Dossiê Alfredo Sternheim
Tensão e Desejo
Direção: Alfredo Sternheim
Brasil, 1983
Por Vlademir Lazo
Quem Matou Leda?
A cena de abertura, pré-créditos, sintetiza a relação fracassada de Julia (Sandra Graffi), a personagem central de Tensão e Desejo, com seu namorado engenheiro, o romance cujo fim é selado com uma briga e o rompimento aparentemente definitivo. É uma introdução muito rápida, parte da economia narrativa de Alfredo Sternheim como cineasta, ele se retirando pela porta do apartamento e o choro da personagem feminina, uma forma escolhida pelo diretor para nos jogar no mundo de Julia, a qual passaremos a acompanhar dali em diante. Flashbacks mais adiante explicitarão o passado amoroso da personagem.
Tentando esquecer a relação interrompida, Julia se muda para uma cidade do litoral paulista, seguindo a clássica situação de uma personagem chegar a um meio isolado, calmo e distante e afetar a rotina de todos. Jovem professora, é o centro das atenções de um jornalista agitador por quem se apaixona, da loucura de um político casado e infeliz e dos desejos de Celina, a diretora da escola. O elenco, além de Sandra Graffi, conta ainda com Luiz Carlos Braga, Zilda Mayo e Meire Vieira ─ esta em uma de suas últimas participações no cinema, no papel de Leda, a esposa morta do político local.
Tensão e Desejo recebeu a classificação de fita policial, por conta de um assassinato no decorrer de sua trama e em torno do qual se desenvolve ao Julia ser acusada pelo crime e tendo que provar sua inocência. Entretanto, o filme carece de elementos típicos para ser tido como um filme do gênero (algo que outro diretor da Boca, Jean Garret, soube trabalhar bem melhor). Sternheim parece mais interessado em desenvolver as relações entre os personagens do que em propriamente contar uma historinha policial, evocando em cores o universo amoral dos film noir (com a devassidão por trás do moralismo, o que parece ser uma das obsessões mais recorrentes na obra do cineasta), o que talvez corresponda a uma intensa cinefilia do seu realizador (conhecedor profundo do cinema americano clássico, especialmente por seu trabalho como crítico).
Seu filme pode ser tido como algo próximo de um thriller erótico (subgênero inaugurado na mesma época pelo hollywoodiano Corpos Ardentes, de Lawrence Kasdan), com os recursos mais pobres e modestos da Boca do Lixo, já em franca decaída no ano de sua realização (1982) pela concorrência com os filmes pornôs que invadiam as telas de cinema e tomavam de assalto as locadoras com a proliferação do videocassete no Brasil. Tensão e Desejo, nesse sentido, é um filme de resistência (que se manteria mesmo nos filmes seguintes do diretor, os de sexo explícito), porque oferece o erotismo desejado pelo público aproveitando uma demanda do mercado, porém insiste nos desvios e digressões de Sternheim, desejoso sobretudo de fazer cinema, ainda que com resultados desiguais e acertos e erros dentro do mesmo filme. Há alguns diálogos fracos, uma ou outra explicação psicanalítica na boca de personagens, excessos de músicas clássicas que por vezes soam deslocadas, mas também imagens trabalhadas com grande cuidado (como a do sonho erótico no campo, de notável beleza plástica, no que ajuda a fotografia do ex-assistente de câmera Luiz Antônio Oliveira) e um clima mórbido que auxilia na construção do filme.
Filmado na cidade praiana de Mongaguá (onde o filme anterior do cineasta, Brisas do Amor, também foi rodado), Tensão e Desejo é também um presente de Sternheim para a sua atriz principal, Sandra Graffi, uma das musas mais tardias da Boca do Lixo, mas que apareceu em tempo de marcar o imaginário dos fãs do cinema paulista da época. Sua presença, em um papel principal (e não coadjuvante ou apenas de interesse amoroso dos personagens masculinos como em outros filmes nos quais apareceu), corresponde à altura a escalação, com sua compleição angelical e safada, inocente e sedutora, e de cabelos louros, que ilumina o filme, que enriquece o seu interesse. Ela é o centro de todo Tensão e Desejo.