinham qualquer ligação com cinema, tinham com literatura. Cinema era visto como diversão e quando gostavam mais de um filme era pelo aspecto literário. Lembro que gostavam muito de Treze Cadeiras, com o Oscarito, que depois fui ver e achei chatíssimo. Era baseado em Tchekhov, devem ter várias adaptações, inclusive. Meus irmãos não. Quando tinha 9, 10 anos, eles tinham 19, 20, e iam naquele festival do cinema francês numa bienal e fiquei muitos anos com o catálogo, e aquilo me impressionava muito. Eles também conversavam muito, cinema era uma presença, e eu escutava. Nouvelle Vague era uma presença. Entrei no cinema muito mais pelo lado artístico, pelo cinema europeu, do que por outra coisa.

Z – O que você lia?

IA – Tenho até hoje uma coletânea de poetas brasileiros, que era da minha mãe, e lia vários deles. Acho que tinha uns 7, 8. Com 9Inacio4A-300x225 anos, escrevi um livrinho de poesias, que eram absurdas. Se Deus quiser, não tenho mais isso. As minhas fases poéticas tento eliminar. Mais tarde teria uma fase mais surrealista. Eu era próximo do Piva, do Willer, mais ou menos amigo e tal. O Piva era um cara fantástico, muito inteligente. Lia também muito Monteiro Lobato, Maurice Leblanc, Walter Scott, Robin Hood.

Z – Você via filme hollywoodiano?

IA – Via, mas via pouco. Fiz colégio num lugar que era num puta fim de mundo e era semi-internato. E detestava meus colegas, não todos, mas a maior parte deles. Passava o dia inteiro estudando, lendo. Era como uma prisão. Via muita chanchada. Quando você é pequeno, você gosta muito de chanchada, sobretudo por causa da língua, porque você não consegue ler, acompanhar as legendas. Eu ia no Cine Rio, na Consolação, que depois virou Teatro Record, e depois pegou fogo. Assistia à sessão zigue-zague, que era um must da garotada da época, 1h, 1h30 de Tom & Jerry. Lembro até da primeira experiência cinematográfica da minha vida, acho que até já escrevi sobre isso, que foi com Luzes da Ribalta, do Chaplin. Minha irmã fazia balé e me levou. Sabia que o Chaplin era comediante, mas o filme era aquela puta tragédia. Minha irmã não conseguiu ver o filme porque eu berrava na poltrona, e ela pedindo para ficar quieto. Tadinha (risos), adoro minha irmã, ela é formidável. Fiz ela me levar embora, não teve conversa. Ainda hoje não gosto do filme. Claro que tem momentos espetaculares. Mas peguei uma coisa com o filme. Fui rever mais velho e achei muito chato, aquela choradeira. (risos)

Z – Por que você escolheu Ciências Sociais para cursar faculdade?

IA – Foi meio por acaso. Era o primeiro ano da ECA e já tinha ideia de seguir a área de comunicação; cinema, jornalismo, um curso base. Mas ninguém sabia como era o vestibular. Aí fui para Ciências Sociais, que era na Maria Antônia, evidentemente muito mais divertido do que sair para a Cidade Universitária. Naquela época, podia entrar em duas. Mas preferi ficar no centro, que era o centro de tudo, onde estava toda a agitação. Não pensava em nada, não sabia o que queria muito bem. Talvez filosofia, mas tinha exame oral, e tinha um problema de comunicação verbal e achei que ia ficar mudo no exame, então não fiz. Mas era o que mais me atraía. Frequentava bastante filosofia na época. Não gostava muito de Ciências Sociais: gostava de antropologia, não gostava de política, nem de sociologia. Foi uma das razões de ter deixado o curso. A outra, e maior, claro, foi que a faculdade foi destruída. Nem vou dizer que foi um confronto, porque o pessoal do Mackenzie estava todo armado – estive lá cobrindo como repórter -, coisa de estudante. Havia um claro objetivo de destruir a Maria Antônia e fizeram isso. Já trabalhava no Jornal da Tarde, o que me dificultava frequentar o curso. Fazia uma ou duas cadeiras. O jornal exigia muito de novo, eu trabalhava demais. Na época, ainda saia à tarde, com uma abordagem diferente do assunto do jornal da manhã. O Estado soltava um crime tal, e agente falava quem era o criminoso, a família da vítima, uma série de coisas que não se fazia. Era um pouco herdeiro da revista Realidade, de certa maneira.

Z – Como conseguiu esse emprego no JT?

IA – Como quase tudo na vida, foi por acaso. Eu era dado a poeta. Na época, não havia xerox e essas coisas. Quando queria reproduzir para mostrar para os amigos, tinha que ir num lugar chamado Fotocopiadora Bandeirantes, que era na Praça da Sé, do lado da catedral. Não lembro que diabos eles faziam para copiar, mas tinha uma demora. Encontrei lá um amigo, que era muito versado em OVNISs Começa a falar do disco voador, da NASA, da KGB, sempre tinham provas e essas coisas e tal. Adoro maluco, tenho uma fascinação. Então ficava ouvindo, conversando. Como não tinha nada para fazer, ele me chamou para andar e conversar. No meio do caminho, disse que precisava ver um amigo que trabalhava no Jornal da Tarde. A gente está lá conversando e, de repente, ele me arranca os meus poemas e fala para o Laerte Fernandes, que era chefe de reportagem, ler. Não sei porque, era um coisa absurda, pretensamente surrealista. Ele deu uma olhada e virou para mim: Você quer trabalhar aqui? Aceitei na hora. Nem sabia se queria mesmo. Talvez tenha sido para revidar ao meu irmão que ficava me torrando o saco, dizendo: na idade dele, já ganhava, já trabalhava. Falei: vou ganhar mais do que esse cara ganhava. Besteira, essa coisa de irmão. Fui repórter da geral – o que hoje é cidades ou cotidiano, dos fatos locais – durante um ano e depois fui um ano como copydesk.

Parte 2